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Quarta-feira, 15/2/2006 A Tragédia de Plínio Guilherme Conte Ainda há necessidade de se montar Plínio Marcos? Há algo de novo, ainda não descoberto? São incontáveis montagens, leituras e releituras nos últimos 40 anos. Há uma ampla gama de escolas de teatro que, na formatura, ou montam Plínio ou montam Nelson Rodrigues. Há algo novo a se fazer? Essa Oração para um pé-de-chinelo, em cartaz no Espaço dos Satyros, é a prova de que mais que necessário, é imprescindível se montar Plínio Marcos. Com um time destes, difícil dar errado. O elenco é formado por Denise Weinberg, Marat Descartes e Norival Rizzo. A direção fica por conta de Alexandre Reinecke, com figurino de Suzana Saldanha e cenário de Márcia Moon. O espetáculo fica em cartaz até 15 de março. O texto, de 1969, é um dos mais interessantes de Plínio, embora não traga grandes novidades dentro de sua dramaturgia. Um bandido, Bereco (Descartes), invade uma casa para se esconder da polícia. Lá estão um vagabundo alcoólatra, Rato (Rizzo), e uma prostituta, Dilma (Denise). Aprisionados pela situação, os três travam um tenso diálogo para buscar uma solução, enquanto a polícia não chega. O conflito se apresenta logo de cara. A tensão cresce à medida em que o tempo passa e nenhuma solução concreta se apresenta como viável. A situação-limite se impõe e confronta os personagens, que se acusam e se ofendem. A violência emana, tanto das ações como dos diálogos. Tanto a estrutura quanto a composição (dois homens e uma mulher) permitem o estabelecimento de uma ponte entre Oração e Navalha na carne (este um pouco anterior, de 1967), um dos textos mais famosos de Plínio. A chave? Dilma e Neusa Suely, as prostitutas dos textos. Há muitas semelhanças entre os textos. Tanto Navalha quanto Oração possuem uma estrutura circular, em que os personagens se aliam e se confrontam alternadamente. Em grande parte de Oração, dois dos personagens estão aliados contra o outro, questionando-o e ofendendo-o. Os diálogos são extremamente irônicos e agressivos. Essas "pequenas alianças" se fazem e se desfazem de maneira efêmera, com passagens sutis. A diferença fundamental, porém, está na essência das figuras femininas. Dilma é malandra, inescrupulosa, só interessada em si mesma, em como sair dali. Já Neusa Suely é romântica, apaixonada, cega. A grande sacada do texto é o caráter de tragédia que ele assume. É possível lê-lo como uma tragédia grega em plena favela. O destino daquelas acuadas personagens já está traçado. Por mais que discutam, pensem, arquitetem, se arrependam, é tarde. A polícia já está lá fora, e vai atirar para matar. Não há como fugir da morte. Bela lembrança de Beth Néspoli, em sua crítica sobre a peça n'O Estado de S. Paulo. Oração foi escrita em meio aos mandos e desmandos do lendário esquadrão da morte, banda podre da polícia paga para exterminar os bandidos que capturava. Esse dado ajuda na compreensão do pavor que assola Bereco, quando este se dá conta de que não vai conseguir fugir. O elenco está impecável, ancorado em uma técnica apurada e em uma emoção contagiante. Marat Descartes faz um Bereco ameaçador, mas com uma fragilidade inerente - pode-se ver o medo crescendo e lhe tomando conta. Norival Rizzo encarna um alcoólatra que inquieta. Suas crises de abstinência são arrepiantes. Mas a grande estrela do espetáculo é Denise, que faz uma Dilma fugaz, cheia de nuances. Aproveito para fazer um mea culpa: seu prêmio APCA de melhor atriz em 2005 é mais do que justo. Imperdoável foi sua ausência em minha lista de melhores do ano. Eu não tinha visto a peça. Falha irreparável. Destaque também para a direção de Alexandre Reinecke, que soube conduzir esse time a um resultado preciso, sem excessos ou deficiências. Sua concepção espacial, com público dos dois lados, preso também dentro do barraco, é extremamente inteligente. Enfim, um belíssimo espetáculo. Para mostrar que Plínio Marcos é mais atual do que nunca. Para ir além Oração para um pé-de-chinelo - Espaço dos Satyros - Pça Franklin Roosevelt, 214 - Centro - Tel. (11) 3258-6345 (aceita reserva) - R$ 20,00 - Terça e quarta, 21h - Até 15/03. Notas * A excelente montagem de A Mandrágora (de 1503), de Maquiavel, pelo Grupo Tapa, voltou a ficar em cartaz, agora no teatro Arthur Azevedo (Av. Paes de Barros, 955, Mooca, tel. (11) 6605-8007 / R$ 10,00 / Sexta e sábado, 21h, domingo, 19h / Até 26/03). Comédia de costumes sobre um jovem rico que se faz passar por médico para conquistar uma mulher casada, que é infértil. Preste atenção em como um texto brilhante - marco da dramaturgia ocidental -, extremamente irônico, ganha vida em atuações primorosas - o Tapa, sob o comando de Eduardo Tolentino, é um dos principais grupos do país. Teatro fino, de rara qualidade. * E também está de volta aos palcos a comédia Carro de Paulista, de Mário Viana e Alessandro Marson, agora no teatro Ruth Escobar (R. dos Ingleses, 209, Bela Vista, tel. (11) 3289-2358 / R$ 20 / Quinta e sexta, 21h / Até 03/03). A peça, hilária, conta a história de quatro jovens da Zona Leste da cidade que resolvem se divertir na região dos Jardins. Sem saber como se virar, se metem em uma série de episódios confusos - e muito engraçados. O elenco, muito bom, é dirigido por Jairo Mattos. Mais que uma ótima comédia, Carro de Paulista é uma peça sobre a exclusão. Para rolar de rir, de verdade. Guilherme Conte |
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