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Segunda-feira, 19/6/2006 Eu não me importo com a Copa Marcelo Miranda Ando pelas ruas e vejo verde-e-amarelo por todo lado. A TV só fala no assunto. A internet publica qualquer coisa sobre o tema. As lojas vendem todo tipo de artigo, desde pulseirinha a colar de diamantes em forma de bandeira brasileira. Até livrarias criaram seções especiais apenas com livros que falam sobre o campeonato mundial de futebol. Na sexta-feira, dia 9, a festa começou com uma supercerimônia de abertura em Munique, na Alemanha. Em meio a esse sufocamento, eu paro e pergunto a mim mesmo: e daí? Pois é. Sou uma anomalia dentro do universo porque simplesmente não consigo ser seduzido pela Copa. Isso começa no meu desinteresse em futebol. Ou seja, já não tenho paciência em acompanhar um bando de jogadores tentando marcar gol no campo adversário. Mas minha mãe também não gosta de futebol e, em época de Copa, pára em frente à televisão e acompanha todos os jogos - bom, exagero: não todos, mas ao menos os da seleção brasileira. A empolgação da minha mãe, e de tantas outras mães que não sabem dizer o que é um zagueiro ou um impedimento, dá a entender que ela é expert no esporte. Então, o que acontece comigo? Confesso que gostaria de me empolgar com a Copa. Vejo meu melhor amigo, o Ricardo (abraços pra você!), se desdobrar no trabalho para publicar textos e mais textos sobre a Copa, empolgadíssimo com a chegada do campeonato, todo preparado para ver cada um dos times, sabendo o nome de cada um dos jogadores, citando e recitando cada uma das estratégias que entrarão em campo - vejam o especial que ele preparou no portal onde trabalha, clicando aqui. Poucos conteúdos na rede estão tão completos. Chego a invejar o Ricardo (no bom sentido) e pensar no quanto eu também poderia curtir esse momento. Na verdade, já curti esse momento. Foi em 1994. Estava com uns 12 ou 13 anos e fiquei absolutamente fissurado com a disputa nos gramados norte-americanos. Sabia sem gaguejar cada integrante da nossa seleção, desde os titulares aos reservas, e suas posições em campo. Falava com facilidade de Parreira, Zagallo, dos times adversários, do número de vezes que cada um estivera numa Copa e se tinha sido campeão. Comprei álbum de figurinhas, me exaltei com o Galvão, berrei nos pênaltis contra a Itália, vibrei com o chute torto do Baggio que nos deu o título. Mas agora, nada disso parece voltar. Acho que, em 1994, tudo era mais inocente e gostoso de acompanhar. Passados esses doze anos, nunca mais consegui me ligar em Copa do Mundo. Na verdade, essa é uma época essencialmente hipócrita. O país pode estar no fundo do poço, com denúncias pra todo lado, corrupção em alto grau, desfalques e desvios em hospitais, creches e escolas primárias, mas se a seleção é favorita, então viva o Brasil. Até irônico que, na mesma semana em que um bando de radicais sem-terra invade o Congresso e destrói patrimônio público, a Copa tenha sua abertura e os brasileiros estejam vidrados contando as horas para ver sua pátria os representando. Será que os mesmos sem-terra que agrediram a integridade de seu país vão sentar e torcer pelo próprio Brasil? Não tenho a menor dúvida. É época em que tudo é pretexto para exaltar a bandeira. O hino nacional é ouvido e arranca lágrimas. Falar qualquer palavra negativa contra o país - ou melhor, contra a seleção - é pecado sem direito a perdão. Gente que enxerga o futebol como algo secundário (ou terciário) começa a achar cult seguir os desdobramentos da Copa. Escolas e faculdades dispensam seus alunos para verem os jogos. O Congresso agiliza as votações para testemunhar em paz e sem o incômodo dos eleitores e da mídia o desempenho da seleção. O comércio fecha as portas por duas ou três horas em nome dos jogos. É demais pra mim. Sim, não consigo me sensibilizar com essa mobilização toda. O grande Armando Nogueira comentou, durante a transmissão de abertura da Copa, no dia 9, pelo SportTV, que o campeonato tem a particularidade de inverter os efeitos da globalização. Significa que, enquanto a tendência do mundo global é acabar com as identidades nacionais, vem a Copa para reafirmar e reforçar essas mesmas identidades nacionais. "Cada país entra com a sua língua, a sua bandeira, a sua cultura, a sua forma de pensar", disse Nogueira. É um belo raciocínio. Tão belo quanto o pensamento de que a Copa é o momento máximo de confraternização entre os povos, momento em que as Coréias não fazem guerra, os países africanos são camaradas, a China é democrática e a rivalidade em campo é saudável, e não mortífera como normalmente é em outras instâncias. E volto a perguntar: e daí? Porque quando a Copa acabar, tudo volta a ser como antes. Quando a Copa acabar, as ditaduras da África serão as mesmas, a Coréia do Norte continuará fechada, a França seguirá ideologicamente contrária aos EUA. E o Brasil se manterá em direção ao fundo do poço, e talvez ainda mais, porque vêm aí eleições presidenciais. O que a Copa "esconde" por um mês é reaberto pelos próximos três anos e onze meses. De nada adianta patriotismo exacerbado por trinta dias se, quando a festa termina, precisamos encarar feridas profundas e dolorosas, bater de frente com desilusões que insistem em fazer parte do nosso cotidiano. Não é ser pessimista. É simplesmente não ver motivos pra se empolgar com a Copa. É uma posição radicalmente particular. Longe de mim fazer apologia anti-Copa. Como disse, invejo meu amigo Ricardo e tantos mais que se animam nesse período mundialmente confraternizante. Juro que vou tentar ver alguns jogos do Brasil, pelo menos. Obviamente vou torcer pelos nossos irmãos em campo. Mas daí a pedir que eu me anime, assopre apitos, compre bandeirinhas, é querer demais. Prefiro ficar na minha discreta e egoísta melancolia, sem expor isso a quem estiver do meu lado, porque nada é mais chato que gente reclamona e rabugenta. Se algo me alegra muito na Copa, é ver as pessoas alegres. Afinal, alguém precisa aproveitar o momento. Marcelo Miranda |
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