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Segunda-feira, 19/12/2005 15 destaques do cinema internacional em 2005 Marcelo Miranda O ano está chegando ao final e, junto com ele, a temporada de lançamentos cinematográficos. Época de lembranças, balanços, listas e o que mais ajudar a repassar os melhores e piores momentos do que foi exibido nas telas nacionais. No que se refere ao Brasil, esse recorte será sempre meio capenga. Afinal, como costumo falar aqui, o nosso circuito exibidor é quase completamente dominado pelo que vem de fora, em especial os EUA. Sejamos justos: não é "privilégio" nosso. Isso acontece no mundo todo, praticamente. O que em nada diminui a frustração de quem busca no cinema a diversidade cultural e artística proporcionada por ele. Não estou a dizer que o filme americano é de todo ruim. Como em qualquer cinematografia, há as boas e as más produções. O complicado é quando o grosso das más é despejado na nossa frente, enquanto o filé mignon não consegue espaço. E esse despejo todo tira a chance de trabalhos de outros países terem chances de exibição. Pense você, leitor e cinéfilo "comum": quantos filmes assistiu neste ano numa sala de cinema? Talvez uns 10 ou 15, no chute. Uns 30, se for muito interessado. Uns 50, se for bastante interessado. Destes, quantos faziam parte da força poderosa de Hollywood? É o que mais nos chega, não tem jeito. Ficamos sem escolha, à mercê de exemplares como Harry Potter e o Cálice de Fogo ou Star Wars: Episódio III, que estrearam com aproximadamente 500 cópias cada um, enquanto os lançamentos médios não chegam a 60 cópias, num país com pouco mais de 1.800 salas de exibição. A concentração é covarde. Os exibidores não podem fazer muita coisa. Eles trabalham num ramo de comércio. Vendem bilhetes para os filmes e ganham seus lucros com isso. Quanto mais Harry Potter e afins aparecer, melhor. Ainda mais num ano com queda na arrecadação, em que até a indústria americana amarga prejuízos - a bilheteria por lá caiu 9% em relação a 2004. Então, num mercado complexo e delicado como este, os chamados blockbusters servem de verdadeira salvação e, ironicamente, a única forma dos filmes "menores" terem alguma esperança de ganharem uma sessão que seja. Mas me desviei do tema da coluna na tentativa de desabafar. Minha intenção é a mais óbvia possível: listar destaques lançados no Brasil em 2005. Claro, são dezenas e dezenas de produções, e vou aqui citar algumas das que me chamaram mais atenção. Algo "pessoal e intransferível", mas que pode servir de orientação ou recordação para quem viu e não viu esses trabalhos. O gostoso de listas assim é mesmo discordar e debater os motivos de porque tal filme entrou ou deixou de entrar. Então sintam-se à vontade para falar. Afinal, sou humano. E também um cinéfilo brasileiro, que não desiste nunca. * Menina de Ouro - um dos melhores filmes do ano, dirigido por Clint Eastwood, provável maior nome do cinema norte-americano em atividade. A saga da jovem boxeadora em busca de redenção comoveu platéias. A sobriedade de Eastwood, o sentimento verdadeiramente humano impresso nas imagens, os questionamentos morais típicos de seu cinema, a negação de Deus e vários outros elementos formam uma obra-prima de singeleza e grande complexidade. * O Aviador - Se Eastwood pode ser o maior cineasta americano vivo em atividade, Martin Scorsese tem grandes chances de ser o segundo. Apesar de ter se rendido às megaproduções, ele continua a inserir sua veia autoral nos filmes que realiza, deixando marcas típicas. Neste caso, a escolha por abordar um personagem real numa cinebiografia conta menos do que o protagonista Howard Hughes ser um excêntrico isolado e problemático. Personagem que vai ao encontro dos tipos tão retratados por Scorsese ao longo da carreira, Hughes não encontra lugar no mundo, e para isso extravasa de outras formas - seja na aviação, nos negócios ou na cama com homens e mulheres. Vítima de transtorno obsessivo-compulsivo, cava sua própria cova num universo de gigantes. Destaque absoluto para a interpretação de Leonardo DiCaprio, num papel de difícil desenvolvimento e no qual ele se sai maravilhosamente bem. * The Brown Bunny - passou meio batido este polêmico filme de Vincent Gallo, que chocou o Festival de Cannes em 2003 por conta de uma seqüência explícita de sexo oral. Pura implicância gratuita: triste e melancólico trabalho, com nuances muito além da lentidão da narrativa ou da tal cena de felação. É a história de amor de um homem atormentado pelo passado e pela culpa - e o espectador fica quase o tempo todo sem saber os motivos dele vagar pelas estradas do país atrás sabe-se lá de quê. A não-ação do filme até o momento íntimo do casal só é completamente entendida no fim, quando tudo se fecha e deixa às claras a maturidade deste pequeno tratado sobre solidão e desespero. No fundo, ainda existe certa leitura política sobre a aceitação e subordinação ao destino perante momentos extremos da vida. Só vendo. * Herói e O Clã das Adagas Voadoras - a dobradinha do chinês Zhang Yimou chegou aos nossos cinemas com duas semanas de diferença. Um bombardeio de lutas impossíveis, imagens pictóricas, histórias épicas, honra e paixões. Herói era mais politizado, servindo como defesa do imperialismo ao mostrar o guerreiro que se diz amigo do rei, mas quer apenas lhe passar a perna - e paga caro por isso. Depois, com O Clã..., Yimou se acalma, mas vai além no envolvimento amoroso dos personagens e entrega uma tragédia sobre ciúme e luxúria, num espetáculo de cores como há muito não se via. No saldo, prefiro este ao anterior, mas ambos formam um díptico bastante interessante de serem vistos lado a lado. Experiência ainda mais curiosa será olhá-los novamente depois que estrear comercialmente Seven Swords, espécie de "resposta" a Yimou realizada pelo mestre Tsui Hark. Quando chegar nas suas bandas, não perca de jeito nenhum.
* Reencarnação e O Lenhador - aparentemente, nada a ver um filme com o outro. O que os aproxima é a escolha por um registro sereno de temas aparentemente minúsculos, mas que ganham teor gigantesco ao se pensar nos personagens envolvidos. Gente comum, sofredora de choques inesperados e tentando se adaptar a novas realidades. O primeiro traz Nicole Kidman como uma viúva que parece encontrar num moleque surgido do nada a alma do marido morto; no segundo, homem tenta se readaptar à sociedade após anos na prisão por pedofilia. Em ambos, a dor de aceitar situações-limite, de ter o sangue frio para não ultrapassar fronteiras impostas por uma sociedade marcada pela hipocrisia. Em ambos, a singeleza do olhar, a discrição do movimento, a intensidade das menores ações. * Maria Cheia de Graça - outro filme "pequeno" que nos atinge com grande força. Não há surpresas na história da pobre colombiana grávida que precisa chegar aos EUA carregando drogas no próprio ventre. A tensão brota dos momentos mais humanos, como na frustração por não se ter a vida que sonhou, na travessia do oceano rumo ao destino incerto e em busca de dinheiro, nas relações da protagonista com os demais personagens. A linda e talentosa Catalina Sandino Moreno oferece uma das grandes interpretações do ano, num minimalismo que apenas valoriza a pequena saga apresentada ao espectador. E o final, causador de várias discussões, é coerente com toda a trajetória até então - havia opções? Nem mais e nem menos. * Água Negra - pouca gente parece ter entendido o espírito deste primeiro projeto de Walter Salles em Hollywood. Não, nem de longe é um filme perfeito, mas tem momentos de enorme significado e relevância. É, no mínimo, pequeno conto sobre uma mulher em busca de paz. Ela se muda com a filha para prédio aparentemente assombrado, o que a faz questionar a própria sanidade - numa leitura interessante com obras-primas de Roman Polanski, entre elas O Bebê de Rosemary e O Inquilino. Deixe de lado a busca pelo terror e se envolva no drama da personagem de Jennifer Connelly. Vai aproveitar muito mais. * Oldboy - violência literalmente à flor da pele, este primeiro filme do coreano Park Chan-Wook a ser exibido no Brasil é uma verdadeira tragédia grega do submundo, em que o sangue é parte intrínseca de um universo movido a vingança. Não bastasse o visual caricato, porém doloroso se ver, criado pelo diretor, seu roteiro guarda lances de enorme originalidade, em especial ao inverter (e subverter) a velha situação dos planos do "herói" contra o "vilão". Aqui, definitivamente as coisas não são tão simples. Experiência estética, sonora e inebriante.
* Manderlay - mais maduro e certeiro nas suas intenções, o dinamarquês Lars Von Trier aponta seus canhões antiamericanos para a escravidão na América. Depois de Dogville, a personagem Grace já tem noção plena de sua natureza e tenta impor numa comunidade ainda escravocrata o regime democrático. Ela só esquece de combinar com o adversário... Von Trier explicita a sua visão do quanto o homem não esta preparado para lidar com os próprios preconceitos e, mais especificamente, critica a mania dos EUA de se intrometerem nos conflitos internos alheios. O recado e a forma de enviá-lo é poderoso, e o talento do cineasta se sobressai a cada cena. Mais difícil de digerir que o filme anterior, e por isso mesmo mais instigante e elaborado. * O Jardineiro Fiel - romance ou thriller? Denúncia social ou drama investigativo? O que menos importa é a embalagem. O conteúdo dessa estréia de Fernando Meirelles no mercado internacional é ouro puro: filme de atitude, ativo, direto na carne, lidando com questões atuais, polêmicas e oportunas. Obra corajosa, de impacto certeiro, que comove pelo lado fictício do enredo e pela abordagem realista da direção. A máfia da indústria farmacêutica na África é tratada por Meirelles através do amor barbaramente interrompido de um diplomata e uma ativista. Grande trabalho. * Terra dos Mortos - o tão propalado retorno de George Romero ao gênero que ele criou e consagrou (o filme de zumbis) não decepciona. Mais uma vez ele usa os mortos-vivos para falar da sociedade capitalista e os males que o ser humano causa a si mesmo. A grande sacada dos filmes de Romero é a noção de que o homem é mais selvagem e irracional que um zumbi. Aqui, há a fortificação liderada por Dennis Hopper para separar os vivos dos mortos e ganhar dinheiro fácil com isso. O que ninguém esperava era dos ressuscitados liderarem um levante beirando o revolucionário. Romero deita e rola em cenas de sangüinolência, com todo seu estilo único e mordaz. Haja estômago. E haja talento e ironia.
(Na próxima coluna, breves comentários sobre os destaques do cinema brasileiro no ano que está acabando. Não foram poucos. Até lá.) Post-scriptum Logo depois de fechar esta coluna, recebo a informação de que King Kong, nova versão do clássico de 1933, agora pelas mãos do neozelandês Peter Jackson, estreou na sexta-feira no Brasil com 650 (!) cópias. Sem comentários... Marcelo Miranda |
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