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Quarta-feira, 21/6/2006
O dia dos namorados e os clichês
Ana Elisa Ribeiro

flor
Ilustração by Tartaruga Feliz

No dia dos namorados, a venda de flores aumenta muito em relação a um dia normal. É um belo clichê chegar em casa ou no restaurante com um monte de rosas embaixo do braço. Vejam só: segundo o site Clientesa.com.br, as flores respondem apenas por 4% das intenções de presente do consumidor de 2006. Do outro lado da moeda, só 4% das pessoas ficarão felizes ao ganhar flores. Não é engraçado? Vamos torcer para que esses 4% se encontrem!

Lembro-me até hoje da primeira vez em que recebi um buquê de rosas. Foi quando fiz 15 anos e o namorado fez o que todo namorado fazia: dava flores e um belo anel. O primeiro dos presentes já morreu murcho e desidratado faz tempo. O segundo está guardado em algum lugar. Nem me cabe mais nos dedos.

Devo contar em uma mão espalmada as vezes que ganhei flores na vida. Não sou lá moça com cara de que goste, embora isso possa ser um ledo engano. No lugar do clássico buquê, já ganhei bonsai e pelúcia. O bonsai morreu logo, já que cuidar daquilo me parecia tarefa que se dá a quem está de castigo. As pelúcias estão todas guardadas. Almofadas que têm braços, ursos de todas as cores, celhos e cachorros. Uma joaninha macia e um Garfield pequeno. Tudo sobrevive, embora nem sempre com limpeza.

As flores de plástico são mais práticas, mas parecem mesmo artificiais. As flores de verdade morrem, o que deixa uma lástima escondida no olhar assim que a gente ganha o presente. Não me lembro é se já dei flores a um homem. Não conheci muitos que pudessem recebê-las com delicadeza, mas alguns amigos compreenderiam o presente numa boa. Outros, toscos como os pés da mesa, teriam medo de se enbichar para sempre só porque ganharam rosas cor-de-rosa.

Desde pequena escuto falar sobre os códigos secretos das cores das plantas. Vermelhas significam paixão; rosas querem dizer amor; amarelas são sinal de amizade; brancas são para a paz. Acho que daquelas que recebi, 75% eram vermelhas. Talvez isso retrate minhas relações-relâmpago.

Durante longos meses, tive raivas imensas de receber flores. Um oneroso namorado vivia às turras comigo e sempre tentava me comprar, levando embaixo das axilas um buquê de rosas belíssimas. Mas não me amolecia com aquele papo mole. Fui ficando com raiva das flores até o dia em que as joguei, inteirinhas, no lixo do corredor da empresa em que eu trabalhava. Acodiram logo todas as secretárias para dizer que era uma pena, um desperdício, coitado do bofe, que nessas horas os homens sempre são santos.

Minha atitude não podia ser exatamente considerada um impulso nervoso. Jogar fora as rosas era mesmo parte do meu retorno ao expediente. O problema era que aquelas plantas arrancadas do pé não me diziam mesmo nada.

E, diga-se a verdade, o que mais importa não são as plantas, que essas o tempo se encarregará de secar, mas o cartão. Quem não corre ávido a ler o pequeno cartão? Por vezes meia-dúzia de palavras amigas. Outras tantas, devastadoras declarações de amor. Picantes, vez em quando. Os cartões, sim, ficam guardados no baú de memórias cristalizadas.

Nem todo dia dos namorados deixa as pessoas animadas. As filas nos restaurantes, nos motéis, nos salões de beleza. Quando você sai vem logo um farol do carro que entra bater na sua cara. O garçom quer que você coma logo e dê o lugar a um novo casal, ainda com a nuca molhada de espuma ruim. Nos salões, as moças se esforçam por atender aos pedidos curiosos dos parceiros presenteados. Dados sacanas, calcinhas exóticas, livros didáticos para a arte de amar. Até os sex shops fazem plantão.

Mas que não se duvide: um clichê bem aplicado terá sempre seu valor.

Nota do Editor
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Ana Elisa Ribeiro
Belo Horizonte, 21/6/2006

 

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