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Segunda-feira, 29/5/2006
Leitores (e, não, autores) novos
Ana Júlia Muniz


Reader, por Edouard Vuillard

Uma jovem perdida em uma copiadora. O som da máquina de xerox é tudo o que ela ouve. Nas mãos, enquanto espera, lê um jornal local. Critica o que lê, ainda que acredite não ser isso o suficiente. Rabisca as palavras cruzadas. Não sabe responder nem a metade, mas se diverte com a cosquinha no nariz produzida pela tinta do jornal, naquele momento que antecede o espirro. Meu Deus! E como gosta de espirrar!

* * *

No primeiro dia de aula na escola estadual, Bia estava assustada. Acostumada com o padrão de uma particular, teve muita dificuldade para conseguir acompanhar a turma. Até que, enfim, ganhou aquilo que considerava a glória: no mural principal da escola, aquele em cima do palco do pátio, uma redação sua... Visivelmente exposta. Ao responder as benevolências que implantaria no mundo - a paz no planeta e o fim da seca do Nordeste, só pra começar - Bia ganhou cinco estrelas por responder ao "Se você fosse uma fada, que desejos realizaria?". Fada não era. Mas se ao menos pudesse ser...

* * *

Ixi! Olhou! E preencheu com a caneta azul que mais borrava o jornal do que preenchia as casas de letras. Fazendo a cruzadinha não resiste. Pára e pensa. Insiste para buscar no fundo da memória o nome daquele grupo musical que sua avó ouvia. Quatro _ _ _ _ e um coringa. "Será Quatro Notas? Não! Não tem cinco letras!" Ah... Olhou de novo, mas vai com cuidado para não descobrir todas as respostas de uma vez e acabar a brincadeira. "Quatro ases e um coringa". Não, definitivamente nunca ouvira falar neste grupo. E se consola por ter trapaceado.

* * *

Os olhos vermelhos são de quem passou a noite sem dormir. E o pior: são resultado das horas noturnas chorando em frente ao computador. "Por que não conseguia mais escrever?", ela pensava já iniciando novo choro. "Por que na juventude tudo lhe parecia mais fácil e hoje, por mais que tenha crescido, tudo que produza lhe pareça tão imaturo e juvenil?"

* * *

"Beatriz!". Alguém lê alto ao olhar um pequeno post-it amarelo berrante. Feliz da vida ela pega o envelope. Dentro dele vai a primeira edição do Prefácio, jornal experimental da faculdade. Seu nome na contracapa do jornalzinho de uma folha sulfite dobrada ao meio lhe dava muito orgulho. Figurava como editora e se empolgava com o simples ato de ler, avaliar e cortar. E reler, sobretudo.

* * *

Escreve o texto fútil ainda contrariada. Nenhuma idéia e nada mais lhe motiva. Tem vontade de chorar de novo, mas se controla. E assina o texto. O cursor piscando na tela. Beatriz Navarro. Como era difícil escrever seu nome na infância. Sempre teve problema como os dois erres. Hoje pensa que nunca devia ter aprendido.

* * *

Gostou do que leu até aqui? Pois é isto o que faz, obviamente em muito melhor estilo e escala, Daniel Galera em seu mais recente livro, Mãos de cavalo, ao escrever, de forma ágil e sedutora, três histórias aparentemente paralelas. Jovem autor, aos seus 27 anos de idade, Daniel inspira toda uma geração de outros jovens, assim como eu. Uma geração, aliás, de...

Não, não de autores. Mas de leitores novos. Isso mesmo! Leitores que não se preocupam com as rotulações ditas "facilitadoras" na hora de escolher o livro na prateleira da livraria ou na seção do site de compras. Leitores novos, aqui não no sentido da idade, mas sim, no sentido de serem jovens no mundo da literatura, verdadeiros calouros na recém descoberta desse gosto imensurável que é ler com prazer e não com a obrigação latente do vestibular ou das notas de literatura no colégio. "Dente-de-leite" mesmo nesse mundo de carimbados (e tarimbados!) intelectuais. Enfim, leitores novatos que se beneficiam em muito com esses novos autores veteranos. Eles, tanto quanto os clássicos, os alternativos e os obsoletos, transformam a visão de mundo de leitores e desenvolvem verdadeiramente o senso crítico, independentemente do título que carregam.

Autores novos são responsáveis por formar, ainda que não queiram ou admitam, a referência contemporânea da literatura brasileira (denotando a interferência cada vez maior da internet, com textos curtos e segmentados, sem que isto represente a perda de conteúdo, seriedade ou linguagem). E o fazem para vários leitores, sejam eles clássicos, alternativos ou obsoletos. Mas, sobretudo, para uma espécie em particular... Por acaso você já ouviu falar em novos leitores?

Ana Júlia Muniz
Uberlândia, 29/5/2006

 

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