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Segunda-feira, 14/8/2006 Vida ou arte em Zuzu Angel Marcelo Miranda Os apelos conjuntos da história de uma mãe em busca do filho perdido e do contexto reunindo o regime militar e todas as barbaridades cometidas nos porões da ditadura conseguiram fazer com que Zuzu Angel, novo longa-metragem de Sérgio Rezende, se tornasse o mais recente sucesso do cinema brasileiro - ao menos nos seus primeiros dias de exibição. O filme estreou em 7 de agosto e acumulou 136 mil espectadores no seu primeiro final de semana de exibição, segundo dados do Filme B. É a segunda maior abertura nacional do ano e o vislumbre de um projeto que pode salvar as produções do país da mais pura invisibilidade. No primeiro semestre de 2006, apenas um filme conseguiu resultado de destaque. A comédia Se eu fosse você, de Daniel Filho, já passou dos 3,5 milhões de espectadores. Os que vêm a seguir passam longe dessa marca. Didi - O Caçador de Tesouros fez pouco mais de um milhão em público; Xuxinha e Guto contra os monstros do espaço está na casa dos 500 mil; em seguida vem Irma Vap - O Retorno, com quase 300 mil; e depois, apenas filmes que não chegaram à casa dos 100 mil espectadores, casos do badalado A Máquina (55 mil) e de obras significativas como Crime Delicado (20,5 mil) e Bens Confiscados (3,7 mil). Os números não significam que os filmes tenham sido apenas ignorados. Pesa na quantidade de espectadores o número de cópias a serem distribuídas e a própria política de distribuição, algo, hoje, extremamente influente no resultado final de uma produção - o drama de terceira idade Depois daquele baile, de Roberto Bomtempo, está em cartaz há meses e encontrando um público cativo e interessado em saber a história de três idosos às voltas com o fim da vida. Mas não se quer aqui discutir o contexto atual do mercado de cinema realizado no Brasil. Para isso, o interessado pode (ou melhor: deve) ler a edição 81 da revista eletrônica Contracampo e a série de artigos "Cinema brasileiro para quem?", de Leonardo Mecchi e Eduardo Valente, na Cinética. O que este articulista pretende colocar em questão é justamente Zuzu Angel. Pensando no potencial de bilheteria que o filme possui, vem sempre à mente se o público estará exposto a um trabalho de qualidade. "Exposto", aliás, é palavra apropriada, visto que, para qualquer lado que se olhe na Rede Globo, há alguma referência ao filme de Rezende. A Globo Filmes já propiciou entrevistas da estrela Patrícia Pillar e de parte do elenco desde nos tradicionais jornais da emissora e Vídeo Show até comentários nada naturais de personagens de novela.
Uma vida dessa é naturalmente cinematográfica. Daí a render um filme bom, vai longa distância. No caso de Zuzu Angel, o resultado está razoavelmente afastado da grandiosidade possível de ser. Seria exagero, claro, dizer que existem grandes semelhanças com Olga, este um trabalho de voltagem máxima no quesito "detestável". Se há alguma coisa em comum entre a biografia filmada das duas mulheres, é simplesmente isso: serem duas biografias filmadas de mulheres que partiram de peito aberto contra regimes ditatoriais. Filme morto Sempre que um filme é taxado de televisivo, a impressão é de se estar dizendo que a TV é inferior ao cinema. O que se deve dizer, de fato, é que o filme possui elementos televisivos muitas vezes desagregadores da grandiosidade que a linguagem cinematográfica pode proporcionar. Zuzu Angel cai nessa armadilha ao pasteurizar e simplificar a saga da personagem-título. O que se vê no filme de Sérgio Rezende é uma história de amor materno travestida da mais pura ingenuidade quando trata da complexidade de temas que o enredo levanta. Ditadura, repressão, tortura, crimes misteriosos. Estão lá todas as características de filmes ambientados no regime militar brasileiro. O longa de Rezende consegue, inclusive, evocar em determinados momentos o precursor Pra Frente Brasil, de Roberto Farias, que mostrava a saga de um homem em busca do irmão desaparecido nos porões da repressão - e as seqüências de tortura protagonizadas por Daniel de Oliveira como Stuart Angel bem lembram os horrores sofridos por Reginaldo Faria na produção de 1982.
A visão do diretor para a saga de Zuzu não tem, de fato, embates ou conflitos legítimos. Há, sim, a tentativa de colocar a protagonista sempre correndo (ora correndo atrás de ajuda, ora correndo perigo) sem nunca deixar de estar encaixada no que o roteiro previamente estabeleceu. Desde o clichê do revolucionário abatido pelo Exército durante um assalto até as falas pomposas dos personagens, Zuzu Angel apenas gira ao redor da ferida sem apertá-la. Atrapalha (e muito) o roteiro discursivo, que deixa à mostra, na voz dos atores, o artifício de um moralismo envelhecido. Esse texto - sim, texto, esta palavra ruim para definir um roteiro, mas a mais apropriada no caso em questão - ganha ares de ridículo quando declamado por um Daniel de Oliveira cheio da afetação típica dos jovens revolucionários que o cinema brasileiro por vezes insiste em apresentar como patéticas encarnações de ideologias.
O esforço de Patrícia Pillar em soar autêntica e a paixão com que se entrega ao papel são explícitos, mas não o suficiente para abafar o contexto de fraquezas que rodeia a atriz. Zuzu Angel, realizado por um cineasta que, mal ou bem, tem experiência de décadas (e é um especialista em abordar figuras históricas semi-solitárias, como o fez em O Homem da Capa Preta, Lamarca, Mauá e Guerra de Canudos), aparenta ser um projeto amador na sua falta de habilidade ao tratar da imagem e na fragilidade com que lida e pensa a linguagem de cinema. É, basicamente, um filme que parece ter nascido já morto para a tela grande. Marcelo Miranda |
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