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Segunda-feira, 5/6/2006 O vilão é Magneto ou a invasão dos blockbusters? Marcelo Miranda 1. O período entre maio e agosto é complicado para o cinema no Brasil. É quando as mega-produções de Hollywood desembarcam com tudo no país. Quando digo "com tudo", é no sentido literal da palavra. São estréias megalômanas, bancadas pelos estúdios de produção com toda a grana de marketing que eles tenham à disposição. A invasão inclui cartazes, imensos outdoors, comerciais de TV e, claro, a infinidade de cópias em cartaz do filme em questão. Mais uma vez, infinidade no sentido literal. Ou num país com pouco menos de 2 mil salas de exibição, O Código Da Vinci entrar em mais de 500 delas não é infinidade? Aliás, o leitor já foi ver O Código Da Vinci? Ainda não? Bom, se já foi, pode esticar em seguida e ver X-Men: O Confronto Final. E depois, ainda pegar uma sessão de Missão Impossível 3. Fora esses três, sobra muito pouco, quase nada, a ser assistido. Cada um destes vem ocupando aproximadamente 400 salas desde suas estréias, o que dá espaço apenas ao resto do resto. Aqui em Juiz de Fora (MG), por exemplo, temos nove salas. TODAS, sem exceção, estão exibindo um dos três filmes. O único que não faz parte da trinca divide espaço, e não é lá muito estimulante — no caso, a animação A Era do Gelo 2. Em São Paulo, arriscaram lançamentos junto com os mutantes duas outras produções, estas de bem menor porte: o musical americano Rent — Os Boêmios, de Chris Columbus; e o belga ganhador da Palma de Ouro em Cannes no ano passado, A Criança, de Jean-Pierre e Luc Dardenne. O primeiro está em três salas da capital paulista; o segundo, em cinco; e X-Men: O Confronto Final, em quase 90 salas. Difícil competir. Filmes brasileiros? Ainda em São Paulo, seis seguem enfrentando as adversidades. Sempre em, no máximo, duas salas. Há diversas questões que rondam essa invasão. Não depende apenas do exibidor dar a palavra sobre o que ele escolhe para estampar a fachada de seu cinema. Muito da "culpa" pelo excesso de blockbusters é mesmo dos estúdios e distribuidoras, dispostos a tudo para colocar seus produtos à disposição do máximo de gente possível. O exibidor, que basicamente é um prestador de serviço e depende do consumidor para sobreviver, não tem como negar um produto que venda três, até cinco vezes mais, que outro. Além disso, estúdios fazem acordos intimidantes que inibem a rotatividade nas salas de exibição. Voltando aos casos recentes de O Código Da Vinci e X-Men: O Confronto Final, boa parte dos donos de redes de cinema (não tenho certeza se todos, mas é provável) só recebeu permissão da distribuidora de colocar tais filmes em cartaz se assinassem um termo que obriga uma permanência mínima da produção (em geral, um mês) numa única sala e com horários e quantidade de sessões igualmente determinados. Uma rede pequena, de duas ou três salas, vê-se numa situação sem saída: ou aceita os termos e entope seu espaço com os filmões, que, como formigas, sempre aparecem em grupinhos; ou recusa, coloca em cartaz algo "menor" e toma imenso prejuízo, já que o vizinho concorrente aceitou o "acordo" e está nadando nos imensos números de bilheteria.
Sendo assim, na visão deste colunista, os maiores vilões do cinema atualmente são a invasão desenfreada das superproduções, que praticamente tiram a liberdade do público de escolher o que ver; e os preços abusivos do ingresso. É um círculo vicioso, porém: enquanto o espectador se dispuser a pagar R$ 20 para ver X-Men: O Confronto Final, mais e mais exemplos do tipo nos serão despejados, para que essa mesma massa os consuma. Que o diga Superman — O Retorno, próximo arrasa-quarteirão, a ser lançado em julho no Brasil. Segurem-se na poltrona para ver apenas e somente ele, o Homem de Aço, nas telas. 2. Ir ao Cinema: Um Olhar sobre Filmes (Musa Editora, 2005, 185 páginas) reúne críticas, resenhas, perfis e ensaios do filósofo Humberto Pereira da Silva sobre os mais variados assuntos ligados ao cinema. Apesar de não ser sua área assumida de atuação nem foco maior de seus estudos, os comentários cinéfilos de Humberto surgem como os de um experiente crítico, com todo o conhecimento e sensibilidade exigidos para tal atividade. A maioria dos textos foi publicada na Revista de Cinema. E o que mais torna a leitura agradável é que, mesmo escritos para outra mídia, os artigos permanecem com grande força quando lidos em livro. Essa universalidade é o que mais garante o bom nível de leitura que é essa antologia de Humberto. A organização segue duas linhas. "Crônicas" conta com textos sobre diversos títulos brasileiros em análises breves e sempre instigantes. O autor utiliza conhecimentos em Filosofia mesclados ao entendimento da linguagem cinematográfica para discorrer sobre os filmes comentados e inserir raciocínios que vão sendo desenvolvidos sem atropelos, chegando a uma conclusão final. São praticamente dissertações: introdução, desenvolvimento, conclusão. O que pode parece formulaico é um trunfo, já que Humberto chega a reconstituir a trajetória de alguns cineastas ou mesmo de algum movimento antes de entrar no filme em questão. Ou ainda analisar a própria linguagem, como na crítica a Memórias Póstumas, de André Klotzel, que adapta a narrativa de Machado de Assis. "Como grande parte da literatura é feita para instigar a imaginação, a dificuldade para uma adaptação para o cinema consiste em buscar um ajuste entre a imagem imaginada pelo leitor e a imagem que ele vê na tela", escreve, já em trecho avançado e ainda sem citar o filme. Quando fala de Lavoura Arcaica, há novamente pensamentos sobre adaptações. Ao falar de Tudo Sobre Minha Mãe, de Almodóvar, há um interessante e divertido pensamento sobre a gravidade de se contar ou não o final de um filme. Em Beleza Americana, há crescente e coerente olhar sobre o conservadorismo do filme de Sam Mendes e seus artifícios para parecer "moderninho". E por aí vai, passando por superproduções como Gladiador a jóias como o italiano O Quarto do Filho. Já em "Breves Ensaios", Humberto Pereira mergulha na vida e carreira de cinco grandes cineastas — os ingleses Alfred Hitchcock e Peter Greenaway, o russo Andrei Tarkovski, o americano Elia Kazan e o francês Jean Renoir — e discorre de temas mais amplos e menos definitivos, como a relação entre personagens solitários no mexicano Amores Brutos e no japonês Brother e a ligação do cinema com a filosofia nos filmes de Tarkovski e do sueco Ingmar Bergman. Como diz o próprio autor na apresentação, são escritos "sem pretensão de estabelecer um ponto final". E pretensão, no sentido negativo da palavra, Humberto Pereira da Silva definitivamente não tem. Compartilhar de seu olhar sobre filmes é diversão e provocação das mais agradáveis. Para ir além Marcelo Miranda |
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