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Quinta-feira, 23/8/2001 Promoarte 2001 Adriana Baggio Já comentei aqui neste espaço a vinda de uma exposição internacional de artes plásticas à Paraíba, promovida pelo Tribunal de Justiça do Estado. A Expoarte 2001 começou no dia 10 de agosto e vai até o dia 30. Pelos jornais acompanhei a repercussão do evento, desde as colunas sociais, que registraram a vernissage cujo ingresso custou R$ 100,00, até outras matérias falando do quão movimentada está a visitação, principalmente por excursões escolares. Analisando este último aspecto, pensei horrorizada na possibilidade de ter que me apertar entre as telas com um bando de alunos e seus professores. Nada contra eles, mas um ambiente lotado e barulhento, como é típico de crianças, não é o mais adequado para quem vai ver um Picasso pela primeira vez. Escolhi este último domingo para ver a Expoarte, já no final do horário de visitação. Escolha acertada, pois a movimentação era pouca. Tinha feito um dia de sol, e provavelmente a praia era um programa mais adequado àquele dia. Cheguei com um casal de amigos à praça onde fica o Tribunal de Justiça da Paraíba. Gostaria de falar um pouco sobre a arquitetura da fachada do prédio, mas confesso que não lembro. Sei que é um prédio antigo, imponente, como são todos os prédios do Poder Judiciário, mesmo aqueles inacabados. Mas a fachada, que gostaria de comentar, estava coberta por diversas flâmulas gigantes. Estas flâmulas eram feitas de algum material que lembrava veludo vermelho. Sobre este fundo, para acentuar ainda mais a idéia de pompa e circunstância, estava impressa a marca da exposição em letras douradas. À primeira vista, parecia um cenário mal-feito de alguma peça sobre castelos europeus, com aquelas flâmulas rubras e douradas. Para completar, alinhadas com a fachada, um monte de bandeiras de diversos países. Será que a idéia era passar o caráter internacional mostrando as bandeiras de diversos países? Fiquei na dúvida. Refeitos da impressão inicial, subimos as escadarias que levam à entrada do edifício. Logo no começo, uma mesa e uma estante de aço faziam as vezes de chapelaria e guichê. Ali compramos nossos ingressos e tivemos que deixar nossas bolsas e chaves. Fiquei decepcionada, pois gostaria muito de ter tirado um pedacinho da tinta da tela de Picasso para colar na minha agenda e ter de lembrança. Depois deste procedimento inicial, subimos uma escadaria central que se bifurcava em dois caminhos. Escolhemos o que dizia ENTRADA - ENTRÉE - WAY IN. Junto ao corrimão, bandeiras intercaladas do Brasil e da França. Desde quando bandeira é objeto de decoração? Será que não deveria ter uma bandeira da Bélgica e da Espanha também, já que entre as obras haviam algumas de artistas destes países? Enfim, subimos e ficamos esperando por poucos minutos em uma ante-sala do Salão Nobre do Tribunal, local que estava tendo a honra de receber a exposição. Assim que um dos monitores ficou livre, entramos na sala para a visitação. Recebeu-nos um monitor mal-preparado, que tinha decorado as informações sobre cada quadro, e que passava rapidamente por cada um deles. As obras estavam dispostas em corredores. Faltava tempo e espaço para uma contemplação adequada, já que estávamos procurando acompanhar as explicações do monitor. Em certo momento, nos atrasamos e acabamos perdidos no grupo da monitora que vinha logo atrás, que era muito melhor em termos de naturalidade e informações. Percorremos todas as obras, e como o horário de visitas tinha terminado, pudemos ficar passeando à vontade. Mais ou menos à vontade, porque todo o tempo um dos seguranças me seguia de perto, com medo que eu cedesse aos meus instintos e desse uma canivetada no Renoir. E por falar em segurança, atração à parte foram os guardinhas vestidos como Dragões da Independência, com uniformes vermelhos e azuis, plumas e uma casaca que se abria em abas bem na altura do derrière. Eles ficariam melhores lá fora, junto das flâmulas e bandeiras. O primeiro quadro da exposição é um Portinari, meio deslocado ali no meio de todos aqueles franceses. O título é Perna de Pau e sua Senhora. As mãos, pés e faces do casal são mal-tratados, grosseiros, sendo as extremidades desproporcionais do resto do corpo. É uma maneira de caracterizar o povo brasileiro, principalmente os trabalhadores, a parte mais sofrida. Depois dele vem as obras internacionais da exposição. Não vou falar detalhadamente sobre cada um dos quadros, pois o objetivo do texto não é este. Apesar de o tema da curadoria ser o impressionismo francês, a exposição conta com obras cubistas, expressionistas e surrealistas. É um recorte de tempo e espaço do que aconteceu nas artes plásticas no fim do século XIX e início do século XX, principalmente na França. Uma das obras que mais me chamou a atenção, por uma questão de gosto pessoal, foi Carnaval em Veneza, de Felix Ziem. O céu deste quadro é fantástico, toma conta de quase metade da tela. Deste céu destaca-se a catedral de São Marco, que por ser branca, parece saltar da tela. Depois, as velas de um barco, vermelhas e amarelas, dão um colorido emocionante ao conjunto. Por último, os barcos menores e seus passageiros estão imprecisos, são apenas pinceladas de cores, como reza o impressionismo. Também fiquei maravilhada com o Matisse O Vestido Branco. Com pinceladas em várias direções, espaços brancos e uma perspectiva esquisita, parece mais um desenho de criança, que usou demais o azul e viu sua tinta preferida acabar. Muito distante dos rigores do classicismo, o quadro de Matisse é uma beleza. Mas a maior emoção, e confesso que meus sentimentos foram muito direcionados pelo mito e não somente pela estética, foi estar frente a frente com dois Picassos: Natureza Morta com Cerejas e Mulher de Chapéu Verde. Este último, principalmente, é o que eu gostaria de ter na parede da minha casa, caso tivesse 3 milhões de dólares para investir neste mimo. Mulher com Chapéu Verde é um Picasso típico. O rosto de uma mulher é recortado em várias formas geométricas, formando um quebra-cabeça cujas partes não correspondem. Um dos olhos está de lado, observando os observadores de viés. De um lado da cabeça, o penteado. De outro, o famoso chapéu verde. É uma desconstrução incrível, uma gestalt cujo resultado é fascinante, maravilhoso. Outra obra intrigante é a Shéhérazade, de Magritte. Uma imagem surrealista. Contra um fundo de céu e mar azuis, e uma gramínea verde, está uma estrutura em volutas como se fosse formada por diversas bolinhas brancas. Esta estrutura forma dois olhos e uma boca. Ao lado, uma bola branca maior, como uma caixinha redonda. A expressão dos olhos e da boca é incrível. De longe, parecem recortes aplicados na tela. É realmente uma imagem de sonho. Disse o monitor que a bola branca é característica da obra de Magritte, já que aparece em outros quadros. Mas ninguém ainda descobriu o mistério do seu significado. Para mim, o conjunto lembra pérolas. Pérolas que formam a estrutura, e a bola branca é uma pérola maior, ou a concha de onde vieram as outras pérolas. A exposição tem ainda outras obras famosíssimas, como um Renoir. E para finalizar, duas telas do pintor paraibano Pedro Américo, do século XIX. O estilo é clássico, e uma delas retrata os filhos de Henrique IV, e a outra, um Cristo com a coroa de espinhos. Também estão meio deslocadas ali, não pelo valor, mas pelo estilo escolhido para a exposição. Terminada a visita, descemos as escadarias, pegamos nossas bolsas e chaves e comprei o catálogo da exposição, a R$ 10,00, que achei caro. Achei mais caro ainda quando abri e vi o céu azul de Felix Ziem transformado em um cinza amarronzado. Mas quase rolei escadaria abaixo ao ver a reprodução da obra de Portinari. O Perna de Pau e sua Senhora tinham trocado de lugar. Talvez a Senhora estivesse cansada de apoiar o marido, e por isso pediu que ele mudasse de lado. Ou será que foi o pessoal da gráfica que inverteu o cromo? É por essas e outras que não dá para deixar de lado o espírito crítico, mesmo tendo uma oportunidade ímpar de ter contato com obras que, provavelmente, passariam pela Paraíba só no espaço aéreo. O problema é a motivação por trás da Expoarte. Um objetivo promocional faz com que uma exposição deste porte, em vez de ser instalada em um espaço amplo, mais adequado para a visitação, fique confinada em uma sala do Tribunal de Justiça. A monitoria é mal preparada, e corre por entre os quadros para poder atender a fila que se forma no lado de fora do edifício. A decoração e a sinalização do Tribunal são pretensiosas de uma maneira provinciana. É a tentativa do imponente que falha e cai no ridículo, no grotesco. Mas o pior defeito, a meu ver, é a curadoria mal delimitada. Parece que as obras que vieram para cá eram as disponíveis na Galerie Cazeau-Béraudière, e com base neste lote, definiu-se o tema da exposição. Na mídia, a repercussão da Expoarte tem sido sempre positiva, nunca crítica. Vangloria-se a iniciativa do desembargador Marcos Souto Maior e do restaurador Flávio Capitulino, articulador da vinda das obras. Ninguém fala dos problemas de organização, dos erros grotescos do catálogo, do caráter puramente promocional deste evento. A única criativa que li foi de uma pessoa que achava que deveria haver exposições assim com os artistas locais. Ou seja, ninguém questiona a maneira como as coisas foram feitas, questionam apenas quem é o beneficiário de tanta atenção. Dando uma de Polyana e vendo o lado bom da coisa - porque há, não tenham dúvida-, pelo menos o desembargador optou por trazer uma exposição de arte para se promover, e não um show de pagode ou coisa parecida. Esquecendo os fins e se concentrando apenas nos meios, a oportunidade de ver os Picassos, o Matisse, o Renoir e outros pintores maravilhosos que eu nem conhecia, é imperdível. É bom perceber que, mesmo deslocado naquele recorte, nosso Portinari não deixa nada a dever a nenhum daqueles pintores. E finalmente, meu coração se enche de esperança ao perceber que, mesmo por motivos um pouco tortuosos, a prosaica João Pessoa entrou no circuito internacional das artes plásticas. E para os críticos o desembargador já mandou um aviso: ano que vem chega uma penca de quadros de Salvador Dali para a Expoarte 2002. Adriana Baggio |
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