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Segunda-feira, 3/9/2001
Darwinismo Miserável
Carlos Benites

Sei que é difícil falar de um assunto como distribuição da renda e ainda acrescentar alguma coisa. Mas me sinto motivado a escrever devido à pluralidade de aspectos éticos que o assunto desperta. Vejam que minha intenção aqui não é levantar bandeiras contra ou a favor do capitalismo, comunismo, liberalismo ou qualquer outro “ismo”. Somente pretendo fazer uma exposição fria de algumas facetas.

Igualdade

Toda esta história de distribuição de renda vem da idéia de que o dinheiro resultante da produção de todos deveria, idealmente, ser distribuído igualmente entre os indivíduos da sociedade em questão. De onde apareceu esta idéia? Não sei ao certo, mas parece que faz um certo sucesso. Principalmente entre aqueles que recebem a menor parte do quinhão. Não quero tentar simplificar demais as coisas, mas a natureza do ser humano não é de se preocupar muito com o bem-estar dos outros humanos. Assim, a concentração de renda é inevitável. O grau de concentração da renda é definido por um intrincado equilíbrio de forças que incluem desde controle ideológico até força física. Obviamente uma das partes sai prejudicada e outra, minoritária, privilegiada. No entanto, se os “desfavorecidos” são muito prejudicados a ponto de “sumirem”, o sistema não se mantém, pois a produção diminui e a renda total fica cada vez menor.

O estado é criado para, entre outras coisas, tentar remediar a situação, fazendo com que a sociedade tenha sua eficiência maximizada, procurando uma produção per capta média ótima. Para isso, é visado o melhor desempenho do coletivo, não do indivíduo. O problema é que esta é uma equação complicada, pois as ferramentas que se tem para controlar o coletivo são leis que delimitam os direitos e deveres do indivíduo. E com isso fazer com que cada indivíduo contribua positivamente para o bem coletivo.

Esta verborragia serve somente para dizer que se existe algo que afirma que deve haver igualdade, isto é a ética adotada pela sociedade. Não as condições de sobrevivência da mesma.

Assim sendo, subconjuntos da sociedade acabam adotando mecanismos autônomos, independentemente do estado, para promover o que manda a ética do grupo. Assim surgem os mecanismos “alternativos” de distribuição e concentração de renda.

Concentração

Além dos meios convencionais de concentração da renda, como controle do capital e dos meios de produção, destaco alguns outros mais “avançados”.

O mais estranho de todos, forma a categoria “jogos de azar”. O indivíduo, conscientemente, abre mão de parte da sua renda para tornar um outro muito rico, desde que ele tenha a chance de ser este outro. Bizarro, não?

Outro mecanismo avançado de concentração de renda é o enriquecimento ilícito de funcionários do estado. Simplesmente, a ética adotada por um subgrupo destes permite que se aproprie dos bens cujo fim é exatamente fazer a sociedade funcionar pretensamente melhor.

Mais um que merece destaque, mas que é reconhecido tanto ética como legalmente, é a fama. Este caso é mais sutil, porque muitas vezes não se observa diretamente quem são as pessoas que abrem mão de parte do seu quinhão para enriquecer alguém famoso. Cito como exemplo, um jogador do Palmeiras. Se o sujeito ganha R$ 150.000 por mês, quem paga o salário dele é a Parmalat. Logo, esta deve aumentar um pouquinho a margem de lucro em seus produtos para manter o “patrocínio”. Quem acaba pagando no final é o consumidor.

Por último, a que eu considero mais agressiva, é o “desvio” de dinheiro em empresas de capital privado. É no mínimo engraçado o fato de que subornos e desvios de dinheiro no governo sejam vistos com extremo repúdio pela ética comum, enquanto isso é rotina na iniciativa privada. Quem para a conta é quem paga sempre, pois as empresas sobrevivem (pelo menos a maioria) mesmo com os desfalques. Para isso, aumentam suas receitas através de um esfolamento adicional dos funcionários e/ou dos consumidores.

Distribuição

O estado tenta, em suas empreitadas tendenciosas, distribuir a renda. Não de modo igualitário, mas numa proporção tal que deveria aumentar a eficiência total. Um dos modos utilizados é regulamentar uma percentagem maior de imposto de renda devido para quem ganha mais. A despeito disso, alguns grupos da sociedade desenvolveram com o decorrer dos anos técnicas com o objetivo de distribuir da renda por si próprios. Claro que existem as maneiras tradicionais e ilícitas, como furto e roubo. Porém estamos falando de algo não tão convencional.

Acho que o melhor exemplo são os flanelinhas. Extorsão ou não, o que estas pessoas fazem pode inclusive parecer legítimo a alguns. Tanto que em algumas cidades temos até “Sindicato dos Guardadores Autônomos” ou coisa que o valha.

Seguindo estes, vem o grupo dos garotos (e outros não tão garotos) vendedores de chiclete nos faróis, e os mendigos, e recentemente os “artistas” de farol. Eles são a última moda em São Paulo. Malabaristas, engolidores de fogo, etc.

Claro que eu poderia incluir aqui instituições de caridade, no entanto poderia soar anti-ético ou, em alguns casos, deveria estar na seção de concentração e não na de distribuição da renda...

Estes exemplos não tratam de pessoas desesperadas, tentando sobreviver num mundo cão capitalista, em que a burguesia não tem solidariedade, e só pensa em esfolar o proletariado. São apenas ferramentas avançadas de distribuição da renda. Eticamente legítimas ou não, são apenas isso.

Teoria dos Jogos

Mesmo que o estado conseguisse fazer aquilo que deveria, estes mecanismos informais de manipulação da renda ainda apareceriam. Simplesmente porque, para cada um deles, existe uma parcela da sociedade que se beneficia e não é efetivamente reprimida por agir desta forma. O resultado é um estado de aparente equilíbrio, que se revela uma evolução social. Tudo isso acompanha uma evolução ética que se mostra hoje em ritmo acelerado. E numa direção não muito condizente com ideais de justiça e igualdade.

Nota

Segundo o IBGE, se pegássemos a renda de todos os brasileiros e dividíssemos igualmente entre todos, isso daria cerca de R$ 400,00 por mês para cada. Quem ganha menos que isso ficaria contente, mas quem ganha mais, nem tanto...

Carlos Benites
São Paulo, 3/9/2001

 

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