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Quinta-feira, 15/12/2005
Adeus, Orkut
Ana Eliza Nardi

Consigo lembrar com precisão o dia em que fiz meu perfil do Orkut: 12 de maio de 2004. Um ano e 7 meses me separam desse fatídico dia. Quando cliquei no link do e-mail, aceitei o convite, respondi àquele questionário enorme e escolhi minha foto mais legal, não podia imaginar o que era de fato aquele mundinho azul. Eu só sabia que Orkut era um site com comunidades para todos os gostos, cheio de gente bacana e que era preciso ser convidado por um membro pra entrar. Levei alguns dias pra me situar, achava supimpa reencontrar pessoas e receber scraps e testimonials.

Enquanto eu conhecia o site e reencontrava o passado, me deliciava com álbuns de fotos e scrapbooks alheios. Aquilo foi passando do limite da diversão e se tornou um vício, porém ao meu ver, era algo saudável e controlável. No inicio de setembro de 2004 tive meu primeiro surto contra o Orkut e após o término de um namoro deletei minha conta. Menos de um dia após a crise, lá estava eu com uma conta novinha em folha, adicionando todos meus amigos, entrando nas comunidades, participando dos fóruns, escrevendo e recebendo recadinhos e depoimentos. Nada havia mudado. Olhando pra trás, vejo que nessa época eu ainda não havia sido "tocada" de fato pelo mal que assola o Orkut: a falta de privacidade. Na verdade, aquilo tudo era pra mim uma grande brincadeira e eu não conseguia perceber que era uma diversão perigosa. O Orkut desperta o nosso lado voyeur e só percebemos o quanto isso pode ser ruim quando nos sentimos prejudicados pela superexposição. Justamente por não conhecer o lado ruim do Orkut que eu voltei tão rápido. E ali estava eu, com perfil novo e completinho, com fotos, meus gostos, paixões e o endereço do meu blog (que também já não existe mais).

Nessa nova conta eu conheci muita gente, inclusive o garoto que me alegra os dias. Foi também nessa conta que eu experimentei as primeiras crises causadas pelo meu voyeurismo e pelo dos outros. O que era um site de relacionamentos com comunidades para todos os gostos se tornou uma revista de fofocas. Eu estava em quinhentas comunidades (500 mesmo, não é um exagero nem um número meramente alegórico) e não participava de nenhum fórum, simplesmente minha foto com meu nome embaixo constava nas listas de membros. Mas eu passava horas logada, respondendo scraps, fuçando perfis, tendo pequenas crises (de riso, choro, histeria e coisa e tal).Comecei a sentir ciúme dos scraps deixados por meninas pro meu garoto e, mais de uma vez, interroguei-o a respeito, causando um desconforto desnecessário. Por outro lado, assisti minha vida se tornar de domínio público e mais de uma vez soube que pessoas de que eu não gosto sabiam mais do meu dia-a-dia do que aquelas do meu convívio. Não posso esquecer de citar os perfis falsos, criados sabe-se lá com qual intenção e que insistiam em tentar entrar na minha lista de amigos.

Tentei de tudo para me preservar: deletei fotos, scraps, tirei o link pro blog. Passei a recusar todo e qualquer desconhecido na minha lista e por fim deixei de escrever para os amigos. Enfim, decidi não deixar pistas mais e apagar as existentes. Antes que pensem que sou neurótica, só fiz tudo isso porque realmente a invasão de privacidade foi absurda, encontrei com um desses psicóticos soltos pela Web e quase enlouqueci com isso. Eu, que escrevia blogs há 4 anos, tive medo de ter minha vida exposta e me fechei completamente para o mundo virtual naquele momento. A única solução realmente eficaz seria deletar minha conta e foi o que fiz. Foi definitivo dessa vez e não estou sentindo falta daquele mundo. Lembro que, em dezembro de 2004, numa das minhas idas a Porto Alegre, conheci um garoto que havia acabado de se "suicidar" no Orkut e, enquanto ele falava nos males da superexposição, eu argumentava que não há como ter privacidade total. Realmente, não há e foi por isso que eu saí, se não quero que saibam sobre mim, melhor fazer segredo, certo?!

Esqueci de contar que antes disso tudo tive uma conta "roubada" e ela existe ainda no Orkut, só eu não consigo acessá-la e por causa desse fato tive que mudar de MSN. Sim, eu devo ser a pessoa mais complicada da história de todo o Orkut, e acho que a melhor coisa que fiz foi abandonar o barco. Claro que foi muito divertido, reencontrei velhos amigos, conheci gente bacana, encontrei um amor. Tudo isso assim, gratuito, graças ao Google e seu mundinho azul. Divertidos também foram os e-mails que recebi logo que anunciei meu suicídio orkutiano, em grande parte me parabenizando pela façanha, outros tristes achando que eu ia sumir no mapa e também um do Julio me pedindo pra escrever sobre a minha saída. E eu pensei nesses dezenove meses em que passei brincando ali, lembrei das crises de riso quando achava alguma comunidade nonsense, das crises de ciúme, das vezes em que me comparei a outras garotas. Também lembrei da febre dos scraps coloridos, do ódio que sinto da tal de orkutmania. Foram inúmeras as horas que perdi, ou ganhei, logada e não cabe aqui dizer se valeu ou não a pena, até porque nem eu sei a resposta, mas foi como tudo na minha vida, teve inicio, meio e fim. Sem contar que nada melhor do que terminar algo em dezembro, pra começar o ano novo noutros lugares...

Ana Eliza Nardi
Campinas, 15/12/2005

 

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