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Terça-feira, 1/11/2005
Segundo, o primeiro de Maria Rita
Rafael Fernandes

Sim, vou falar do segundo disco da "ultracomentada" Maria Rita. Não, o título não é uma provocação gratuita típica de críticos engraçadinhos dos grandes jornais, que estão sempre prontos para achincalhar novos lançamentos - principalmente de MPB (hum, que sigla confusa), já que são obrigados a escrever sobre tais discos e interromper a audição daquela "super cool banda" de indie rock que faz uma música regurgitada dos anos 80, com eco dos 70.

Mas, sem gracejos, voltemos à Rita. "Segundo, o primeiro da Maria Rita" não por ser Maria Rita, de 2003, um disco dispensável, ou ruim. Pelo contrário, é um bom disco, como o segundo. Mas sua trajetória de cantora foi muito rápida: fez uma temporada de shows com Chico Pinheiro - gravou 3 músicas no disco dele Meia Noite, Meio Dia - depois, fez mais uma breve temporada solo e já entrou em estúdio. Apenas dois anos de estrada, muito pouco. Sim, ela já estava pronta e não há uma regra que diga que uma cantora tenha que fazer dois ou dez anos de shows underground para gravar um disco. Mas experiência faz diferença. Em seu primeiro, Maria Rita parecia um pouco insegura, presa, tanto no canto como no repertório - não sabia se gravava os novos autores ou os antigos, se ficava com standarts ou novidades. No segundo, está muito mais solta, brincando mais com a voz, se impondo. Também optou por gravar 11 músicas de compositores não "consagrados" - nesse caso, apenas "Sobre Todas as Coisas", de Edu e Chico.

Segundo opta por um formato ainda mais enxuto que o primeiro: se antes ainda havia o apoio de percussão ou eventualmente um violão e um metal, neste o formato é de trio de jazz, com os competentíssimos Tiago Costa (piano e fender Rhodes), Sylvinho Mazzuca (baixo acústico) e Cuca Teixeira (bateria); novamente as gravações foram feitas ao vivo, sem overdubs ou consertos. Assim, os arranjos permitem que Maria Rita se mostre uma cantora que se basta, ou seja, não precisa de qualquer truque de gravação para brilhar. Ela está lá, encarando o ouvinte de frente, mostrando que ela é, sim, uma grande cantora, mesmo tendo muito que aprender e evoluir.

Por outro lado, esse formato se mostra cansativo principalmente em relação à concepção dos arranjos, que repetem um mesmo formato, em que as músicas começam de forma suave e vão crescendo até alcançar um "êxtase" - o que nem sempre ocorre. Também pelo formato, as músicas acabam ficando com a mesma cara, o que é desagradável para algumas delas. "Ciranda do Mundo", de Eduardo Krieger - já gravada por Pedro Luís e a Parede no disco Zona e Progresso de 2001 - é muito boa, mas a versão de Maria Rita peca por essa abordagem em trio; a música quase clama por um arranjo mais encorpado e ousado. Algo parecido ocorre em "Muito Pouco", de Moska, muito boa canção, aparece como um dos destaques do disco, mas que também soa como se algo faltasse.

No quesito "canções singelas" - que se não primam por complexidade harmônica e melódica ou não apresentam grandes inovações, tem a proposta de mostrar a beleza no simples - destacam-se "Casa Pré Fabricada", de Marcelo Camelo, numa versão muito bonita, que evidencia sua bela melodia e até mesmo "Caminho das Águas", de Rodrigo Maranhão - apesar desta não estar à altura daquela. Já as músicas mais pop do disco não funcionam tão bem. "Mal Intento", de Jorge Dexler é uma música agradável, mas não passa disso; seu arranjo por horas esbarra numa sonoridade fusion. "Minha Alma (a paz que eu não quero)", d'O Rappa, não ficou ruim, mas perde em impacto e soa desnecessária pelo desgaste da música - que é excelente, mas de tanto tocar já passou do ponto.

"Sobre Todas as Coisas", de Edu Lobo e Chico Buarque - retirada do fantástico O Grande Circo Místico - aparece em pungente versão, que evidencia a evolução da cantora, que deveria arriscar cantar mais músicas dessa complexidade. "Sem Aviso", de Francisco Bosco, poderia ser confundida com mais uma do Marcelo Camelo, pelo seu tema e clima. É interessante, mas cansa um pouco, pelo excesso de "canções singelas", citadas anteriormente. Pelo mesmo motivo, cansa uma canção do próprio Camelo, "Despedida". "Feliz", de Dudu Falcão, faz jus ao nome e realmente parece uma "versão 2" de "Só de Você", musica de Rita Lee que Maria Rita cantava em seus shows antes de gravar seu primeiro disco.

No quesito samba, há a boa "Recado", mais uma de Rodrigo Maranhão, mas que peca pela falta de swing. Há também uma música pouco comentada, mas um dos destaques do disco, "Conta Outra" de Edu Tedeschi, em duas versões: ao vivo e em estúdio, esta para ser baixada na Internet. Nesta versão, há uma desconstrução do samba, com um resultado bastante interessante. A versão incluída no disco é ao vivo, um samba de estruturas simples, mas bastante maroto e que, sem mostrar grandes novidades musicais, mostra o quanto de swing tem Maria Rita, o quanto ela pode se divertir cantando, algo que não aparece tanto na maioria das canções do CD. Em seguida há uma música escondida, quase uma vinheta de despedida: "Mantra", de Rodrigo Maranhão e Pedro Luís, bela canção - mais uma das "singelas".

Segundo, mesmo tendo algumas restrições, é um bom disco, que - apesar de cansar às vezes - mostra boas canções e uma cantora em evolução. O que fica evidente é que falta alguém que dê um rumo para os arranjos; a direção escolhida pela cantora parece não ser a ideal. Mas fica a impressão que se existem equívocos, são resultado de uma artista ainda em busca de personalidade e que procura fazer o que sente, o que a emociona, que se importa com a música e ponto final.

Rafael Fernandes
São Paulo, 1/11/2005

 

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