|
Terça-feira, 3/10/2006 Por que votei nulo Eduardo Mineo Votei nulo. Digo isso e as pessoas gemem. Que ultraje, o voto nulo. Que indolência. Antes das eleições, senhoras respeitáveis me puxavam pelo cotovelo e me deixavam embaraçado falando sobre cidadania e consciência cívica - da mesma forma como sempre fico embaraçado com um moleque de treze anos na tevê falando sobre o uso da camisinha. Essas pessoas acham humilhante alguém não querer votar em nenhum dos políticos. É praticamente indecente não se sujeitar, como eles, a votar no menos ruinzinho. Numa última tentativa desesperada, faziam jogo sujo, pegavam pesado: "Temos que derrotar o Lula!", diziam. Olha que baixeza, que baixeza. Eu adoraria derrotar o Lula, óbvio. Também adoraria derrotar todos os outros políticos, se pudesse. Derrotar um político deveria ser o único objetivo de todo eleitor. O meu dilema moral, entretanto, é que, para derrotar um político, seria preciso apoiar outro, a oposição, no caso. E se o Alckmin ganhasse por minha causa, meu Deus? Eu tremo de horror diante de tal situação monstruosa - vejam como minhas mãos tremem. É possível admitir que, com a vantagem do Lula, o meu voto anulado o ajudasse a ganhar, mas seria uma meia culpa apenas; doeria bem menos na minha consciência não muito cívica, digamos, do que ajudar o outro a ganhar. Por isso votei nulo. Mas eu não fico muito feliz por anular meu voto desse jeito. O voto nulo ideal, para mim, seria aquele que anulasse o cargo por um mandato inteiro. Se os votos nulos ganhassem dos deputados em cada estado, passaríamos alguns anos livres deles. Em suas cadeiras poderíamos colocar uma bexiga colorida indicando que aquele cargo foi anulado. Seria mais barato, pelo menos. E mais bonito. Estaríamos livres de senadores, vereadores, etc. Não seria maravilhoso? Imaginem o congresso cheio de bexigas e tentem não sorrir. Pensem em quatro anos sem presidente e tentem não sorrir. Esta, aliás, é a única opção, a melhor, que não temos: a de não elegermos políticos. Quem precisa de um presidente, senão os próprios políticos? Quem precisa de políticos, senão os próprios políticos? O que o Lula fez, falou, representou que não fosse solenemente desprezível? O que os outros políticos fizeram, falaram ou representaram que não fosse solenemente desprezível? E seus assessores? Seus secretários? Seus funcionários de alto e baixo escalão? Eu anularia todos, um por um. A questão é que não sou tão niilista assim e quase entendo a necessidade de um Estado, porém que seja mínimo, caramba, que tenha menos gente possível. Isso tudo vem do meu passado politizado, quando decorava frases do Roberto Campos para bater em esquerdistas. Foi quando, num bate-papo, respondendo a uma pergunta tola minha, Diogo Mainardi disse que não importava o modelo, se tucano ou petista, o que importava era tirar os políticos das costas da população. Me senti muito burro por não ter pensado nisso antes e, desde então, tomei uma distância saudável dos políticos. Semana passada, por exemplo, discuti com sete lulistas. Perdi todas. Nunca em toda a minha vida soube tão pouco sobre o Lula, sobre sua política e sobre seu governo. E nunca me senti tão feliz comigo mesmo, tão decidido, tão maduro. Não tenho dúvidas, foi a melhor forma que encontrei para manifestar o meu menosprezo. Esqueci, orgulhoso, todas as denúncias, todos os errinhos de português do Lula e me tornei essencialmente contra ele, preconceituosamente contra ele. E contra todos os outros políticos, evidente. Me tornei um opositor melhor. Agora tem uma turma reclamando das pessoas que reclamam dos políticos. Vi isso na última eleição, a de 2002, e estou vendo de novo. "Ficam aí reclamando, mas deveriam ter escolhido direito!". Escolhido quem, mano? Está partindo do princípio de que é possível encontrar gente razoavelmente honesta no meio político. Quer acreditar nisso, ok, vá em frente, mas eu não acredito. Na verdade, sempre suspeitei que só o fato da pessoa cogitar a idéia de trabalhar com política já implica algum desvio de caráter. Não acredito no altruísmo puro e simples dos políticos. Enxergo em cada ação política um objetivo mesquinho, não importando a nobreza desta ação. E isso torna qualquer escolha, se é que existe alguma, inútil. Ó, em Napoleon of Notting Hill, G.K.Chesterton imaginou uma sociedade governada por um rei soberano que era escolhido através de um sorteio entre todos os cidadãos; sendo assim, cada cidadão tinha uma chance de ser conclamado rei pelo resto de sua vida. Considerando que, na totalidade, os políticos brasileiros não são lá muito confiáveis, a probabilidade (não durmam agora, falta pouco) de se achar uma pessoa menos mau-caráter fora da política é satisfatória. Embora eu não esteja disposto a arriscar muito nessa idéia, acredito que seja uma solução bem menos ridícula do que implorar para as pessoas escolherem melhor seus políticos, por favor. E votar nulo, a solução menos ruinzinha. E para efeito didático, aqui está a lista com os candidatos em quem votei: * Presidente: Monteiro Lobato (Partido da Literatura) 92 * Governador: Castro Alves (Partido da Literatura) 92 * Senador: Euclides da Cunha (Partido da Literatura) 921 * Deputado Federal: Carmem Miranda (Partido da Música) 9112 * Deputado Estadual: Mussum (Partido da Televisão) 93111 Nota do Editor Edward Bloom é autor do blog Introibo ad altare Dei. Eduardo Mineo |
|
|