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Quarta-feira, 2/8/2006 Quem ainda compra música? Rafael Fernandes Deu no New York Times (só para assinantes UOL): as lojas de CD estão acabando nos EUA. O artigo conta como muitas das mais conceituadas lojas de discos de lá (das grandes às pequenas) estão começando a ficar às moscas. Aqui no Brasil, este "fenômeno" começa, aos poucos, a acontecer. Na Galeria do Rock (atualmente mais para "Galeria dos emos"), em São Paulo, muitas vitrines que em outras épocas mostravam lançamentos importados dedicados apenas a conhecedores de música, com títulos "obscuros" para o grande público já se "renderam" aos "mais vendidos" do estilo como CPM 22, Slipknot, Foo Fighters, essas coisas emo, Strokes, entre outros. Algumas outras já fecharam e deram lugar a lojas de roupa. Isso deve continuar - provavelmente continuarão as específicas e/ou lendárias (como a Baratos Afins, tendendo à especialização em LPs) e as gravadoras (como a Hellion, batalhando há 16 anos o metal nacional - apesar das modas efêmeras e Massacrations). Lojas de rua estão fechando e dentro de alguns anos até grandes lojas terão que tomar cuidado. Mas porque será? "Só" as trocas de arquivos via Internet? Em "Our World Has Changed - Stop Hiding Under The Covers" (algo como: "Nosso Mundo Mudou - Pare de Se Esconder Debaixo Das Cobertas") Merck Mercuriadis, atual empresário do Guns N Roses via Sanctuary (que gerencia carreiras de artistas como Iron Maiden, Morrissey e outros), se não reinventa a roda, toca em pontos interessantes. Lembra que no início a indústria procurava conquistar fãs de música - quem realmente se importava com ela, que a consumiria, mas que já há alguns anos trocou essa visão por uma tentativa de atingir a massa. Um equívoco, segundo ele. Em seu raciocínio - baseado nos EUA, comenta: quem gosta de música? Todos, claro - difícil encontrar viva alma que não goste. Porém, continua Merck, quem está disposto a comprar música? A resposta vem em seguida: 1 pessoa em 280 - levando em conta que uma ótima vendagem de música nos EUA atinja 1 milhão de cópias, num universo de 280 milhões de pessoas. Transpondo para o Brasil e usando "apenas" 500 mil cópias - o que equivale a um disco de platina, muito difícil de alcançar; ao que parece só Bruno & Marrone e Ivete Sangalo tenham conseguido no último ano, sendo que foi anunciado que o CD desta última saiu com 750 mil cópias, mas 500 mil cópias foram compradas por uma marca de cosméticos - para ver como a indústria do disco se "preocupa" com a música. Aqui, portanto, no universo de 180 milhões de pessoas, há 1 pessoa em 360 disposta a comprar um disco. É claro que há outros diversos fatores em jogo, mas o ponto de Merck Mercuriadis é que, ao invés de privilegiar os fãs consumidores de música buscando manter boas vendas por um grande período, a indústria preferiu procurar a massa: via marketing, jabá e afins joga uma rede de informações nos 280 milhões (ou 180 aqui) tentando conseguir um número máximo de consumidores. Privilegiou o efêmero. Foi criando bolhas e mais bolhas de consumo. Em algum momento as bolhas explodiriam - a Internet veio para acelerar, antecipar e amplificar o barulho da explosão. Isso porque o consumidor pode ser influenciável, mas não é bobo. Sabe - conscientemente ou não - que nos próximos meses vão estourar uns 5 novos artistas, com 2 músicas cada tocando ininterruptamente, e depois outros 5 aparecerão - com essa oferta aumentando a cada dia, via meios de massa como rádio, MTV e afins ou via meios alternativos como Myspace, Trama Virtual (que já tem cerca de 30 mil cadastros, 80 mil músicas e quase 20 mil downloads por dia) e afins. Por que, então, comprar um CD de cada artista se as músicas avulsas estão a um iTunes (ou a um Bit Torrent, um Soulseek) de distância? Ao escolher um público que não está tão disposto assim a comprar música, ao optar pelo binômio "efêmero + consumo de massa" a indústria fonográfica se sabotou. Conseguiu vendas estrondosas por um tempo, mas talvez tenha provocado o inicio do fim de seu negócio. Dessa forma, a música se tornou um entretenimento como qualquer outro - compete mercadologicamente com cinema, DVD, videogames, teatro, "baladas", parques temáticos, bares, restaurantes e etc. E estamos na era da "experiência". Empresas e teóricos do entretenimento pregam que o consumidor quer algo mais do que presenciar uma atividade - quer vivenciá-la. Como vivenciar um CD com tantas outras opções? E se é possível gastar uns R$ 25,00 num cinema (R$ 15,00 de ingresso e R$ 10,00 de estacionamento, por exemplo), como convencer o tal do consumidor que em vez disso ele deve pagar R$ 40,00 numa caixinha de plástico? Aliás, como justificar R$ 40,00 para uma caixinha de plástico que guarda um CD que pode ser achado, "virgem", por menos de R$ 1,00 por aí? Custo dos músicos? Estúdio? Jabá? Volatilidade do Câmbio? Custo Brasil? Gripe aviária? Carlos Alberto Parreira? Não adianta justificar - o consumidor não se importa. É possível argumentar que o preço do cinema também aumentou, do estacionamento também e etc. É verdade. Porém, o consumidor percebeu que com o aumento de preço vieram também melhoras de qualidade: as instalações estão melhores, som e imagem idem. Já o consumo da música continua no obsoleto CD de 15 anos atrás e não houve melhora - houve até piora: encartes e informações mal cuidados e o recente e inadmissível controlador de cópia - que é mais um motivo para não comprar, pois trata o consumidor do produto oficial como um pirata. Adicione-se a isso o fato de atualmente haver uma oferta fora do comum de novos artistas - sejam artistas de massa ou independentes; aliado a isso a velocidade de informação também já está além da conta. Há 10 anos, para conseguir o vídeo de um show não oficial de qualquer banda estrangeira era preciso garimpar na Galeria do Rock e comprar - digamos que por cerca de R$ 50,00 - vídeos de qualidade visual e sonora duvidosas. Hoje, no dia seguinte de um show já há clips do mesmo no YouTube. De graça e muitas vezes com qualidade melhor do que os vídeos de outrora. Shows inteiros em áudio são fáceis de achar. Aliás, nos fóruns, orkut, blogs e afins é possível encontrar discografias inteiras dos mais diversos artistas, com os arquivos colocados em sites de hospedagem, como rapidshare, sendspace, megaupload e etc. O problema nos EUA e na Europa difere um pouco do Brasil: lá o problema é pirataria digital - grande parte da população tem acesso à banda larga. O iTunes já dá mostras de força - e há outros serviços de venda de música on-line a caminho que, se podem não aumentar o consumo de música, ao menos podem estabilizá-lo. No Brasil bate-se na tecla de que o problema é a pirataria física. É um fato, e a cada dia aumenta. Não à toa se há 5 anos era possível comprar por R$ 10,00 reais um CD pirata do novo lançamento do É o Tchan! ou do Soweto, atualmente pelo mesmo valor é possível comprar um CD de MP3 com toda discografia do É o Tchan, do Soweto, Inimigos da HP e ainda sobra espaço para o novo do MC Serginho. Mas o poder da Internet é desprezado. Especula-se que seja cerca de 20 milhões o número de seus usuários. Menos de 10% da população. Mas, ainda assim, já é um número muito grande. São 20 milhões de potenciais adeptos da pirataria. Mas quantos desses têm banda larga para baixar música? Não importa. Algum dia Internet discada foi impedimento para alguém pegar aquela música? E ainda há os cibercafés, em plena expansão e com conexões rápidas. E aqui vão os dados de banda larga: em 2003 eram cerca de 1 milhão de pessoas que utilizavam o serviço. Em 2004 foram 2,26 milhões e em 2005 esse número deve ter chegado a 4,21 milhões. E ainda que seja baixo, é exatamente o público com condições de comprar um ou dois CDs oficiais por mês. Mas tem acesso livre e fluido à pirataria. E esse número tende a crescer. Não no ano que vem claro. Mas dentro de 5 a 10 anos o quadro vai se agravar. Será que esses não são motivos suficientes para uma reviravolta digital? E não adianta tentar proibir, fazer caça às bruxas. Amanhã aparece outro tipo de programa de compartilhamento, que dará um novo nó na indústria. E não adianta proibir também porque a oferta de venda legalizada de músicas pela Internet, no Brasil, é pífia. O único site de "peso" (nem tanto...) no Brasil é o iMusica, que tem pouquíssima variedade de artistas e estilo (lá você não vai encontrar artistas como Legião Urbana, Ivete Sangalo e muitos outros e encontrará catálogo reduzido de outros tantos), é confuso de comprar (via créditos), caro (R$ 2,99 cada música). Mas se você comprar último disco da Maria Rita inteiro via Internet, ganha um desconto. Porque senão ficaria mais barato comprar o CD físico. E se você quiser comprar o primeiro da Maria Rita não pode, pois só estão disponíveis 5 músicas. Para completar, as músicas são em formato WMA (Windows Media Audio), que além de ser diferente do usado pelo mundo todo (MP3) se baseia no monopólio da Microsoft. O site pode justificar essas políticas e preços por "n" motivos - plausíveis até. Mas, novamente, para o consumidor não importa. Falando em formato, é preciso reafirmar que o consumidor de música pode ser influenciável pela moda do momento, mas não é bobo. Já teve que trocar seus LPs por CDs há 15 anos atrás e agora migra para o MP3. E vai comprar MP3 pra quê? Pra daqui a dois anos aparecer um outro formato - quem sabe mais leve e de melhor qualidade - e seus queridinhos MP3s (e os tocadores) serem aposentados também? Já os tocadores desse formato - coqueluche do momento - parecem já terem nascido com os dias contados. Com o avanço (tecnológico e de preço, vide os Blackberrys) cada vez mais rápido dos celulares é bem possível que estes é que sejam os tocadores "oficiais" de música da nova geração. Convenhamos, o "fenômeno" do MP3 e de troca de arquivos está aí há 10 anos e a indústria ainda não se recuperou do golpe. E não deve se recuperar. Suas tentativas de virada se baseiam em idéias que visam acabar com a liberdade do consumidor: mecanismos de controle de cópias, arquivos digitais vendidos com licenças, pacotes mensais de música. E talvez seja tarde, caso o consumidor esteja acostumado com o "livre-acesso". Sintoma desse fato é que diversos discos lançados recentemente "vazaram" na Internet menos de 1 mês antes de seu lançamento. De Los Hermanos a Dream Theater, Coldplay e Madonna, ninguém fica imune. Depois de finalizado, um CD leva de 2 a 3 meses para sair: 1 mês de prensagem e uns 2 de preparativos logísticos, marqueteiros e afins. Para a dinâmica de troca de informações dos dias de hoje, esse processo é decerto incongruente. Por que eu e você - que aguardamos o novo lançamento de nossos artistas preferidos há 1, 2, 4 ou 15 anos - temos que esperar 1 mês para ele ser prensado numa mídia que já está caindo em desuso (até como gravação, pois o DVD começa a tomar a dianteira)? Pior: por que temos que esperar dois meses pela distribuição e divulgação - para o fã isso não importa, ele quer a música logo, o quanto antes. Mas a indústria não se importa com o fã - quer atingir a massa. E a massa precisa ficar sabendo do lançamento. Mas até quando a massa vai continuar comprando? Qual o futuro da música? Eu não sei. Se soubesse venderia a idéia por uma bela grana. A indústria do disco - a "oficial", a independente e os piratas - também não sabe. Menos ainda os artistas - aliás, muito se fala da crise da "indústria", esta reclama do mercado, processa usuários de Internet, coloca controle anti-cópias nos CDs, mas e os artistas? Qual a postura destes? Vão esperar o barco afundar (as gravadoras é que não afundarão junto)? Mas, enfim, o fato é que o CD entrou com força no mercado desde o início dos anos 90 e já nos anos 2000 teve decretada sua morte. Ainda terá alguns anos de vida, até porque vários lançamentos - nacionais e internacionais - fora do mainstream ainda dependem dele, mas é quase unânime que sairá de linha em breve. E até quando o MP3 vai sobreviver? E até quando a indústria vai esperar para agir pensando no futuro ao invés de esperar o "pior" acontecer? A indústria parece ter se tornado refém de sua própria obsolescência. Nota do Editor Leia também "Por que somos piratas musicais". Rafael Fernandes |
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