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Quarta-feira, 27/9/2006 Faxina eleitoral Tais Laporta Com tanta imundície em Brasília, ninguém reparou que as ruas ficaram mais limpas nestas eleições. Não se vê mais bueiros entupidos com folhetos partidários. Aqueles banners coloridos e outdoors sorridentes também sumiram. Nem mesmo os postes fantasiados de candidatos deram o ar da graça. Sem falar nos bonés e cata-ventos. Para onde foi esse picadeiro? É culpa da minifaxina que fizeram nas leis eleitorais este ano. Saem de cena aqueles brindes que costumávamos receber no semáforo (a lixa de unha com o nome e número do candidato) e entra uma dúvida crucial: em quem votar? Essa pergunta nunca pesou tanto na consciência do brasileiro, ainda de ressaca da corrupção. Estávamos bem acostumados com aquele carnaval de propaganda eleitoral bem abaixo do nariz, e, de repente, uma tarja preta inundou tudo. Enquanto isso, mensaleiros e sanguessugas continuam desfilando na nossa imaginação. Provocativos, atormentam nossa culpa de tê-los eleito, e nos fazem sentir o amargo arrependimento de votar mal, mesmo antes de entrar nas urnas. Afinal, pagamos 40% do PIB em impostos para encontrar uma parcela na cueca de um cidadão. E quem paga essa conta? Às vésperas das eleições, o vazio das ruas se confunde com o nosso. Culpa de quem? Estas eleições são as mais sem tempero desde 1989. A maior novidade é a alagoana, que discursa contra as elites e condena a lama da corrupção, "onde se lambuzam os hipócritas estelionatários do poder". Expulsa do partido do presidente, ela faz lembrar - com um toque feminino e ressentido - o discurso de um sindicalista do ABC, vinte anos atrás. Ele, por sua vez, esconde a estrela decadente e colore o número da sorte em verde e amarelo - o famoso "jeitinho" brasileiro. A estratégia é tragicômica, mas deu certo: na quinta eleição que disputa, sua popularidade nunca esteve tão alta. Logo abaixo dele, apelidado de "picolé de chuchu", o candidato da oposição parecia estar dormindo até que alguém sussurrou em seu ouvido: "Ei! Não vai ter segundo turno!". Quando ele acordou, já se falava em dossiê, Freud Godoy e ambulâncias, e como se ninguém tivesse notado, faltava apenas uma semana para as eleições. Tarde para dizer que é tarde, ele e todo o resto da platéia decidiu esperar para ver no que dá. Indecisão - E para escolher um candidato a deputado federal e outro, estadual? O horário gratuito da televisão dá algumas pistas: nos poucos segundos que o sujeito tem para falar, ele proclama uma frase decorada, tão artificial que se imagina um redator criativo distribuindo papeizinhos no estúdio, aleatoriamente. Definitivamente, não dá para escolher um parlamentar somente pela cara. Ou pelo número. Já fizemos isso em alguma outra primavera, e deu no que deu. Falando nisso, muitos assistem à propaganda eleitoral por puro entretenimento. Afinal, certas figuras mais parecem candidatos de um concurso humorístico - com todo o respeito ao talento dos palhaços profissionais. Raramente as propostas são o foco das eleições. O que vale mesmo é chamar a atenção. Pois bem, o circo está armado! Com isso, quem perde somos nós. Sem referência num espaço que serve, justamente, para nos orientar. Não quer dizer que, se pelo menos os brindes estivessem permitidos, teríamos alguma referência. Ao contrário. Na confusão do horário político, nosso amparo é escolher o candidato mais visível. Em outras palavras, o que investiu mais em propaganda. Como não se perder, então? Transparência - Ninguém conhece a ONG que leva esse nome nas costas. Se conhecesse, saberia que existe um site cujo conteúdo poderia iluminar muita gente. Ele reúne dados pessoais e o histórico dos candidados à Câmara dos Deputados. Declaração de bens, doadores da campanha e referências de processos judiciais são itens do acervo. Um guia e tanto para os perdidos. Mas como notícia boa não espalha rápido, talvez não dê tempo de avisá-los. Reeleições - Favorito nas pesquisas, o presidente que deseja se reeleger também é campeão de notícias negativas a seu respeito. A uma semana das eleições, a imprensa cansou de ataques explícitos e partiu para a ironia. A capa da revista Época trouxe uma foto do governante ao lado da seguinte frase: "Ninguém contou para ele?". Já a Veja estampou uma ilustração do candidato com os olhos vendados pela faixa presidencial. Nenhuma palavra na capa. Até a oposição cansou de colocar luzes de Natal na corrupção. E nós, na fila do banco para pagar as contas em dia, só queremos escolher alguns dígitos sem sujar a consciência outra vez. É possível nesse silêncio caótico? Vou tentar acertar dessa vez. Pelo menos, tentar. Tais Laporta |
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