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Terça-feira, 20/6/2006 A Copa de 1982 Gian Danton O futebol no Brasil é uma espécie de obrigação nacional. Eu, embora não desdenhe do esporte, evito jogar para não provocar brigas entre amigos. É que, quando eu era criança, nas aulas de educação física, os times sempre brigavam por mim: - Você fica com ele! - Está doido? Prefiro ficar sem goleiro! Logo o professor dessa emérita disciplina descobriu que a melhor forma de lidar com esse problema era me deixar no banco de reservas (às vezes eu levava um livro para passar o tempo e ficava lá, lendo, sob o olhar aliviado dos companheiros). Então eu nunca tive muita razão para gostar de futebol, não sei data de jogos, não sei quem são os jogadores e sempre me espanto ao descobrir que o Corinthians, que estava em crise (o próprio presidente disse isso em um discurso), depois era campeão e agora está em crise de novo, num período de tempo que me parece muito pequeno. Isso, aliás, me dá a impressão de que o futebol muda mais que a ciência e a filosofia. Heráclito, para quem tudo está em constante mutação, devia ser técnico de futebol. Mas, embora eu não goste de futebol, assisto a todos os jogos da seleção brasileira na Copa do Mundo. Na última Copa eu acordava de madrugada e ficava lá, torcendo e gritando de alegria quando um jogador marcava um gol. Esse comportamento anômalo tem uma origem remota, na Copa de 1982. Qualquer um que tenha passado pela Copa de 82, por mais que não goste de futebol, bate ponto na Copa do Mundo. Eu tinha apenas 11 anos na época e minha memória já não é mais a mesma, mas lembro que havia toda uma mística sobre a seleção. Dizia-se que era a melhor equipe de craques já reunida. Uma seleção de reis tendo como imperadores Sócrates e Zico. No imaginário popular, esses dois só perdiam para Pelé. Era a seleção canarinho, 120 milhões em ação. A música cantada por Júnior vendeu 600 mil cópias e era lembrado de cor por todos os garotos: Voa, canarinho, voa Mostra pra este povo que é rei Voa, canarinho, voa Mostra na Espanha o que eu já sei Verde, amarelo, azul e branco Formam o pavilhão do meu país O verde toma conta do meu canto Amarelo, azul e branco Fazem meu povo feliz E o meu povo Toma conta do cenário Faz vibrar o meu canário Enaltece o que ele faz Bola rolando E o mundo se encantando Com a galera delirando Tô aqui e quero mais. A empolgação era tanta que, antes e depois dos jogos eu e um amigo, igualmente perna-de-pau, arriscávamos uma pelada na rua. Isso, claro, antes de começar a transmissão. Nessa hora, todo mundo grudado na TV, o coração a mil. Na época eu não podia perceber isso, mas hoje acredito que a esperança no escrete canarinho não era só futebolística. O Brasil estava saindo, muito lentamente, de uma Ditadura e começava a vislumbrar uma era de liberdade e isso era, de certa forma, repassado para o futebol. Se a vitória na Copa de 1970 servira aos militares, a Copa de 1982 serviria à democracia. E as perspectivas eram as melhores possíveis. A seleção de craques e o futebol arte de Telê Santana fez 2 a 1 na União Soviética, 4 a 1 na Escócia, 4 a 0 na Nova Zelândia e 3 a 1 na Argentina. As goleadas empolgavam a torcida e na escola não se falava em outra coisa. Era impossível não acreditar que o Brasil seria campeão! O próximo adversário era a Itália, uma equipe que na primeira fase empatara todos os jogos numa chave fraca com Peru, Polônia e Camarões (estreante na Copa e um país pobre, que logo angariou a simpatia dos brasileiros) e só passara para a segunda fase graças ao saldo de gols. Seria moleza. Mas não foi. Paolo Rossi fez a diferença e três gols. O Brasil, irreconhecível, só conseguiu colocar a bola na rede duas vezes. Para quem já se achava campeão, foi um balde de água fria. Lembro que o Jornal Nacional inteiro daquela noite foi sobre a derrota da seleção. A televisão mostrava imagens das pessoas chorando na rua e de fato, aonde eu ia, encontrava pessoas cabisbaixas, tristonhas. A esperança na Copa, que àquela época se misturava com a esperança de democracia e de dias melhores, acabara nos pés de Paolo Rossi. A partir daí, embora eu não gostasse de futebol, continuei acompanhado religiosamente as Copas do Mundo. Mas, nunca, nunca uma Copa foi tão emocionante quanto aquela. Como um amor que não se realiza, e por isso é o melhor de todos, a seleção de 1982 ficará eternamente marcada como a melhor de todas. Gian Danton |
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