|
Terça-feira, 30/5/2006 O boom literário Rafael Rodrigues O "boom literário" no Brasil é conseqüência da criação dos weblogs ou isso aconteceria mesmo sem tal tecnologia? Essa pergunta é como aquela já famosa: "O que veio primeiro? O ovo ou a galinha?", que tanta gente tenta, mas nunca consegue responder. Pode parecer uma pergunta boba. Resposta óbvia para ela seria "sim, os blogs são os responsáveis por esse aumento quase repentino no número de escritores". Mas "a coisa" não é tão simples assim. É notável que o caráter instantâneo dos blogs fez com que a publicação de textos na internet e o agrupamento de escritores ou interessados em literatura se tornasse mais fácil. Me refiro aos blogs pelo fato de haver uma quase regra de que todo "novo autor" possui um blog, no qual publica seus escritos. Mas vamos supor que vivemos num mundo no qual os blogs não existem. Ora. Construir uma homepage básica em HTML não é tão complicado. Um escritor ou aspirante a não precisa de muito mais que um menu com os links "contato - biografia - textos". Para quê mais? Em qualquer programa de HTML mediano isso é feito em pouco tempo. Basta ter algum conhecimento prévio no assunto ou curiosidade para sair fuçando as ferramentas do programa e descobrir suas funções. Ou ter um amigo que entenda do assunto. Bem mais simples. Onde quero chegar com isso? No seguinte: se a literatura produzida hoje em blogs estivesse hospedada em sites, seria a mesma coisa? O julgamento seria o mesmo? Ela seria levada mais a sério? O certo é que não existiriam tantos sites como existem blogs. Quem escreve - e leva isso a sério - não o faz apenas porque um dia resolveu criar um blog com o intuito de contar histórias e escrever poemas. ("Leva isso a sério" no sentido de estar produzindo literatura que tenha um mínimo de valor, que não esteja escrevendo qualquer bobagem.) O faz porque tem uma inquietação que o leva a escrever. E não porque fez um blog. Somos incentivados a ler e a escrever desde quando entramos no colégio. Se de maneira correta ou não, não vem ao caso. Nos mandam fazer poemas, redigir redações, nos contam historinhas, nos mandam ler livros de literatura. Alguns descobrem o gosto pela leitura e pela escrita ainda quando não passaram nem dos dez anos de idade. É assim com a maioria dos "novos autores". Aliás, é assim com a grande maioria dos escritores. Os blogs são apenas mais um incentivo. A grande sacada deles é o que eu disse algumas linhas acima: a instantaneidade. Para que esperar anos e anos para lançar um livro se posso publicar um conto por dia e "obrigar" alguns amigos a ler e emitir suas opiniões? Bem melhor do que tentar uma publicação meia-boca - tendo que gastar um bom dinheiro com ela - e não ter retorno algum. A importância da internet Mas não posso deixar de dizer que a internet tem sido uma ferramenta importantíssima na aproximação de escritores e divulgação dos mesmos. É bem provável que, se não fosse a internet - os blogs, para ser mais específico -, eu não conheceria boa parte dos escritores que conheço hoje. Não estou falando apenas de conhecer pessoalmente, mas sim de saber da existência. Por isso os blogs são tão importantes. E também porque muitos dos novos autores tiveram seus textos publicados em blogs ou sites literários, é claro. Foi acessando um blog aqui e outro ali que cheguei ao site Pessoas do Século Passado, um coletivo no qual são publicados textos de uma forma geral: poesias, crônicas, contos, críticas, desabafos... De lá, conheci o Paralelos. E sempre entrando em contato com um e outro literato. Entre e-mails enviados e respondidos (ou não), conheci muita gente boa, e continuo conhecendo. Até chegar recentemente ao Digestivo. Como eu iria comprar um livro de contos do escritor gaúcho Daniel Pellizzari se não fossem os blogs e sites que acessei? Moro no interior da Bahia. Por aqui, infelizmente, nunca ouvi ninguém falar nele. Não saberia tão cedo - e não teria a oportunidade de ler - do lançamento do romance do escritor Daniel Galera pela Companhia das Letras. E isso seria uma pena, já que o livro é muito bom. Pior: não estaria escrevendo este texto sobre "novos autores", pois não conheceria nenhum deles. Os novos baianos Falei que sou do interior da Bahia. E seria legal ao menos escrever um pouco sobre como andam os novos autores daqui. Acho que o nome mais conhecido no sul/sudeste seja o do querido João Filho, que foi um dos autores convidados da FLIP no ano passado, se não me engano. O João tem publicado o aclamado livro - pela crítica e pelo público - de contos Encarniçado, que foi lançado pela editora Baleia em 2004. Apesar de ter certo reconhecimento, João Filho está com seu segundo livro, o romance Açougue soul, engavetado - pelo que eu sei, ele já o finalizou. Editores, abram os olhos. Outros "novos autores" baianos são João de Moraes Filho e Renata Belmonte. Ambos ganhadores do Prêmio Braskem de Literatura. O primeiro com o livro de poesias Pedra retorcida. A segunda com o livro de contos Femininamente. O curioso é que Renata não tem blog. E dela, na internet, são encontrados poucos contos. Uma escritora que não saiu dos blogs. Só para terminar Essas classificações do tipo "geração 90", "geração 00", não passam de tentativas de criar uma unidade, um laço, que não existe entre os "novos autores". O que acontece é que alguns deles têm características semelhantes. Mas não se pode colocar todos no mesmo balaio. Nem todos utilizam palavrões, cenas surreais ou têm cenas de relações sexuais descritas em seus textos. Essas são algumas das características que os críticos atribuem aos novos escritores. Agora é pra valer Autores novos sempre aparecerão. Diante de tantos escritores, a dúvida é apenas uma: quantos deles se manterão firmes e seguirão o sofrido caminho das letras? A seleção natural se encarrega de resolver isso. Nota do Editor Rafael Rodrigues é estudante de Letras e atualmente, escreve para o Simplicíssimo, para a Argumento e para o Paralelos.org. Rafael Rodrigues |
|
|