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Quarta-feira, 21/12/2005 Ave, Cesar! Rafael Fernandes César Camargo Mariano é um daqueles músicos que dispensaria apresentações, pelo que já fez e pelo que continua fazendo pela musica brasileira (e, por que não ?, mundial). Porém, vale recapitular um pouco alguns aspectos de sua carreira para os mais esquecidos ou para os que só sabem que ele "era o marido da Elis", ou, atualmente, "é o pai da Maria Rita". César é pianista (ou "pianeiro", como às vezes fala, por não ter educação formal de pianista), compositor, arranjador e produtor. Desde 1994 mora nos EUA, onde trabalha basicamente com produção, arranjos e acompanhando artistas. Participou de grande parte da carreira de Elis Regina - para muitos, a melhor fase da cantora se deu nessa parceria com César; trabalhou ainda com Nana Caymmi (com quem gravou um antológico duo de piano e voz, Voz e Suor, de 1983); sua enorme lista de colaboração ainda inclui Wilson Simonal, Gal Costa, Ney Matogrosso, João Bosco, Leila Pinheiro, Dianne Reeves, John Pizzarelli, entre outros (muitos outros). Em sua discografia solo, destaca-se o disco Samambaia, de 1981, um duo de piano e violão com Hélio Delmiro. Esse disco é um marco na música instrumental, tornando-se um clássico e sendo referência até os dias atuais. No penúltimo fim de semana de 2005, um maravilhoso presente de Natal para quem gosta de música instrumental, César realizou shows no recém inaugurado SESC Santana. Aliás, valem algumas palavras para o SESC: suas unidades são dos poucos lugares em que os palcos são utilizados por músicos consagrados - como César - e músicos iniciantes, com uma infra-estrutura invejável; suas instalações são excelentes. A unidade Santana faz jus à qualidade das demais. César abriu seu show com um improviso ("para aquecer um pouco", em suas próprias palavras), seguida de uma brilhante interpretação de "Carinhoso" (Pixinguinha e João de Barro) - com arranjo semelhante ao utilizado no disco Samambaia. Depois, tocou a música "Da Cor do Pecado", de Bororó (já gravada, entre outros, por Wilson Simonal, Elis Regina e Fagner). Em seguida, pegou o microfone e agradeceu ao público e ao SESC, elogiando a estrutura deste. Aliás, neste momento o músico mostrou como estava à vontade e contrariou sua fama de tímido e introspectivo: falou bastante, fez brincadeiras com o público e com ele próprio (entre outras coisas, disse que estava nervoso, que sempre aguarda os chamados dos SESCs e até elogiou o banheiro do local, arrancando risadas da platéia). Depois de encerrados os agradecimentos, apresentou seus próximos números: "Samambaia" e "Curumim" (de autoria do próprio César), presentes no clássico disco com Hélio Delmiro. Ao tocar essas músicas, ficou evidente o quanto César estava à vontade e empolgado; a impressão era de que o público estava na sala de César, que tocava com grande descontração (mas com a excelência de sempre). Após esses dois números, voltou ao microfone para apresentar suas três interpretações seguintes: "Setembro" (bela balada de Ivan Lins, Gilson Peranzzetta e Vitor Martins, em interpretação pungente de César), ressaltando a reputação que Ivan Lins tem no exterior - particularmente nos EUA, onde o consideram um dos cinco compositores mais importantes atualmente; "Por Toda a Minha Vida" (Tom Jobim e Vinícius de Morais) - que foi interpretada com a dramaticidade necessária e a swingada "Tem Dó", de Baden Powell e Vinícius de Morais - o músico lembrou a influência do violão de Baden para a Bossa Nova. Mais uma parada para fala. Dessa vez, César utilizou-a para apresentar Moacir Santos. Contou a história de como Santos não foi valorizado no Brasil e foi tentar a vida em Nova York (nos anos 60), levando a mulher e sete filhos que o ajudaram vendendo pé de moleque no Central Park. Para homenageá-los, escreveu April Child, que César interpretou num arranjo parecido com o executado no disco Duo, com Romero Lubambo. Nessa canção, mais uma vez ficou evidente o swing de César ao piano; sua mão esquerda, além de conduzir a harmonia, é capaz de produzir ritmos irresistíveis. Mais uma parada para agradecimentos e apresentação das três últimas músicas antes do bis, que foram interpretadas de uma vez só, sem pausas, unidas de maneira sublime, sem interrupções bruscas: "A Primeira Vez" (Marçal e Bide), "Outra Vez" (Tom Jobim) e "Cristal" (do próprio César e recentemente gravada com o violoncelista Yo-Yo Ma). Para o bis, o músico voltou ao palco e iniciou um improviso que aos poucos desembocou na clássica "Wave", de Tom Jobim, num arranjo quase minimalista, encerrando uma apresentação no mínimo excepcional. César é um grande exemplo de músico formado por muito estudo - não necessariamente formal. Isso fica claro em suas apresentações, pois, para atingir tal nível de maturidade e rigor, não é só "dom" que conta, nem apenas inspiração; há muita transpiração. Numa época em que muitos músicos se gabam de utilizarem apenas seus "instintos", César é a prova do que disse Stravinski (e que Tom Jobim concordava), de que a música moderna é 5% inspiração e 95% transpiração. Ave, César! Rafael Fernandes |
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