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Segunda-feira, 31/7/2006 Caso Richthofen: uma história de amor Marcelo Miranda "Você acha que a Suzane deve pegar quantos anos?". A pergunta sexualmente ambígua foi feita no domingo, 23 de julho, no Pânico na TV. Os malucos do programa estiveram na porta do tribunal em São Paulo onde aconteceu o julgamento de Suzane von Richthofen e dos irmãos Cravinhos. Sobre o caso, todo mundo já está cansado de saber. Quando ele vira chacota num programa de humor, aí a coisa é funda mesmo. Afinal, como fazer piada a respeito do brutal assassinato de um casal indefeso, num plano arquitetado pela filha deles junto com o namorado dela? Isso apenas atesta que o caso Richthofen tem uma força descomunal no imaginário brasileiro. Não bastassem os detalhes macabros do acontecimento, a espetacularização do crime se torna muito maior quando se sabe que Suzane é jovem, bonita, estudiosa e, até então, herdeira de uma fortuna avaliada em R$ 2 milhões. Impossível não tentar entender o que se passa (passou) na cabeça dessa loirinha aparentemente tão dócil, tão meiga, para dar cabo dos pais e destruir a própria vida no processo - a dela e a do homem que ela dizia amar, o então namorado Daniel Cravinhos, que levou junto o irmão Cristian. Sem falar em Andreas, irmão de Suzane, deixado alheio à situação e agora literalmente a peça que sobrou do esquema todo. Percebam a cadeia familiar. Um apaixonado puxa o outro - Suzane ou Daniel, que seja, convencem-se de eliminar os pais da moça. O rapaz coloca o parente mais próximo no meio, enquanto a garota ignora os sentimentos do caçula em casa e simplesmente some com ele enquanto a trama é tecida numa noite de outubro de 2002. É fantástico demais, rico em sutilezas, em sensibilidades, em pura paixão. É, talvez, um dos crimes mais passionais de que se tem notícia no país - e isso não é espetacularizar o fato, mas dar a ele o seu real significado.
Então, por que este caso não foi tão fartamente noticiado ou gerou interesse por parte da opinião pública (e nem mereceu receber a equipe do Pânico...)? Ora, a resposta é tão óbvia quanto é estúpida a pergunta: porque Suzane tramou o assassinato dos próprios pais. Cometeu, ao mesmo tempo, matricídio e parricídio. Liana e Felipe foram vítimas de selvagens. Os matadores eram monstros sem "justificativas". Buscavam o prazer mórbido do estupro e assassinato. Não existe a menor dúvida quanto à questão: eles levaram o casal para se divertirem às custas do sofrimento deles. Sem paixão, sem sentimentos. Simples assim. No caso Richthofen, nem tudo é tão absoluto. Todos tinham seus motivos, e sem aspas aqui. Suzane queria liberdade para namorar quem bem entendesse. Daniel desejava estar com a amada quando e como quisesse. Cristian se uniu ao irmão para ajudá-lo a ser feliz. Os motivos eram justos. O que choca na história toda é a forma como essa literal busca pelo amor terminou. O caso tem todos os ingredientes do mais absurdo folhetim melodramático: paixão, tesão, desejo. Mas tem também características de um autêntico Hitchcock: suspense, morte, suspeitas, mistérios. Durante o julgamento, novos elementos foram acrescentados ao roteiro já devidamente rico. Houve quem dissesse que Suzane fora violentada diversas vezes pelo pai e que sua mãe era lésbica e mantinha amantes. Ou então a principal linha da defesa, a de colocar a culpa do crime num suposto domínio sexual exercido por Daniel em cima da garota - ela teria perdido a virgindade com ele, o que a teria tornado uma "bonequinha" a mando do rapaz. Ou seja, quando se acha que a trama macabra (roubando aqui um título de filme do já citado Hitchcock, que, no original, é oportunamente chamado Family Plot) estaria finalizada, eis que depoimentos surgem, testemunhas são descobertas e mais sentimentos vêm à tona. Vai ser difícil, um dia, alguém entender o que realmente aconteceu na noite de 31 de outubro (Dia das Bruxas, aliás) de 2002 no bairro do Brooklin, em São Paulo. São tantas a versões, tantas as mudanças de foco, tantas as opiniões, que tudo parece provável e improvável ao mesmo tempo. A confusão é tamanha que enrolou até o júri responsável por definir a sentença dos três acusados. Num questionário distribuído a cada jurado, eles deviam marcar uma opção que perguntava se Suzane tinha sido influenciada por Daniel a matar o pai e a mãe. No caso da mãe, o júri considerou que ela foi totalmente responsável, sem subterfúgio algum. Já para o pai, a decisão da maioria foi que ela sofreu, sim, coação do namorado. Em resumo: ambos foram mortos na mesma noite. Para um, a moça foi forçada a cometer o crime; para outro, não. E ela nem estava no quarto na hora das pauladas desferidas pelos irmãos. Tal complexidade gerou o livro O Quinto Mandamento, da jornalista Ilana Casoy, lançado recentemente pela ARX. Num minucioso trabalho de apuração (que lembra, na comparação com o cinema, o documentário Ônibus 174, de José Padilha), ela resgata toda a trajetória de Suzane e dos Cravinhos da noite do assassinato até a confissão. Reproduz depoimentos de familiares, policiais e reconstitui as investigações que levaram à prisão do trio. Provavelmente um livro não esgota o assunto. Nem uma coluna no Digestivo. A fascinação do caso Richthofen vai além de produtos culturais. Ela atinge o âmago do seio familiar, os questionamentos morais e éticos que todos temos sobre até onde ir para realizar nossos desejos. Na melhor das hipóteses, Suzane, Daniel e Cristian podem ter dado uma lição ao país. Tudo por amor. Para ir além Marcelo Miranda |
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