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Quinta-feira, 5/10/2006 Aproximações políticas, ontem e hoje Lucas Rodrigues Pires O cenário político do primeiro governo Lula lembrou muito aquele dos anos 1950, quando o presidente era Getúlio Vargas. O mesmo presidente popular com as classes populares, as mesmas denúncias e acusações de corrupção, a mesma tentativa de criar um clima de golpismo e os mesmos adversários a desestabilizar e tentar reverter uma eleição perdida. Vargas e Lula, bons de voto. Para quem viveu ou estudou (o meu caso) a história política brasileira do século XX, a repetição de certas mazelas pode ser sentida no ar. Há um cheiro de reiteração, daqueles que não deveriam voltar mais porque, para quem lembra, tudo aquilo vivido nos anos 50 e 60 acabaram na tragédia do Golpe Militar. No século XXI, onde poderia desembocar esse cenário? Lula, mesmo sob acusações de corrupção, manteve-se no alto das pesquisas e quase venceu já no primeiro turno. Seus adversários políticos nem com o horário eleitoral gratuito conseguiram decolar nas pesquisas. Um partido de oposição que ainda tenta de tudo para atingir a pessoa do presidente, já que este conseguiu descolar seu nome do de seu partido, este já bem enlameado. Definitivamente, Lula e PT não são mais sinônimos desde que interessou à reeleição o "divórcio". O PSDB ataca de viúva da velha UDN, só falta alguém para posar de Carlos Lacerda. As lideranças não se entendem, cada um pensa em si para uma futura corrida presidencial. O escolhido, tal qual o general Juarez Távora, o adversário indicado pela UDN em 1955 para concorrer contra Juscelino Kubitschek, o indicado do PSDB não tem carisma, não tem um nome de peso diante do povo. Tem apenas um mandato de governador do maior estado do Brasil e uma cara que o fez apelidarem-no de "Chuchu". Geraldo Alckmin, apesar de fazer pose de general Juarez Távora - querendo transmitir seriedade e principalmente honestidade - não consegue mais que repetir o candidato do PSD, o marechal Henrique Teixeira Lott, nas eleições de 1960. Insípido, intransigente, desacreditado desde o início e sem o apoio efetivo das lideranças do PSD (inclusive do então presidente Juscelino Kubitschek), sua candidatura só pôde seguir rumo ao naufrágio nas urnas. A bem da verdade, Lott não tinha chances contra a verborragia demagoga-cristã de Jânio Quadros. O povo gosta de demagogos, gosta de ser consolado, gosta de lobos na pele de cordeiro. Jânio deu a ele - o povo - o que ele queria, mas desistiu depois de sete meses. Aliás, Jânio é figura mitológica em nosso cenário político. Surgiu como um furacão em São Paulo, tendo já força política suficiente para concorrer em 1955 à Presidência. Preferiu esperar nova oportunidade, que veio em 1960 a pedidos da UDN de Lacerda. Venceu com um "pé nas costas", a maior votação de um presidente, mas jogou tudo fora poucos meses depois com uma carta de renúncia estapafúrdia. Conversando com o professor Fernando Jorge, colunista da revista Imprensa, sobre o Brasil daquela época em razão de livros que ambos escrevemos (este que assina este artigo acaba de lançar O Brasil de Juscelino Kubitschek, pela Landy Editora, e o professor Fernando Jorge escreveu uma biografia de Getúlio Vargas em dois volumes - Getúlio Vargas e o seu Tempo -, há muito esgotada, e diz que tem em mente uma biografia de Jânio Quadros), ouvi dele a reprodução de uma conversa que o próprio teve com Juscelino Kubitschek poucos meses antes deste morrer. O professor teria questionado sobre a razão da renúncia de Jânio. Juscelino respondeu: "Meu caro, a renúncia de Jânio veio numa caixa dentro do porão de um navio da Europa". O professor disse não ter entendido e pediu nova explicação. Juscelino então selou: "Sim, meu amigo, veio da Escócia, engarrafada e encaixotada dentro de um navio". Como Jânio, apontado acima por JK como um bom bebedor, Lula também já sofreu com as insinuações de que estivesse exagerando na bebida. Inclusive quis deportar um jornalista norte-americano que escrevera isso em seu jornal. A oposição caiu matando em cima dele, acusando de censura e todos os demais alardes que qualquer tentativa de controle pode reviver no imaginário nacional. Bom bebedor ou não, Lula não só não renunciou como se empenhou em garantir a reeleição, a mesma sobre a qual disse ser contra quando da votação da emenda constitucional que a aprovara e mesmo durante seu mandato. Reeleição, aliás, conquistada no papel por Fernando Henrique Cardoso com a compra dos votos de alguns parlamentares. Na prática, a reeleição de FHC no final de 1997 custou apenas a bagatela de um "país quebrado", como aconteceu 13 dias depois da posse de seu segundo mandato, em janeiro de 1998. E se não seguir à risca o que pregam é o mote - se Lula se disse contra a reeleição e está aí para conquistá-la; se FHC mandou esquecer o que escreveu como sociólogo em prol de um governo neoliberal - tem um político das antigas que podemos relembrar aqui também. Sim, Juscelino Kubitschek. Quando presidente, de janeiro de 1956 a janeiro de 1961, no fim de seu mandato políticos governistas ventilaram a hipótese da emenda da reeleição para que ele pudesse se reeleger e continuar suas obras faraônicas. JK colocou-se absolutamente contra, mesmo cultivando dentro de si o sonho de voltar à Presidência. Juscelino não admitiu a mudança na Constituição. Preferia-a "virgem", obedecê-la e tentar voltar no pleito seguinte, que seria em 1965, coisa que nem ele nem o Brasil viriam a vivenciar. Como se pode ver, JK e FHC, ambos com imensa sede de poder e de se manter no poder, mas posições distintas em se tratando de seguir a lei máxima do país... Já que falamos de Fernando Henrique Cardoso, o sociólogo que foi presidente, ele voltou à tona com uma carta destinada a seu partido e simpatizantes, mas atacando Lula e seu governo. FHC posa, agora, de Carlos Lacerda e ataca via imprensa e internet, atualizando a velha Tribuna da Imprensa de Lacerda e udenistas. Nunca o PSDB se fez tanto de UDN. Até seu Lacerda agora o partido conseguiu. Enquanto isso, no desespero, Alckmin acusa Lula de "demônio" e outros adjetivos mais, sem deixar de lado o discurso golpista do desespero que abate o competidor que se sabe derrotado. Até nisso, em plena nova democracia brasileira do século XXI, o PSDB copia a UDN: ressuscitaram mal e porcamente o discurso pró-golpismo. Enquanto isso, o presidente Lula segue firme com o apoio das classes populares. Tal qual Vargas em seu tempo, Lula polarizou sua base de apoio para as camadas populares à medida que seu mandato foi se esgotando. Se quando eleito Lula tinha apoio considerável da mídia, de parte da classe média e da classe empresarial, restou a ele apenas "o povo", essa entidade máxima da democracia à brasileira. Aliás, para relembrar, foi a UDN que espalhou a tese de que "o povo não sabe votar" quando Vargas venceu em 1950. Diante da falta de votos de seus candidatos, a UDN elegeu o povo de bode expiatório. Coincidências com os dias atuais? O mesmo discurso já foi levantado atualmente para justificar os altos índices de Lula e a tímida votação de Alckmin. Como se vê, o Brasil adora reeditar no presente certas figuras do passado. Não aprendeu ainda como enterrar o que não deu certo e nem a respeitar o que é valoroso. Os políticos de ontem ainda vivem nos políticos de hoje. Por isso que continua a mesma coisa há 50, 100, 500 anos... Lucas Rodrigues Pires |
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