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Quarta-feira, 18/10/2006
Sonoridade imortal de Mozart
Tais Laporta

Há pouco mais de 250 anos, nascia na Áustria um gênio absoluto da música clássica. Para comemorar um aniversário tão célebre, teatros do mundo todo apresentam, este ano, fragmentos da vasta obra de Mozart. No último dia 03 de outubro, foi a vez da Orquestra de Câmara de Zurique aportar em São Paulo para um espetáculo singular com três concertos do mestre para piano. Com o renomado pianista Rudolf Buchbinder – conterrâneo do criador de A Flauta Mágica –, o conjunto participa da série de apresentações promovida pelo Mozarteum Brasileiro, que Marília Almeida definiu na matéria Mozarteum 2006 para iniciantes.

Por ele, os palcos receberam 11.388 artistas estrangeiros e 2.638 nacionais. Cerca de um milhão e seiscentos mil espectadores já assistiram aos espetáculos, gratuitos e pagos. Os altos números não anulam, porém, a qualidade das apresentações. Na noite fria que exaltou Mozart na Sala São Paulo, o repertório selecionado corresponde a uma das mais perfeitas realizações da música sinfônica do século XVIII. A história musical ficou grafada, para sempre, depois que o compositor levou a público seus concertos para piano.

Vale explicar em que consiste este gênero: é composto por três movimentos (rápido-lento-rápido) executados por um instrumento solista – no caso, o piano – e uma orquestra, que acompanha o conjunto sonoro, em oposição e alternância. O solo é o mais criativo, enquanto que a orquestração faz o contraponto com trompetes e tímpanos. Mas a explicação pouco importa quando se está diante de uma obra com tal magnitude: basta ouvir, que o culto e o leigo entendem a mesma linguagem universal.

Isso se confirmou logo que Buchbinder sentou ao piano para iniciar o Concerto para Piano nš 9 em Mi Bemol Maior. A criação representa um divisor de águas na carreira do compositor, por ser o primeiro grande concerto em estilo clássico maduro. Parecido com um personagem de ópera, o piano ocupa todo o primeiro movimento com um acento dramático. Ao seu lado, a Orquestra de Zurique trouxe 23 músicos com instrumentos de corda e sopro. No primeiro grupo, violinos, violas, violoncelos e contrabaixos. No segundo, flauta, oboés, clarinetes, fagotes, trompas, tímpanos e trompetes.

Durante o Concerto para Piano nš 23 em Lá Maior, saíram os instrumentos mais agressivos – metais e tímpano – para dar o efeito que Mozart queria. Na obra, não se nota aquelas explosões orquestrais, nem contrastes violentos. Apresentado ao público em 1786, período do grande auge criativo do compositor (que atingiu a marca de 12 concertos em apenas dois anos), a obra prevalece com um caráter contemplativo e idealista.

Já no último momento da noite, o Concerto para Piano nš 21 em Dó Maior trouxe três movimentos com um clima mais emotivo, tomado por intensa melancolia, uma das facetas da forte personalidade de Mozart. A obra provoca inquietude, e aí mora sua beleza. Notas longas ao piano ilustram o fundo musical, enquanto que as cordas da orquestra geram sentimentos ambíguos. Alguns estudiosos interpretam a sensação provocada pelo concerto como uma contraposição proposital entre a serenidade da corte clássica e os prenúncios do romantismo.

Talento ao piano – Traduzir tão bem o espírito criativo de Mozart é privilégio para poucos. Nesse sentido, o pianista austríaco demonstrou, na Sala São Paulo, que a técnica pouco importa se não houver amor à arte. Como lembra a presidente do Mozarteum, a condessa italiana Sabine Lovatelli, Buchbinder é um artista plural. "Figura superlativa e de muitas facetas, ele caminha pela literatura e pelas artes plásticas com a mesma emoção que libera em seu raro toque ao piano". Não à toa, o músico foi considerado pelo jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung como "um dos mais importantes e competentes especialistas em Beethoven" pela gravação completa das sonatas do compositor, o mais popular da música erudita.

De fato, sua biografia revela feitos notáveis. Entre eles, o de ter gravado mais de cem discos em toda sua carreira, prova de que possui um repertório impressionante. Da vasta produção, uma mereceu destaque especial: venceu o Grand Prix du Disque pela gravação de toda obra para piano de Joseph Haydn. Mas difícil mesmo é acreditar que um profissional com tanto tempo dedicado à música ainda consiga arrumar espaço para um passatempo artístico: o de pintor amador.

Caminhos inovadores – A Orquestra de Câmara de Zurique também chama a atenção por sua notoriedade. Fundada em 1946 por Edmund de Stoutz, em pouco tempo já fazia parte da elite internacional das orquestras de câmara. Ao passar para as mãos do diretor artístico Howard Griffiths, em 1996, o conjunto assumiu uma faceta inovadora, que atraiu um público ímpar pela atualidade e diversidade. Falamos da juventude, a faixa mais dispersa em relação à música erudita em todo o mundo. A orquestra ampliou esse leque ao aceitar a colaboração de musicistas nas mais diversas áreas (jazz, composições de canções, música cigana, popular e de cinema).

Um parêntese sobre Mozart – Quem quer mergulhar no universo do gênio compositor, pode começar por um caminho acessível. No YouTube há uma série de vídeos com interpretações profissionais e amadoras de Mozart. Ou seja, desde a orquestra internacional até o tecladista iniciante, na casa dele. Também há diversas montagens e paródias – algumas ótimas, outras bem ruins. Por isso, não estranhe se encontrar sonoridades desagradáveis. Para iniciar com uma obra tocante, uma opção segura é ouvir o Concerto nš 23.

Mas a graça mesmo é se aventurar sozinho, já que não falta diversidade. Se preferir, há bons livros e sites com a biografia do mestre. Se quiser focar na música sem doer no bolso, o site Accuradio permite ouvir algumas pérolas dele. Basta clicar em "classical", localizar a gravura de Mozart e conferir o resultado.

Tais Laporta
São Paulo, 18/10/2006

 

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