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Segunda-feira, 18/12/2006 James Bond na nova ordem mundial Marcelo Miranda Na verdade, Bond não podia mais ser um espião lutando contra dominadores de mundo. Já escrevi aqui mesmo no Digestivo sobre a reação do cinemão norte-americano à política de combate ao terrorismo. Filmes como A lenda do Zorro e Batman Begins, entre tantos outros, elegeram o terror como o inimigo a ser enfrentado. Não dá mais para Hollywood deixar de lado os perigos da nova ordem mundial. A questão, agora, é "brincar" com essa nova ordem inserindo antagonistas que se aproximem do que se vê diariamente nos noticiários. Não é por outro motivo que Zorro enfrenta, em plena Guerra da Secessão, um francês aspirante a terrorista. É o cinemão dando seu recado a quem quiser entender. Jason Bourne, Ethan Hunt, Jack Bauer, Sidney Bristow, todos são agentes secretos que não medem forças para proteger seus governantes e a população de seus países. Do outro lado, o do "mau", nada de planos mirabolantes de dominação planetária. O interesse é sempre a vingança contra as superpotências, ou alguma tentativa de se enriquecer às custas justamente dos ricos. O que filmes como A supremacia Bourne e Missão Impossível e séries como 24 Horas e Alias pregam é a defesa irrestrita do próprio território e o embate entre "invasores" e "invadidos". Em praticamente todos estes casos, nem sempre os "invadidos" são heróis e os "invasores", vilões. Às vezes, muito pelo contrário - vide o comportamento contestável e controverso de Jack Bauer em muitas das situações vividas pelo personagem. Na geopolítica do novo século, não há mais espaço para maniqueísmo. A autocrítica e o alerta para os perigos da defesa irrestrita da autonomia da nação são comuns nessas mídias todas. James Bond não poderia ficar de fora, sob o risco de envelhecer. Já era o que acontecia desde 007 - O mundo não é o bastante (1999), quando a franquia apontou sinais de esgotamento. A impressão explodiu com 007 - Um novo dia para morrer, que em pleno ano de 2002 aparentava não ter olhos para a realidade ao seu redor - afinal, os atentados ao World Trade Center ocorreram no ano anterior. Enquanto isso, Bond corria em carros invisíveis e invadia grandes mansões de gelo atrás de um vilão asiático disfarçado de milionário por conta de uma radical cirurgia plástica. Os espectadores, em especial dos EUA e Inglaterra, não pareceram aceitar tanta ficção com facilidade. Por mais que o mundo precisasse de fantasia num momento como aquele, era impossível deixar de lado o que ocorria fora do universo do agente britânico. Os produtores, nada bobos, entenderam o recado. Não podiam mais fazer filmes cheios de traquitanas, deboches e cenas meramente ilustrativas. Era preciso renovar, dar outra cara e adequar o personagem aos novos tempos. Era preciso recomeçar. E foi o que fizeram, literalmente: buscaram no primeiro romance de Fleming em que Bond aparecia a chave rumo ao renascimento. Tiraram Pierce Brosnan da equação, convocaram um semidesconhecido para o papel principal (Daniel Craig, de Munique e Nem tudo é o que parece) e assumiram postura diferenciada. Iriam apresentar Bond quase como um aprendiz. Cassino Royale retrata a "origem" do espião, ou como ele conseguiu a famosa licença para matar. No lugar dos maquiavélicos lunáticos, agora a batalha é contra um financiador do terror planeta afora que consegue dinheiro jogando pôquer nos cassinos mais grandiosos do mundo. Equipamentos surreais, muitas mulheres e conquistas, planos bem elaborados? Nada disso. James Bond está começando a carreira de agente "00", e como todo iniciante ainda tem muito a aprender - e a errar, para acertar depois.
A nova produção tem como principal objetivo, desde este prólogo, a modificação quase total dos caminhos que os filmes anteriores seguiam. James Bond, agora sim, é um autêntico espião do século XXI, inserido no mundo pós-11 de Setembro. O diretor Martin Campbell - que já tinha dado outra cara à série há alguns anos, em 007 contra GoldenEye, e igualmente questionado, na época, a real "função" de um agente do governo cujo objetivo é completar sua missão à base de mortes e mais mortes - arma todo o seu filme em torno desse renascimento, da idéia de que o espectador assiste a um primeiro sopro de um personagem que ainda está se formando em todos os aspectos. Há um sentido de urgência quase adolescente nas ações do novo Bond. Ele desobedece à superiora, viaja sem autorização, rouba informações, cria incidentes diplomáticos. A inconseqüência torna-se característica do espião, mas não como era nos filmes anteriores, em que ele fazia tudo de forma meio amalucada tendo um caminho certeiro. Agora, o ímpeto de quebrar regras é menos por convicção e mais por pura imaturidade ("acho que te promovemos cedo demais", comenta M, a superiora). Bond, por mais calculado que seja, não parece medir seus atos, e nem suas conseqüências. Adequando-se a este olhar específico, Campbell movimenta a câmera na busca pelos ângulos que mais transmitam a noção de desespero e afobação de Bond. Junto ao montador Stuart Baird, há excelente escolha de planos e contraplanos - de toda a decupagem, aliás - que, por mais que haja movimentos contínuos, jamais deixa o foco desaparecer. Não há, aqui, aquela mania irritante de cortes e mais cortes típica de alguns modernos filmes de ação e terror, cujas seqüências mais parecem um grande emaranhado de imagens montadas numa "estética de trailer". A combinação da forma e conteúdo, aliada à preocupação em colocar o espião numa realidade muito próxima da nossa (por mais que as situações vividas por ele sejam exageradamente fictícias) dá um surpreendente frescor à recente aventura de James Bond. O ator britânico Daniel Craig, tão defenestrado quando escolhido para substituir Brosnan, mistura o melhor de cada um dos principais atores a terem interpretado o espião: há o jeito irônico e seco de Sean Connery; o deboche de Roger Moore; a violência brutal e o estilo de crueza de Timothy Dalton; e o lado meio bonachão e mais romantizado de Pierce Brosnan. Ainda assim, neste caldeirão, Craig cria um Bond único e muito particular, que já marca a franquia desde as cenas iniciais. Ao final de Cassino Royale, é Craig quem fica na mente, e não aqueles a quem ele referencia. Temos, enfim, um James Bond finalmente adequado ao mundo global. Pelo menos por enquanto. Marcelo Miranda |
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