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Quinta-feira, 22/12/2005 Do brócolis ao samba Adriana Baggio Quando a tevê começa a anunciar sua programação de final de ano, eu sinto calafrios ao ouvir as chamadas para a "Retrospectiva" do Globo Repórter. Não sei exatamente o porquê. Talvez seja a angústia de relembrar acontecimentos trágicos. Normalmente as notícias mais importantes são as piores. Ao selecionarem os fatos relevantes para apresentar um panorama do ano, é provável que a gente tenha a impressão de que ele foi uma verdadeira tragédia. E não foi mesmo? 2005 começou com tsunami na Ásia, depois teve furacão, terremoto, secas e enchentes. Antes da metade do ano, já surgiam as primeiras revelações sobre o escândalo político que se arrasta até hoje. Faz uns nove meses, ou seja, uma verdadeira novela. Só que essa parece que vai durar mais. A restrospectiva não vai poder tratar de algo que teve começo, meio e fim. Vai ser uma espécie de resumo do que aconteceu até agora. O que mais aconteceu neste ano, deixe me ver. Putz, não consigo lembrar agora. E este é o outro motivo que me faz detestar essas retrospectivas: elas me mostram que, por mais acontecimentos trágicos que tenham assolado o Brasil e o mundo, poucos são os que permaneceram na minha memória. Muita coisa, muita informação, a banalização da tragédia. Junte-se a isso um comportamento desatento e dispersivo e poucas coisas acabam restando na memória na hora de tentar selecionar o melhor de 2005. Penso que as melhores coisas da vida também podem ser simples e cotidianas. E dessas eu acabo lembrando com mais facilidade. No meu trabalho, fizemos um cartão de Ano Novo para colaboradores, clientes e parceiros onde sugerimos às pessoas que destaquem o que há de bom nas situações comuns do dia-a-dia (Deus permita que eu continue a criar cartões em que realmente acredite nas mensagens transmitidas. Manter o que for possível de sinceridade em um material publicitário torna mais breve minha permanência no purgatório). Por realmente me agarrar à crença de que a felicidade é formada por milhares de pequenos momentos felizes, a minha lista dos melhores de 2005 contém itens bem prosaicos. Talvez você não concorde ou ache-os muito fúteis. Mas alguns até podem inspirar você a admitir que o ano não foi tão mal assim. Eu queria começar este momento Polyana dizendo que, apesar de tudo de ruim que a corrupção e os desvios de dinheiro no governo têm feito ao nosso país, é bom perceber que essas coisas já não acontecem sem algum tipo de punição (legal ou moral) para quem está envolvido. E eu faço questão de acreditar nisso, porque senão fica difícil manter qualquer tipo de esperança em relação ao futuro do Brasil e das pessoas que vivem aqui. E como o mais comum dos lugares-comuns relacionando aos escândalos é o tal do "tudo acaba em pizza", queria registrar aqui o melhor sabor desta iguaria que provei no ano. É a pizza de presunto parma com rúcula da Baggio Pizzeria e Focacceria (não, eles não são meus parentes). Sobre a massa fina vem, primeiro, uma camada de molho de tomate; depois, a mussarela; em seguida, o presunto; e, por último, muita, mas muita rúcula. Além de ser uma delícia, neutraliza qualquer peso na consciência. A felicidade também pode estar na visão e no sabor de algumas flores de brócolis bem verdinhas. O do tipo japonês, aquele mais firminho, é uma delícia e também é bonito. Se você cortar as florzinhas e colocar para cozinhar no vapor, vai ver que ele fica de um verde escuro bem vivo. Depois, é só temperar com um pouquinho de sal e comer assim mesmo, puro. Mas se quiser incrementar, cozinhe o brócolis al dente e refogue com um pouco de azeite e muito alho. Fica divino! O brócolis também pode fazer parte de uma receita saborosa, nutritiva e light: cozinhe uma massa grano duro, de preferência daquelas mais divertidas (parafuso, gravatinha, penne - se for colorido, melhor ainda), misture com as flores de brócolis refogadas no azeite e no alho e coloque umas colherinhas de chá de cream cheese Philadelphia. Junto com o brócolis, este queijo cremoso é, de longe, um dos primeiros na lista dos melhores de 2005. Eu não passei 2005 só comendo. Eu também li e fui ao cinema. Este foi um ano de crise para Hollywood. Os filmes não obtêm mais as mesmas bilheterias de antes. As fórmulas de sucesso estão desgastadas. As pessoas já não se relacionam com o cinema como antes. A internet também está bagunçando a indústria cinematográfica. Não é só o fato de as pessoas baixarem filmes para assistir no computador. É uma mudança de hábitos de consumo em geral, inclusive de lazer e diversão. Mas em meio a tudo isso, alguns lançamentos tiveram destaque, como Guerra dos Mundos, adaptação de Steven Spielberg do livro de H. G. Wells. Para mim, é deste filme a cena mais assustadora do cinema em 2005. A invasão da Terra por extraterrestres provoca pânico e destruição. As pessoas fogem apavoradas, sem saber para onde ir. Estão amontoadas em uma cidadezinha, à beira da linha do trem. De repente, toca a sirene e as cancelas abaixam, impedindo a passagem. As pessoas esperam por alguma coisa. Subitamente, o trem aparece, em altíssima velocidade. Ele faz um barulho horrendo e de dentro das janelas saem labaredas de fogo. É uma imagem fantástica, uma metáfora para a situação retratada na história: um mundo transformado em um verdadeiro inferno, correndo desgovernado não se sabe para onde. Parêntesis: quando vi esse filme, lembrei de Ensaio sobre a cegueira, de José Saramago, que li no início do ano. Tenho todo o respeito pelo cânone mas, para mim, o melhor livro de 2005 não é do Saramago. É uma seleção de contos de Paulo Leminski. Ele morreu em 1989, de cirrose hepática, se não me engano. Irrelevante? Talvez. Mas ele fez parte de uma geração de boêmios que produziu - e ainda produz - coisas geniais aqui em Curitiba. Muitos deles são publicitários, porque é difícil viver só de arte. O Paulo também foi, além de professor, jornalista, tradutor, poeta, escritor. Na época em que exercia as profissões mais nobres dessa lista, ele participou de diversos movimentos contra o conto. Execrava o gênero. Isso foi no início da década de 1970. Os contos do livro são mais recentes, do final dos 70 aos 80. Justamente quando ele passou a trabalhar com publicidade. Não me queimem na fogueira por isso, mas talvez tenha sido a dinâmica da publicidade que permitiu ao Paulo fazer as pazes com a narrativa curta. E veja só como foi bom! Os textos de Gozo fabuloso (DBA, 2004, 181 págs.) são maravilhosos. Eles têm humor, agressividade, melancolia, profundidade. Como no conto em que um burguês provinciano exalta as formas voluptuosas da empregada e os desejos que sente cada vez que a morena passa por ele. Além de abordar a hipocrisia que habita as boas casas de família, o texto leva o leitor a sentir o tesão que o patrão tem pela doméstica. São duas páginas sem ponto final, repletas de aliterações, que materializam o prazer solitário do homem. Leminski sabe usar as palavras e, mesmo na prosa, insere a poesia que o consagrou como escritor. Se Paulo Leminski ainda vivesse e tivesse ido ao show da Teresa Cristina no início de dezembro, não ia acreditar no comportamento dos seus conterrâneos. Estava frio, apesar do quase verão. Mesmo assim, o teatro lotou para ver a sambista que interpreta composições próprias e de Paulinho da Viola, que não disfarça a paixão pela Portela, que supera Marisa Monte quando canta o mesmo repertório dela. Ela é fofa, é querida, é maravilhosa, conversa com o público com voz suave. E, como a "Sá Marina" cantada por Wilson Simonal, "de saia branca costumeira, (.) com seu jeitinho tão faceiro, fez o povo inteiro cantar". No caso, dançar. A metade do show a gente assistiu em pé, sacolejando entre as cadeiras. Ela nem se deu ao trabalho de sair para o já manjado bis. Ficou ali no palco muito além do repertório programado e, quando terminou, estava chorando. Mesmo em uma semana que teve Pearl Jam, o show da Teresa Cristina ganha, com certeza, o prêmio de melhor de 2005. Como eu disse antes, pode ser que você tenha achado esta lista de melhores do ano um tanto prosaica. Ela não serve como panorama da literatura ou da cultura e nem como guia do que se produziu de interessante em 2005. É apenas uma visão bem particular de coisas legais que aconteceram em um período de 12 meses. Dentre tantas outras, mais importantes e impactantes, estas podem incentivar você a fazer a sua própria lista. Reflita sobre os seus melhores momentos e, se quiser, compartilhe com a gente. Por que eu esqueci de falar, mas um dos pontos altos do ano foi ter você, cara leitora, caro leitor, lendo e comentando nossos textos. Feliz 2006 para todos nós! P.S.: esta colunista não come de graça na Pizzeria Baggio, paga à vista as compras na quitanda e nunca recebeu comissão da Kraft Foods para falar bem do cream cheese Philadelphia. Para ir além Adriana Baggio |
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