|
Quinta-feira, 25/4/1974 Apresentação Daniela Sandler Escrever sempre foi para mim amor e vocação. No entanto, foi por linhas tortas que fiz da escrita a minha ocupação. Estudei arquitetura e urbanismo porque também gostava de desenhar. Só a prancheta não me fazia feliz, e dei um jeito de enfiar a escrita, editando o jornal do grêmio e fazendo iniciação científica. Mas era duro. Na FAU, o desenho era rei; a palavra, só pra legenda. Ouvi professores dizendo "arquiteto não sabe escrever" - não com desgosto, mas com orgulho. Um dia um professor de projeto de edifícios me confrontou, perplexo: "se você gosta tanto de escrever, o que está fazendo aqui?" Como eu poderia ter explicado que escrever não diminuía em nada minha paixão por arquitetura? Escrever é o modo pelo qual me relaciono com o mundo. Ler e produzir textos é a minha maneira não apenas de compreender, mas de participar. Resolvi seguir a linhagem dos historiadores e teóricos, que contribuem ativamente para o desenvolvimento da arquitetura e do urbanismo - ainda que não construam prédios ou projetem cidades. E assim, depois de uma curta passagem por escritórios, fui fazer doutorado e selei meu destino como acadêmica. Em 1999, saí de São Paulo, onde havia morado desde nascer. Fui para Rochester, no norte do estado de Nova York, fazer doutorado em Estudos Culturais e Visuais. É um programa interdisciplinar, que me permite refletir sobre arquitetura considerando suas relações com história, sociedade, cultura e política. Depois de três anos de curso (o doutoramento nos Estados Unidos exige mais créditos-aula que no Brasil), veio a hora de me dedicar à tese propriamente dita. E assim fui parar em Berlim. Fiquei na capital alemã por um ano, fazendo pesquisa de campo. Meu tema é o tratamento do patrimônio arquitetônico berlinense em relação à história e à identidade alemãs. Qual o significado e as conseqüências de preservar certos edifícios, e destruir outros? Sou particularmente fascinada por locais, formas e objetos impregnados pela história - essa relação escorregadia entre a matéria palpável da cidade, e o universo simbólico da memória urbana. Agora, de volta aos Estados Unidos - e ainda escrevendo o doutorado - vim parar numa cidade de história curta, mas não menos intensa: Riverside, nas barbas de Los Angeles. Comecei a escrever pro Digestivo já quando estava nos Estados Unidos, e foi uma alegria poder escrever de novo em português e alcançar leitores no Brasil - e brasileiros no resto do mundo. Publicar minhas colunas e ter a resposta do público faz com que eu me sinta, de certa forma, presente de novo no meu país. Pois escrever é também minha maneira de fincar pé, dizer quem sou, fazer de mim o que desejo - minha maneira não só de me relacionar com o mundo, mas criar nele o meu espaço. Daniela Sandler |
|
|