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Terça-feira, 7/2/2006
Orkut, um sonho impossível?
Daniela Castilho

Passei quase dez anos da minha vida trabalhando com internet (e com outras coisas também, mas muito com internet, por causa da febre de novidade que a Rede causou de 1995 até 2001), consto nas agendas de e-mail de pessoas que normalmente tem acesso antecipado às novidades da Grande Rede e foi através de uma dessas pessoas, que estão na rede desde a pré-História, que recebi o meu convite para o Orkut. Fui parar no Orkut mais ou menos uns 45 dias depois que o Orkut tinha sido inaugurado. Eu me lembro bem que a minha reação foi "OK, mais uma ferramenta de internet".

Antes que me chamem de blasé -, e podem chamar, por favor; quando o assunto é internet, eu considero um elogio ser chamada de blasé - deixe-me refrescar a memória de quem já leu meus comentários sobre esse assunto e informar quem ainda não me conhece: não tem como eu não ser totalmente cética e blasé quando o assunto é a Grande Rede, a internet é uma excelente ferramenta de comunicação, mas em todos esses anos eu acompanhei o rápido surgimento e desaparecimento de muitas "febres de internet" para levar qualquer uma delas muito a sério.

Primeiro foi o IRC, depois o ICQ, depois os chats baseados em Java que executavam dentro do navegador, depois o Yahoo Instantâneo e dúzias de outros comunicadores pessoa a pessoa. Hoje em dia, o MSN, como toda praga lançada pela Microsoft, domina o mundo; ainda existem outros comunicadores, mas o MSN se tornou uma espécie de "padrão" pelo marketing virótico que a Microsoft adota como política. Meus melhores amigos, cansados de tentar acompanhar essas "novidades tecnológicas" e cansados de perder tempo em conversas inúteis com estranhos (diariamente aparece um desconhecido no meu MSN, eu deleto), hoje são mais encontráveis via e-mail ou via o bom e velho telefone. Por e-mail, claro, entenda-se que praticamente todo mundo hoje tem Hotmail e Gmail, além de uma conta de e-mail em seu provedor de acesso. Eu, além desses todos, ainda tenho meu e-mail particular, com nome de domínio próprio, mas só forneço o endereço para as pessoas com quem realmente quero falar. Chega de junk mail tentando me vender Viagra ou próteses de silicone.

Primeiro vieram as páginas pessoais, veio a Geocities, o Yahoo, vieram os portais PHP e depois os blogs. Como já disse, eu tenho um nome de domínio meu, onde basicamente deixo um portfolio, um curriculum, minha programação de cursos e meu blog (que anda um pouco às moscas devido à minha atual falta de tempo, já teve dias melhores). Meu blog evoluiu do Blogger para o Movable Type e hoje em dia usa WordPress. Provavelmente em um ano ou dois vai trocar de sistema de novo. Cada uma das páginas pessoais teve sua época de febre também, mas sejamos realistas: para quê tantos sites inúteis que muitas vezes nem tem e-mail de contato? Só para dizer que tem um site (ou blog) e reafirmar sua existência? Meu bookmark já teve mais de 1 mil endereços, hoje eu mantenho uns relevantes 150. O resto é lixo virtual, às vezes até divertido, mas sem nenhuma função prática.

Primeiro vieram as mailing lists, as listas de discussão. Ainda faço parte de algumas listas que usam o sistema da VisualNet, acredito que um dos mais antigos do Brasil. As mailing lists evoluíram para os grupos tipo Yahoo (Meu Deus, alguém aqui usa E-groups? Aquilo funciona? Comigo, nunca funcionou!). Depois vieram os fóruns. Tenho uma conta paga no EzBoard desde 2000, é o melhor sistema de fóruns que já usei. Uso muito também os grupos Yahoo, funciona muito bem.

Primeiro vieram os catálogos de endereço (ou bookmarks), depois vieram as search engines. Pode espantar algumas pessoas, mas o Google nem sempre existiu. Antes do Google, existiram o Altavista, o Yahoo (ainda existem), o Cadê, o Surf (não existem mais) e muitas outras search engines. Literalmente, centenas delas. Um belo dia, nasceu o Google, disposto a devorar o mundo virtual, e funciona muito bem, para desespero de seus concorrentes.

E aí, no belo verão de 2004, veio o Orkut (que, por sinal, é do Google).

Tudo isso que eu escrevi aqui foi para chegar no Orkut. O que é o Orkut? O Orkut é um monstro híbrido de internet que funciona muito mal. O Orkut tem mailing lists limitados muito ruins (vida longa aos Grupos Yahoo), tem um fórum só com funções básicas que também funciona muito mal (continuo usando o EzBoard constantemente), tem uma ficha pessoal que você pode preencher com dados reais, irreais ou surreais (eu coloco reais e surreais) e só. Tudo, mas absolutamente tudo funciona muito mal. O Orkut até foi muito legal no começo, porque como tudo quanto é brasileiro que tem internet aderiu - até porque tem o charme extra de só entrar com convite - e como tinha aquela rixa engraçada de conseguir superar os estadunidenses em número de usuários (conseguimos, mas acho que teve gente roubando, abrindo múltiplas contas para contar mais gente), deu para reencontrar alguns colegas de escola, antigos ex-colegas de trabalho e até uns ex-namorados. Deu para conhecer algumas novas pessoas legais (rapaz, eu até namorei uns tempos um cara super-legal que eu conheci no Orkut), fazer propaganda dos meus cursos durante algum tempo, rever os amigos, brincar nos fóruns mas tudo isso já acabou. A febre praticamente passou e sobrou apenas o monstro híbrido de funções variadas, todas muito ruins.

Confesso que eu entendo a febre em torno do Orkut. Novidade é novidade. Quando foi lançado, muitas empresas ficaram entusiasmadas pela possibilidade de construir cadastros imensos para vender coisas, obter anunciantes e ganhar dinheiro com os usuários e tentaram fazer monstros semelhantes. Outras pessoas desejaram fazer similares que não fossem azul-calcinha ou que funcionassem melhor. Alguns dos "sistemas concorrentes" vieram com sistema de blog adicional (veja Multiply, por exemplo), outros com sistemas de cadastramento complicados e burocráticos, outros muito parecidos de maneira geral, mas desertos de gente (é uma pena que o Node não tenha emplacado, era mais bonitinho) ou que conseguiam funcionar ainda pior que o Orkut. Entretanto, tem coisas para qual a internet já provou que tem vocação e tem coisas que a internet já provou que não funciona e não vai funcionar nunca. Entre as vocações bem sucedidas da internet estão a possibilidade de comunicação rápida a longa distância, facilitar qualquer um montar uma vitrine para seu negócio, colocar material de consulta (ou download) para variados assuntos, montar lojas virtuais, usar e-mail. Entre as coisas que não funcionam, cadastro é uma delas. As pessoas mentem muito na internet. Se cadastram mais de uma vez porque esquecem senhas e perdem e-mails. Mas a maior vocação da internet é mesmo acumular lixo virtual, numa velocidade imbatível. (quem discorda de mim, por favor, visite um desses dois sites, aqui e aqui). E o que é o Orkut? Basicamente um site com um cadastro onde a maior parte das pessoas mente, uma grande parte das pessoas está com tempo desocupado e fica se divertindo em criar polêmicas vazias em fóruns, um monte são spammers, uma outra grande parcela de pessoas está apenas interessada em arrumar sexo para o final de semana, outros abrem o cadastro e abandonam lá porque tem outras coisas mais interessantes para fazer do que ficar batendo boca em fóruns ou mandando spams. Tem de tudo um pouco no Orkut, sim, mas infelizmente, mais coisas inúteis do que coisas úteis. Por que o Orkut é assim? Porque a internet inteira é assim. Porque as pessoas são assim.

O que me parece que nunca podemos esquecer quando conversamos sobre internet é que pessoas são sempre pessoas, não importa se no Brasil ou na China, se pessoalmente, por telefone... ou pela internet. Uma pessoa de mau-caráter continuará sendo mau-caráter seja ela aquele vizinho que você evita até no elevador, aquele colega de trabalho que rouba material do almoxarifado, aquele dono da quitanda que rouba no peso ou aquele carinha que deixou um recado no seu scrap "e aih, tudo bem? Vamux xer amigux?"

A internet não faz você achar pessoas melhores ou piores, apenas faz você achar mais pessoas mais rapidamente. Se, digamos, a população do planeta tiver 30% de pessoas mau-caráter, irá aumentar a quantidade de gente mau-caráter com quem você tem contato quando você entra em contato com 10.000 pessoas do que com 100 pessoas. Simples matemática estatística.

Mas eu entendo a febre do Orkut, como entendo qualquer febre de internet que já aconteceu e ainda vai acontecer. A internet se tornou, desde seu surgimento, a máquina de sonhos do final do século XX e início do século XXI, a nova "corrida do ouro". Sempre que dois seres humanos puderem se comunicar, existirá um deles que irá acreditar que estará conhecendo alguém especial que pode lhe ajudar a realizar os sonhos não-realizados, não importa a natureza desse sonho, se é um emprego melhor, morar numa cidade melhor ou viver um grande amor. Sempre existirá aquele aproveitador que antigamente vendia falso bilhete de loteria ou vendia uma ponte e que agora manda spams com oportunidades milagrosas para ficar rico. Sempre existirá quem sonhe em ganhar em alguma loteria ou encontrar uma mina de ouro. Sempre existirá também uma pessoa bem intencionada que quer fazer amigos, contatos, criar oportunidades ou encontrar boas oportunidades. E sempre que um ser humano puder fazer ficção, qualquer ficção, ele tentará inventar alguma coisa melhor, nem que seja reinventar a si mesmo, montando um perfil no Orkut com uma foto de alguém mais bonito, com uma ficha de alguém mais inteligente, mais culto e mais interessante do que realmente é.

A internet continuará seguindo com sua maior vocação: acumular rapidamente lixo virtual. E eu, da minha parte, continuarei na internet, usando o que funciona bem, deletando o que funciona mal e sempre mantendo cautela, porque pessoas são sempre pessoas.

Nota do Editor
Daniela Castilho (aka DaniCast) é Diretora de Arte e assina o blog MadTeaParty.

Daniela Castilho
São Paulo, 7/2/2006

 

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