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Segunda-feira, 9/1/2006 7 destaques do cinema brasileiro em 2005 Marcelo Miranda Na coluna passada, comentei alguns filmes estrangeiros exibidos no Brasil que foram dignos de atenção ao longo de 2005 e merecem ser conhecidos ou revistos por todos os espectadores interessados em bom cinema. Agora, como prometido, destaco aqui exclusivamente o cinema brasileiro. Foi um ano estranho, nesse sentido. Começou morno, com estréias curiosas mas não muito estimulantes - sendo a mais interessante delas (e olhe lá!) Meu Tio Matou um Cara. O primeiro semestre, aliás, foi de lamentar. Só a partir de agosto que o circuito nacional esquentou, com a chegada de trabalhos, enfim, significativos e demonstrativos da qualidade de nossos profissionais. Um relato mais detalhado e informativo de como se deu a cinematografia do país este ano pode ser conferido pelo colega Lucas Rodrigues Pires, craque no assunto que fez ótima coluna sobre os filmes brazucas exibidos em 2005. A minha proposta, aqui, é seguir a linha de antes: breves reflexões sobre alguns desses títulos. O cinema brasileiro parece continuar buscando um rosto próprio. Enquanto isso não acontece, recebemos os mais variados estilos, idéias, conceitos; uns vão atrás do que já é garantia de sucesso; outros arriscam em experimentos formais ou estéticos. O importante, a princípio, é fazer a roda rodar: só com muitos e muitos filmes em cartaz é que teremos uma perfeita noção de como está funcionando a engrenagem do cinema brasileiro. Pensamentos sobre essas tendências já pipocam por aí, em diversos livros e ensaios - algo que será tema deste espaço muito em breve. Enquanto isso, ficamos com os tais destaques. Não deixe de vê-los: * Casa de Areia - terceiro longa-metragem de Andrucha Waddington e, frente aos anteriores Gêmeas e Eu Tu Eles, seu filme de maior elaboração e ousadia. Mostra a saga de uma mulher que, por décadas, vive isolada num areial perdido no mundo e eternamente à espera de voltar para casa. Fernanda Montenegro e Fernanda Torres se revezam nos papéis de mãe e filha a cada geração, em interpretações diferenciadas por detalhes típicos de grandes damas da tela - olhares, tons de voz, trejeitos, movimentação em cena. No elenco também merece destaque a presença imponente do músico Seu Jorge. Filme lento, mas longe do monótono, transmissor da agonia de se estar sozinho e à espera - do quê ou de quem, pouco importa. O que conta é estar à espera de algo, como estão as personagens encravadas num deslumbrante mar de areia. * Bens Confiscados - o mestre Carlos Reichenbach continua em boa fase. Apareceu no ano passado com o complexo Garotas do ABC e toda a discussão madura sobre violência, preconceito e trabalho. Agora, surge com este melodrama político sobre um jovem obrigado a se esconder por conta das falcatruas do pai senador. Cuidando dele, está a enfermeira interpretada por Betty Faria, atriz e também produtora do longa. Há em cena elementos de chanchada (a esposa do senador na TV, o amigo estrangeiro), drama (os desentendimentos do capataz vivido por Werner Schünnemann com a esposa, e as tentativas do garoto de interceder) e romance (o envolvimento crescente do menino com a enfermeira). É um filme que começa por caminhos fáceis de descrever e culmina em sensações e conclusões impossíveis de serem explicadas. As imagens de Reichenbach enchem a tela de melancolia e tristeza típicas dos cineastas que ele explicitamente homenageia, como Douglas Sirk e Valério Zurlini. Mas é a Roberto Rosselini, pai do neo-realismo, a quem o diretor mais presta tributo, com planos e composições de cena que remetem ao cineasta europeu. Como sempre, Carlão é poço de cultura e de referência. Sua genialidade está em juntar tudo isso num trabalho de autoralidade plena, que respira pura e estritamente cinema.
* Jogo Subterrâneo - filme pequeno, discreto e pouco visto em circuito. Aposta num estilo também reflexivo para falar da obsessão de um homem em achar a mulher perfeita. Ele crê, ao montar caminhos tortuosos pelas linhas de metrô de São Paulo, que vai se deparar com sua deusa. A primeira metade instiga o espectador, primeiro a entender o esquema do protagonista, e depois a acompanhá-lo e até torcer por ele. Mas quando o personagem finalmente parece achar o seu par, o filme, dirigido por Roberto Gervitz (do drama de 1987, Feliz Ano Velho), perde boa parte do impacto. A aposta num romance misterioso, porém intenso, apenas joga o trabalho numa vala comum - e a tentativa de dar motivações para a angústia da mulher interpretada pela linda e talentosa Maria Luísa Mendonça soma apenas mais pontos contrários. De qualquer forma, um projeto "estranho" entre tantos, que não fala de nada realmente brasileiro, mas universal até - não à toa, é inspirado em conto do escritor argentino Julio Cortázar. * Cinema, Aspirinas e Urubus - do pouco para o muito, do discreto para o intenso, do particular para o coletivo. Falar deste longa de estréia de Marcelo Gomes é cair em relações assim, que tornam tudo ali presente em algo mais, que catalisa o existente e transforma-o em quase sobrenatural - no sentido de ir além da naturalidade. A simples história de um alemão e um sertanejo peregrinando pelo nordeste brasileiro dos anos 40 num caminhão de aspirinas ganha força e impacto pelas lentes e sensibilidade de Gomes. De um lado, o europeu que busca se distanciar da guerra e encontra nos confins do Brasil a solução para os seus medos vendendo ao povo a solução para todos os males em forma de comprimido; do outro lado, o "nativo" que tenta fugir da miséria, da pobreza, da derrota, do fim da esperança. Ambos vão interagir, se conhecer, se acompanhar. Dividir a atração pelas mulheres, a casa dos amigos, os perigos das estradas, a perseguição da guerra e da seca. A fotografia de Mauro Pinheiro dá ainda mais intensidade ao drama dessa dupla, desde a cena inicial (com um fade-in indo do puramente branco para o tom apagado que predomina por todo o filme) até o último plano (que desaparece em fade-out num processo semelhante ao começo). Não é exagero afirmar que não se via um sertão tão bem retratado e tão de acordo com o que se conta em cena desde o Cinema Novo. É um cinema novíssimo, em que forma e conteúdo se conjugam na simplicidade e despretensão de simplesmente falar de seres humanos inseridos no mundo, regidos pela vida que os leva adiante. Nada de tentar entender os processos pelos quais o homem passa. Importa é apenas acompanhá-los e senti-los.
Marcelo Miranda |
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