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Quinta-feira, 16/2/2006
É apenas rock and roll, mas eu gosto
Tatiana Cavalcanti

Quarenta anos separam o lançamento do primeiro compacto dos Rolling Stones - que já trazia "Satisfaction" - do megashow na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, diante do emblemático Copacabana Palace, onde Mick Jagger, 62 anos, Keith Richards, também com 62, Ron Wood, o caçula, com 58, Charlie Watts, 64, e trupe ficarão hospedados, ocupando todo o sexto andar, cada um em uma suíte presidencial. A mais roqueira e antiga banda do planeta escolheu o Brasil para gravar o DVD de sua nova turnê mundial, A Bigger Bang, com lançamento mundial previsto para o segundo semestre de 2006. As areias de uma das mais famosas praias do mundo vão ferver em plena noite de 18 de fevereiro, apenas uma semana antes do carnaval carioca. A expectativa de público, por baixo, é de mais de um milhão de pessoas.

A banda inglesa pisa em solo brasileiro mais de dez anos após sua primeira apresentação por aqui, com Voodoo Lounge, em 1995. Eles voltariam em 1998, com Bridges to Babylon. Essa última turnê rendeu mais que dólares ao mítico vocalista dos Stones. Em maio de 1999, nasceria Lucas, filho de Mick com a apresentadora Luciana Gimenez. Realmente, o velho roqueiro não pára de ter satisfação.

Pois aí estão eles de volta. A turnê de 2006 começou em 10 de janeiro, em Montreal, no Canadá, seguida de dez shows nos Estados Unidos. Uma semana antes da apresentação em Copacabana, os rapazes se apresentam em Porto Rico, e depois de nosso solitário show eles seguem para Buenos Aires, para duas performances na capital argentina. No Rio, os Stones ficarão sobre um palco de 22 metros de altura, com 60 metros de largura e 28 metros de profundidade. Para os fãs, a pergunta que se repete a cada turnê: esta será a última? "Respondo isso desde 1966", diz Mick. E também para quem não é fã, cabe outra: como explicar esse fenômeno de mais de quatro décadas? Como os Rolling Stones resistiram a um show business que cada vez mais valoriza o sucesso passageiro?

Quem ouvir o último trabalho da banda, A Bigger Bang, vai perceber que se trata de uma viagem no tempo, com uma sonoridade voltada para o blues, sua influência principal, e pode até pensar se tratar de um disco do início da carreira. Ao mesmo tempo, há uma mistura de riffs mais contemporâneos, modernos, mas nunca deixando as raízes de lado. Talvez seja esse o segredo de uma longevidade nessa banda repleta de conflitos de egos, crises e reviravoltas. Os "glimmer twins" - numa tradução livre, algo como "gêmeos brilhantes" -, como é conhecida a dupla Jagger e Richards, também têm a sua parcela de "culpa" nessa história.

Tudo começou numa manhã de outubro de 1960. Keith, que faria 17 anos em dezembro, pega um trem de Dartford, sua cidade natal, para Londres, e reconhece um amigo de infância. Mick, já com 17, segura discos de Muddy Waters, Little Walter e Chuck Berry, e imediatamente há uma empatia musical entre os dois. Surge a idéia de formar uma banda que misturasse todos aqueles gêneros musicais, mas com uma pitada mais pesada e agressiva. O nome da banda foi inspirado em uma das músicas lançadas por um de seus ídolos, Muddy Watters. Era um blues - que se tornaria um clássico do gênero -, "Mannish Boy", que em um dos versos diz: "Iīm a rollinī stone" ("Sou uma pedra rolando").

O "casamento" teve início em 25 de maio de 1962. A banda era composta, além dos glimmer twins, por Brian Jones, músico mais talentoso, que morreria em 1969, aos 27 anos, afogado na piscina de sua casa, um dos mistérios do mundo do rock; Charlie Watts, baterista que destoava por ser mais elegante e polido, e Bill Wyman, que - dizem as más línguas (e algumas boas também) -, só entrou para o grupo porque possuía um amplificador. Deixou a banda em 1993. Com a morte de Brian, o guitarrista Mick Taylor assumiu, estreando com um show gratuito em Hyde Park, realizado três dias após a morte do stone mais genial. Participou de muitos sucessos da banda - o último trabalho foi Itīs Only Rock and Roll. O "impopular", como ficou conhecido, e também por ter esnobado a maior banda do planeta, saiu em 1975. Em seu lugar entrou Ron Wood, que conquistou a simpatia dos fãs e está na estrada até hoje.

Ao mesmo tempo em que os Beatles - que têm a mesma importância dos Stones na história do rock - eram considerados bem-comportados, bons moços, de trajes e cabelos impecáveis, os Stones eram feios, sujos e mal-educados. Agressivos, não tinham receio de mostrar que usavam drogas, mas eram acima de tudo ousados, e conseguiam falar a uma juventude assolada pela guerra do Vietnã e o conservadorismo da época, pré-era de Aquário, da revolução e liberdade sexuais. Os pais daquele tempo, dizia-se, jamais deixariam as suas filhas se casarem com um Rolling Stone. Era o rock também como instrumento de contestação, inclusive política, como em "Street Fighting Man", que trazia referências ("pés marchando", "hora de lutar") às manifestações que começavam a ocorrer naquele período. Mas o caminho poderia ser individual também. "O que pode fazer um garoto pobre além de tocar numa banda de rock and roll?", cantavam os Stones na mesma faixa, comparável a "Revolution", dos Beatles.

Enquanto os Beatles falavam apenas em segurar as mãos ("I Wanna Hold Your Hand"), os Stones queriam fazer amor ("I Just Want to Make Love to You") e "viajar" com cocaína e heroína ("Brown Sugar"). Essas diferenças, na verdade, faziam parte de um marketing pesado entre as duas bandas, que eram grandes amigas. Tanto que os Stones gravaram uma música de John Lennon, "I Wanna Be your Man", e Mick Jagger participou da gravação de "All You Need is Love", dos Beatles.

E o que pode chamar a atenção de uma garota para uma banda tão antiga? O primeiro show dos Stones no Brasil demorou 33 anos. Tive o prazer de reverenciar a banda naquele chuvoso 27 de janeiro de 1995, no estádio do Pacaembu, em São Paulo. Eu tinha apenas 15 aninhos. A chuva era tão forte que muitas pessoas desistiram de esperar, outras arrancavam a madeira que protegia o campo para se proteger. A apresentação de abertura, com Rita Lee, foi suspensa, e o pavor tomou conta dos fãs. O show seria cancelado? Mas, no meio do aguaceiro, uma voz anuncia: "Senhoras e senhores, pela primeira vez no Brasil, a maior banda de todos os tempos, os Rolling Stones". No mesmo instante, a chuva cessa. A cobra gigante, postada na frente do palco, cospe fogo e abre alas para Mick Jagger e banda abrirem seu espetáculo com "Not Fade Away". Foi o melhor show da minha vida, regado a blues e rock. O show de 1998, da turnê Bridges to Babylon, foi uma superprodução. Uma ponte ligava o palco maior, que representava os dias atuais, a um palco menor, que simbolizava os anos do início da banda. Nesse palco menor, o que se ouvia era puro rhythm and blues, apenas músicas de raiz, que inspiraram o início da banda. Foi realmente uma viagem no tempo. A próxima está chegando.

A contemporaneidade da banda pode ser a chave para o sucesso desse casamento. Em entrevista recente, Keith Richards disse que "é quase impossível prever quando a química de uma banda vai dar certo". Se previu isso com os Stones, não se sabe. Mas, brigas e estrelismos à parte, soube manter o grupo unido - e também estava tocando com as pessoas certas. O guitarrista tem uma relação especial com o Brasil. Acredita que a terra do samba é mais um sentimento que um país. Foi no Rio, durante férias em meados dos anos 60, num passeio de barco, que ele recebeu a notícia de que sua primeira mulher estava grávida.

Há pouco tempo, perguntaram a Mick se esta será a última turnê de banda, e ele observou: "A primeira vez que respondi isso foi em 1966. Foi filmado". A seguir, admitiu que será difícil para o grupo realizar outra turnê tão grande, e se diz entediado após o vigésimo show - e serão mais de 20 na atual caravana Bigger Bang. Passados 40 anos, eles se mantiveram na estrada porque sobreviveram a modismos mantendo a receita da boa música e acumulando ouvintes de várias gerações. É por essa razão que a praia de Copacabana irá abrigar pessoas de todas as faixas etárias, com um só objetivo comum: satisfação. É apenas rock and roll, mas eu gosto!

Tatiana Cavalcanti
São Paulo, 16/2/2006

 

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