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Sexta-feira, 10/2/2006
Orkut: fim de caso
Lisandro Gaertner

Querida,

Eu sei que pode parecer um pouco estranho eu lhe enviar essa carta usando o correio normal, mas a privacidade necessária ao assunto que vou tratar tornou essa a única opção. Afinal, um e-mail poderia ser facilmente repassado e uma mensagem do Orkut iria acabar atingindo pessoas que não tem nada a ver com o caso. Por falar em Orkut, vou começar o nosso papo daí, já que ele foi o responsável pelo começo de tudo ou melhor pelo nosso recomeço.

Fazia uns anos que a gente não se via. Desde a nossa formatura no segundo grau, quando você foi estudar em Sampa, eu lamentavelmente perdi o contato contigo. Claro que você surgia no meu pensamento. Uma amiga tão legal não se esquece da noite pro dia. Mas os anos passaram, a faculdade acabou, você ficou em Sampa mesmo, entramos na vida adulta e enfim você se tornou apenas uma boa lembrança.

Um dia tudo mudou: um amigo me convidou para o Orkut. Ele me disse que o Orkut era uma ferramenta maneira, em que a gente reunia os amigos e encontrava ou reencontrava pessoas legais. Assim, logo que aceitei o convite, uma das primeiras coisas que fiz foi te procurar. Só que toda a vez que eu procurava o teu nome, nada de te encontrar. Eu já tinha até esquecido disso, quando, um dia eu recebi o seu convite. Para ser seu amigo.

Eu já era seu amigo, isso a gente sabe, mas naquele ponto, ser chamado para ser seu amigo virtual, era reviver todos os nossos bons momentos de adolescência. Sabe aqueles momentos que a gente usa para acalmar a mente antes de dormir? São bons, né? Essa era a minha oportunidade de tirar isso da memória direto pro mundo real. Então, sem pestanejar, eu te adicionei.

Fiz o de praxe. Li o teu profile, vi as suas fotos (você continuava uma gata), e, sem perceber, acabei te mandando um scrap engraçadinho. Até pensei em redigir um testimonial, mas, apesar de seu profile mostrar que você estava solteira, como fazia muito tempo que não nos víamos, achei isso um pouco precipitado. Para a minha surpresa, você respondeu rapidamente e recomeçamos a nos comunicar. Um scrap aqui, um scrap alí, um convite para uma comunidade que nós dois íamos curtir, como aquela do Garfield, e pimba: eu te escrevi um testimonial. Você não deixou por menos. Retribuiu com um testimonial carinhoso e meigo e, meio sem querer, só para saber aonde as coisas iam chegar, te botei na minha crush list. Qual não foi a minha surpresa receber a mensagem dizendo que você me tinha na sua crush list também. Era o amor...

Não perdi tempo e arrumei uma viagem para Sampa a pretexto de trabalho e nos reencontramos. Fisicamente. Confesso que, a princípio, foi meio constragedor te rever depois de tanto tempo, mas assunto, graças ao Orkut, não faltou. Falamos das comunidades que odíavamos, das pessoas chatas que queriam nos adicionar e de como as pessoas tinham a cara dura de participar da comunidade "Como ou não como". Com tantas afinidades, as coisas não podiam terminar de outro jeito: começamos a namorar.

Eu sei que romance à distância não é fácil, mas, convenhamos, o Orkut facilitou muito. Ao contrário de simplesmente trocar e-mail ou falar no telefone, nós fazíamos parte de comunidades ativas onde discutíamos bem mais do que o trivial "eu te amo", "eu também". E os nossos amigos também estavam lá, vivenciando o nosso romance, exatamente como um namoro deve ser. Se lembra? Eles até criaram uma comunidade para nós: "O casal mais fofo da ponte aérea". Ah, se eles soubessem o que estava por vir...

É, o tempo passou, o romance e o Orkut viraram coisa do dia-a-dia. Logo a proximidade virtual não era mais suficiente para aplacar a distância real, e eu sucumbi ao ciúme. Assim, inconscientemente, vez ou outra me pegava passeando pelos seus amigos que eu não conhecia, vendo fotos, lendo os scraps e testimoniais que eles te mandavam, procurando sarna pra me coçar. Enfim achei.

Não negue. Eu sei o que está acontecendo. Aquele seu amiguinho marombado do trabalho, cujas paixões são Curintians (sic) e Asa de Águia, tem te mandado uns scraps bem esquisitos e o testimonial que ele escreveu, valha-me Deus, é justificativa para os mais hediondos crimes passionais. Quando o li, cheguei a me desesperar e fiquei uma semana me perguntando por que você aceitou aquela declaração? Logo de um cara que faz parte de uma comunidade tão imbecil. Mas como eu sou um cara centrado, me acalmei, disse para mim mesmo que estava exagerando, me fiz de morto e engoli o sapo.

Só que hoje, abri o meu Orkut e o meu mundo caiu. Fui só de brincadeira na sua home e descobri que você apagou o campo relacionamento e me tirou das suas paixões no seu profile. Aí também já é demais. Para piorar a situação, só faltava descobrir você numa comunidade dessas bem vagabundas. Mas como eu não faço parte da comunidade "Tenho sangue de Barata", me sinto obrigado a pedir satisfações. E aí? O que eu faço? Posso colocar solteiro e namoro (mulheres) no meu profile ou você tem alguma coisa a dizer que possa me convencer do contrário?

Injuriado,

Seu quase ex-namorado.

P.S. - Caso a gente termine, vamos resolver isso já: qual de nós sai do Orkut e vai para o Gazzag?

* * *

"Querido",

Recebi a sua carta, mas resolvi responder por e-mail. Pode ficar no Orkut, essa coisa já deu o que tinha que dar. Ah, e vê se aproveita para entrar nessa comunidade que tem tudo a ver com você.

Fui,

Sua ex-namorada.

P.S. - Bem que me disseram que quem gosta de Orkut não é lá essas coisas.

Lisandro Gaertner
Rio de Janeiro, 10/2/2006

 

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