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Sexta-feira, 20/10/2006 Democracia envelhecida Vitor Nuzzi A primeira eleição presidencial direta pós-64 foi a de 1989. Poderia ter sido antes, caso a emenda Dante de Oliveira tivesse passado no Congresso, em 1984. Faltaram 22 votos. Enquanto multidões se esgoelavam pelas ruas do país - eu no meio delas, em dois comícios -, no grande movimento que ganhou o nome de Diretas Já, um acordo era tramado nos idos do governo militar, para que tivéssemos ainda mais uma escolha pelo colégio eleitoral, indireto, dessa vez entre dois civis, Tancredo Neves e Paulo Maluf. Tancredo ganhou, morreu antes de tomar posse, assumiu José Sarney - na época representante do antigo regime -, ganhamos o pomposo nome de Nova República, e fomos adiante. Em 1989, sim, teríamos pela primeira vez em décadas uma eleição direta para presidente. Para quem vinha do bipartidarismo, candidatos não faltavam: Aureliano Chaves, Fernando Collor de Mello, Guilherme Afif Domingos, Leonel Brizola, Luiz Inácio Lula da Silva, Mário Covas, Paulo Maluf, Ronaldo Caiado, Ulysses Guimarães. Quase tivemos Silvio Santos também na parada, mas a Justiça Eleitoral impugnou a candidatura. Vieram os debates na TV. Ao contrário do programa insosso de hoje (pelo menos no primeiro turno), em 1989 algum desavisado poderia pensar que assistia a uma mesa-redonda de futebol, tamanho era o bate-boca entre alguns dos participantes. Na minha memória ficaram célebres os embates entre Brizola e Maluf, o primeiro chamando o segundo de "filhote da ditadura", e o segundo, nervoso como raramente se via, chamando o oponente de "desequilibrado". Outra polêmica célebre, embora não tenha surgido em debate, foi entre Ulysses e Collor, que chamou o adversário de "velho". A resposta foi clássica: "Posso ser velho, mas não sou velhaco". Eram candidatos para todos os gostos e de todas as colorações ideológicas. Collor e Lula foram para o segundo turno, depois de uma disputa voto a voto pelo segundo lugar entre Lula e Brizola - que deu ao adversário, e depois aliado, a alcunha, até hoje lembrada, de "sapo barbudo". Brizola, Covas e Ulysses decidiram subir no palanque do petista para o embate com os colloridos. Todos sabemos como a história acabou: o país ficou dividido, Collor ganhou, assumiu em 1990 prometendo matar o tigre da inflação com um só tiro e foi derrubado, via impeachment, no final de 1992. Perdeu os direitos políticos durante anos e voltou agora, como senador eleito. É a regra do jogo. Mas, pode-se perguntar, por que toda essa digressão, este passeio pelo passado até recente? E a questão é exatamente essa. Quando falo em 1989, tenho a sensação de estar falando de acontecimentos não de 17 anos atrás, mas de outra era, de um tempo remoto. Porque, de lá para cá, parece que trilhamos dezenas de anos - nossa democracia, ainda de espinhas no rosto, parece ter envelhecido precocemente. Havia em 1989 um entusiasmo que não se vê mais, as pessoas demonstram cansaço diante de uma campanha política. Sabíamos quem era quem naquela eleição, enquanto hoje há uma perigosa sensação de que tudo e todos são iguais. São exatos 125.913.479 eleitores, 51% mulheres, 24% de 25 a 34 anos, 35% com primeiro grau incompleto. Para eles, temos atualmente registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nada menos que 29 partidos. É muita coisa, ainda mais se pensarmos que a maioria deles oferece opções mais comerciais que políticas. Quem sabe as novas regras possam eliminar boa parte desses organismos. Quem sabe isso melhore o perfil de boa parte de nossos políticos. E quem sabe isso também ajude a melhorar a memória do eleitor, já que pesquisas apontam que sete em cada dez esquecem o nome de seus candidatos. Assim, se há maus políticos - e como há! -, existem também maus eleitores. Motivos não faltam para se queixar deles, os políticos. Mas que tal prestar atenção no que é efetivamente proposta e naquilo que é fofoca? Em 1989, a internet não era sequer uma possibilidade, e se hoje ela nos deu a possibilidade de conhecer no mesmo dia os resultados de uma eleição, também trouxe o perigo da multiplicação da maledicência. Circulam na internet mensagens sobre supostos fatos deste ou daquele candidato, informações muitas vezes falsas, que vão se espalhando pela inércia e são tidas como verdadeiras, porque grande parte das pessoas não se preocupa em verificar a sua procedência. Ou preferem acreditar naquilo que lhes é mais conveniente. "Não existe opinião pública, existe opinião publicada" (frase atribuída a Winston Churchill). Quem nasceu em 1989 tem hoje 17 anos. Votaram ou votarão, se quiserem (para eles, o voto é opcional) pela primeira vez. Segundo o TSE, os jovens de 17 anos somam 1,99 milhão e representam 1,58% do eleitorado. Os de 16 anos, para quem o voto também é facultativo, são 1,09 milhão (0,87% do total). Essa geração estava nascendo quando o país voltou às urnas para escolher o seu presidente. Eles sequer testemunharam as esperanças das pessoas que foram às ruas em 1984, acreditando que poderiam mudar o rumo dos acontecimentos. Não mudaram, mas entraram para a história do mesmo jeito. A política certamente não é um jogo de damas - nem de cavalheiros -, mas ignorar o que acontece nos palácios, no Congresso, nas Assembléias Legislativas e nas Câmaras Municipais é o primeiro passo para estimular a mediocridade e perpetuar o nosso atraso. Vitor Nuzzi |
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