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Quarta-feira, 14/12/2005 A boa e a média em 2005 Ana Elisa Ribeiro Todo final de ano dá aquela crise de retrospectiva. O parâmetro é meio artificial, mas é bom escanear o ano inteiro, com os holofotes virados para trás, e verificar se alguma coisa mudou. De preferência, para melhor. Se não houver jeito, mudou só para ficar diferente do que era. Em caso de se detectar que ficou diferente para pior, então o jeito é acionar a esperança de que o próximo ano seja... menos ruim. Mesmo pensando desse jeito, não sei bem como equilibrar o que foi bom, o que foi ruim e o que só mudou de roupa. A música continuou sem me atingir, o cinema não me fez nem cócegas e a literatura contemporânea... bem, parece que mudou de roupa. Talvez este seja o caso daquilo que ficou só diferente, nem melhor, nem pior. Será que isso é bom? Mirando a música, fico pensando que meu aparelho de som já sabe de cor as músicas de Norah Jones. Embora a moça tenha sofrido o demérito de virar trilha de novela global, o vozeirão não mudou. Especialmente, não piorou. Depois dela, meu som toca sozinho a Cassandra Wilson, que embora seja dada a interpretações de Tom Jobim, continua esquecida pelos produtores de massa. Será que ela acha isso bonito? Eu acho. E são apenas elas que me vêem à mente. Não consigo, nem que me esforce, pensar em outra opção de músico, nacional ou estrangeiro, que tenha arrebatado meus pêlos do braço quando cantou qualquer belíssima canção. Ninguém. Dos brasileiros, não fiquei nem sabendo. Mas aí já é um problema meu, que ando meio desligada. Telona O cinema me fez sair de casa algumas vezes. E é difícil me rebocar para uma sala para assistir a um filme! Que o digam meus amigos e até meu marido. Não saio. Prefiro gastar aquelas duas horas com qualquer serviço que me renda alguma coisa menos efêmera. Os pneus novos do carro, por exemplo. De qualquer maneira, saí algumas vezes para assistir a alguns longas (que talvez pudessem ser lengas): O Coronel e o Lobisomem me pareceu a série que poderia substituir a Malhação. Tudo bem, tudo bem, o Sítio do Pica-pau Amarelo. Consegui dar duas risadas em duas horas, média baixíssima para mim. Quem me conhece sabe que meu patamar é mais alto. O filme, para puro entretenimento (e não há nada de mal nisso, claro), me fez descrer em atores que eu tinha em alta conta. Veja-se Selton Melo em Lavoura Arcaica e, depois, travestido de Lobisomem. Nem Walt Disney faria uma fera tão boazinha. Saí também para ver Nove Canções. Meu Deus, e como me arrependi. Uma sequência alternada entre clipes amadores e filme pornô. Mas não é qualquer pornô. É daqueles em que o ângulo não favorece o espectador. (Entenda isso como quiser.) Também vi, em DVD alugado, o polêmico Irreversível. Esse, sim, me arrebatou e me deixou encucada por dias e dias. Parei, pensei e me deu muito calafrio. Valeu a pena por todos os outros, que eu lembro e de que me esqueci. Literatura, que é o que interessa E os livros? A impressão que dá é que o mercado editorial foi bem menos prolífico. Nada de feiras ou festas interessantes. Não compareci a quase nada. Foi divertido ir ao Salão do Livro de Belo Horizonte e aparecer no Fórum das Letras. A Flip continua uma célebre desconhecida, especialmente depois que ela virou festa de iniciados. Recebi muitos livros. Participei de alguns. Anda cansativa a lengalenga das antologias, que continuam pipocando. No entanto, algo que me deixou com este gosto de cabo de guardachuva na boca: em todos os lugares aparecem os mesmos escritores. Para variar, a tchurma de São Paulo, a mesma listinha de nomes, os livros em série. Então não achei que devesse me mexer muito para ler o que me dava sensação de déjà-vu. Algo que tem me deixado perturbada, e sobre o que ainda vou escrever com mais vagar, é a experiência maravilhosa da leitura pública de textos literários. Em 2005, li em público poemas e minicontos, meus e de outros, para platéias em Belo Horizonte e Ouro Preto. E tive muita vontade de explicar aos editores que se a literatura não vende, a culpa não parece ser dos poemas nem dos contos. Ao menos não é o que se pode ver, explicitamente, na reação das platéias. O Fórum das Letras pôs um palco na rua e três poetas empunhando textos. Durante mais de uma hora as pessoas ouviram atentas os poemas dardejados lá de cima. E quando descemos do palco, vieram multidões dando abraços, pedindo autógrafos e perguntando onde comprar o livro. No Palácio das Artes, também, para um público bem menor, embora não menos importante, aconteceu de as pessoas irem ali para assistir à leitura de poemas e perguntar se o livro poderia ser encontrado na livraria mais próxima. Explico: não, não pode. É que os editores ainda não decidiram fazer um livro. O melhor do ano parece ter sido perceber que a leitura pública continua contemporânea de todas as outras tecnologias de publicação. A despeito da existência do livro, da internet, do outdoor, do busdoor, o corpo do poeta continua sendo um suporte possível para os textos que não se publicam por outras vias. Na Grécia, a leitura pública tinha uma função. Na Idade Média, outra. Nas fábricas de charutos cubanos, os funcionários enrolavam os cigarros sob o torpor da leitura de um funcionário leitor. Era como um rádio. E estão aí os poetas da era digital lendo em público, ainda. Publicando pela voz, ainda. Fazendo parte, então, deste "regime de escrita", segundo o conceito de Babo e Burke. O melhor de tudo foi não dar a mínima para o mais do mesmo que se desenrolava nas editoras, tanto nas grandes quanto na pequenas. Aqueles nomes repetidos, que também repetem as fórmulas de escrever, ficaram parecendo ecos deles mesmos. Se antes todo mundo publicava poesia, migraram para o conto. De repente, quando o conto ficou muito "farofa", migraram para o romance. E agora, quando se pergunta, respondem: estou a escrever um romance. Enquanto isso, fui a Recife falar de hipertexto, publiquei em revista, escrevi para outros públicos e tenho a sensação de que ainda estou em 2002, quando o boom da nova literatura aconteceu. Parece que o melhor de 2005 é esperar que 2006 seja mais interessante ou ajuntar mais público em largos, ao ar livre, para jogar poemas ao ar. Ana Elisa Ribeiro |
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