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Sexta-feira, 7/7/2006 Não me venham com escritores (gênios, então...) Julio Daio Borges É cíclico. Volta e meia alguém me aparece com o seguinte papo: "Julio, eu conheci um gênio! Um escritor de alta, altíssima literatura - você tem de publicar". Como se eu estivesse procurando... "Procura-se gênio: paga-se bem (tratar com o Editor)" - como se essa tabuleta estivesse pendurada em algum lugar no site... (Se vocês acharem, vocês me falam? Eu preciso tirar do ar.) Tá, eu conheci alguns "gênios" - entre wannabes e hasbeens. No início do Digestivo, muitos colaram em mim, visando minha jugular, feito vampiros. Os gênios da vida real são um problema para a nação: produzem obras de arte, sim, mas sugam todo mundo... Já os gênios de mentira só sugam. E eu morro de preguiça do "gênio" hoje. Do "gênio incompreendido", então, mais ainda - porque se o sujeito viveu uma vida inteira de incompreensão, como é que eu posso ajudar? O "gênio" ou wannabe, na forma de escrevinhador, é um fardo para editores em geral. É a contradição em pessoa: quer ser descoberto mas não ajuda nem um pouco; sabe que tem de fazer alguma coisa para melhorar (e, finalmente, acontecer) - mas não aceita qualquer aconselhamento ou direcionamento que venha de fora. Também, pudera: quem passou toda a sua existência - até, digamos, a minha chegada - ouvindo "nãos", apenas espera ouvir um "sim" estrondoso, amplo e absoluto (e nenhuma outra coisa). Ei, "gênios" de plantão: isso não existe, tá bom? Todo mundo precisa ser trabalhado, principalmente uma pedra bruta... Existem "gênios" piores do que outros. Os que colocam, voilà, todas as suas esperanças na malfadada "palavra escrita": no Brasil, estão condenados a morrer de fome. Esses se aproximam de tipos como eu, mas logo se voltam contra - acontece que o problema não é meu, nem do Digestivo, nem de qualquer outra publicação; é, outrossim, de um País inteiro que, para essa espécie de inteligência, não dá nenhum valor. Os "gênios" vivem de altos e baixos. Logo, são difíceis de lidar. E o Digestivo, por exemplo, é um periódico, faz jornalismo... Precisamos estar atualizados, sempre "no ar", temos compromissos com nossos Parceiros e Leitores. E, insistindo mais um pouco neste raciocínio, sabendo que tudo tem de dar certo - funcionar como um relógio -, como é que eu posso admitir alguém do tipo inconstante? Já tive, se interessa saber, "gênio" preso, "gênio" que tentou se suicidar, "gênio" que escreveu um texto inteiro contra (dentro do meu próprio site)... "Gênio" que num minuto me ama, no outro, quer me matar... Agora, olha bem pra minha cara: acha mesmo que eu deveria aturar? Há fases em que você está mais suscetível ao "gênio", na realidade - acredita, também, que ele possa te salvar. Mas gênios entre aspas sofrem de "auto-sabotagem" crônica: afundam e, no passo seguinte, querem te afundar. Dos que tentaram, aqui, levar o navio a pique, reconheço alguns que insistem e que hoje afundam, por aí, outras embarcações... Eu penso que faz parte do gênio (sem aspas, de verdade) abrir caminhos que revelem sua própria genialidade - e não ficar cobrando promoção ou consagração de outras pessoas. Em outras palavras (e de uma vez por todas): não é missão, vamos dizer, do Digestivo lançar "mentes brilhantes". Porque acredito no seguinte: elas mesmas vão se lançar. Além desse defeito, de esperar reconhecimento, "gênios" são afoitos e querem estourar logo (assim que têm a primeira oportunidade). Quando, historicamente falando, gênios sem aspas trabalham duro e estouram depois de uma longa caminhada. (Rimbaud talvez seja, nas letras, a única exceção que confirma a regra - a da improbabilidade do gênio literário precoce.) "Gênios" velhos, então, é pior. Não aconteceram ainda, mas já incorporaram a mania da velhice de querer ensinar. Se os "jovens" deviam ser mais humildes por não saberem ainda nada, os "velhos" deveriam ser igualmente humildes (ou até mais) por terem tentado e, por enquanto, só falhado. Entre a prepotência e a ignorância, há alguma virtude que me foge? O "gênio" com bagagem é tão ou mais problemático, porque ele quer usar essa "bagagem", mostrar todos os seus dotes - e anseia por um nível de consagração muito mais sofisticado. A frustração, nessa escala, é proporcional. No mundo dos esportes - apenas a título de curiosidade -, seria algo como um atleta fechado durante décadas numa sala de ginástica que, de repente, fosse disputar uma competição outdoor. Boa coisa não ia dar... No caso dos escritores, é ainda mais grave, porque a tendência do autor (wannabe or not) é ir se isolando cada vez mais. Quando sai dos seus aposentos para o inevitável choque com a realidade, o "gênio escrevinhador" não suporta a disparidade entre suas ambições e realizações na prática e prefere cavar ainda mais fundo suas catacumbas. Um editor pode ser esse "chamado às falas", admitamos. Mas olhe aqui pra mim, agora (de novo): eu lá tenho cara de que quero interromper esse ciclo vicioso? Eu tenho muita pena dos escritores, porque eles se defendem exatamente dessa forma (da rejeição): se afundando aos poucos. E podem viver uma vida inteira sem saber - ou, vá lá, até intimamente sabendo - que são um fracasso. Conheço escritores fracassados que nem em mil anos vão melhorar. Mas não tenho coragem de alertá-los (eles colocaram toda a sua vida nessa história...). Você, no meu lugar, teria coragem? É diferente em outras profissões. Um advogado, um médico ou um engenheiro até pode reclamar de ser um "gênio incompreendido" de vez em quando, mas lá no fundo sabe que não é mesmo grande coisa - porque o reconhecimento, nessas áreas, tem de vir agora, em forma material, senão não vale. O "gênio escrevinhador" (ou "artístico", vamos extrapolar) tem sempre a desculpa da incompreensão do mundo (mesmo que se saiba um fracasso na intimidade; ou até principalmente por causa desse fato...). Eu tenho dó, mas não posso fazer mais do que já faço (eu faço jornalismo, cara pálida). Eu não convenço as pessoas da "genialidade" alheia, essa é que é a verdade; talvez convença da qualidade literária, mas isso, no Brasil, não basta. Pessoalmente, não acho que o gênio - quando ele existe "por escrito" - está logo numa primeira frase, mas, ao contrário, está no trabalho acumulado. E meia dúzia de pessoas apontando para um sujeito e proclamando, em uníssono, "gênio!" também não me diz nada. Como dizia o Nélson, nosso amigo, é a tal da unanimidade. (Burra, claro.) Eu fico cansado de ter de calibrar meu detetor de Q.I., ou de inteligência emocional, toda vez que alguém bate à minha porta e demanda: "É gênio ou não?". Mas eu entendo, vai... eu entendo de uma maneira ou de outra. Os escrevinhadores - e o público leigo - falam mal da crítica, por hábito, mas é ela a única capaz de realmente "avaliar". (Escrevinhadores puxam o saco uns dos outros...) Sem fortuna crítica, um autor não é nada: morre e acaba. Mesmo que venda muito. O Paulo Coelho, com todos os seus superpoderes de mago - hey, Paulo, não é nada pessoal -, tenta se vingar da crítica a cada obra, mas não adianta nada. O selo de qualidade do Julio (ou do Digestivo) pode até ter algum valor, eu assumo - mas não funciona como uma balança de precisão em miligramas. O negócio é orgânico. O gênio vai passar pelo nosso campo de visão e, se estivermos num dia bom, vamos apontar: "Olha o gênio lá!". O que não significa que as pessoas vão parar e olhar... O resumo da ópera é: não tentem acelerar o compasso. Se for mesmo ocorrer, ocorrerá. E daí que o "gênio" vai se matar se demorar? Se ele for gênio mesmo, você não vai conseguir salvar. (Nem, muito menos, eu, tá?) "Ah, se o nosso Gênio tivesse um pouco mais de gênio!" Ralph Waldo Emerson Julio Daio Borges |
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