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Quinta-feira, 18/1/2007
Sobre a mulher que se faz de vítima
Fabrício Carpinejar

Arte de Robert Motherwell

Não tenho nada contra mulheres arrogantes, pretensiosas, arrivistas, carreiristas, fatais. Não me importo. O sadismo não me incomoda, expressa vontade e determinação, ainda que insuportavelmente exageradas.

O que me provoca alergia é a mulher-vítima (assim como existe o homem-vítima), a que se considera injustiçada por antecipação. Vítima do mundo, de si, que conspira contra qualquer boa notícia, que desconfia do otimismo e se empenha para a tragédia. Ela não lutará pelo seu talento, vai logo se desculpar ou esperar que tudo fique igual.

Será extremista: ou é como ela quer ou não vale. Não aceita gradações, modulações, intervalos. Não respeita meio-termos, demora, paciência. Carrega sua verdade para todas as mentiras.

No primeiro confronto com os pais, replica: "não pedi para nascer". Na primeira resistência: "nada funciona comigo". Na discussão de casal: "eu não o mereço". Na primeira celebração: "não sei por que você me escolheu". No primeiro filho: "ele não se parece comigo".

A mulher-vítima se defendeu do que podia na infância. Agora nem a infância a acalma. É vingativa. Só que não com os outros. Renuncia e abdica de sua própria história para provar que tinha razão.

Ela se enxerga como a última das criaturas. Aliás, a penúltima das criaturas, pois se lembrará das baratas ao pensar nisso. Não seria capaz de casar consigo mesma. Não que não seja bonita, inteligente, sensível. É, na maioria das vezes. Mas não suporta a idéia de fracassar e fracassa na véspera por não controlar a ansiedade. Não que tenha medo de fracassar, esse é o problema: tem certeza de fracassar.

A mulher-vítima tropeça já avisando como vai cair. Faz a derrota premeditada. Não economiza água para contar os dramas, e toma os dramas dos outros como seus. Se ela usasse todo o discurso quando se lamenta para dar certo, não haveria concorrência.

A mulher-vítima não desabafa, chora antes. Em algum momento, não foi vítima. Em algum momento, se sentiu traída e não trocou de papel.

A mulher-vítima se isola, acha que ninguém entenderá seu sofrimento. Não permite que sua angústia converse com estranhos. Ou que sua alegria tenha amigos. A mulher-vítima é uma mãe que não deixa o corpo sair dessa encarnação.

É como o fogo, começa uma história e não consegue terminar. Será vítima do casamento, será vítima da falta de oportunidade, será vítima dos filhos, será vítima das contas. Ela não reage, ela concorda quando está apanhando das dificuldades - até ajuda a bater.

A mulher-vítima não muda, aguarda que o mundo mude por ela. É triste o jeito que ela se trata, ou o jeito que ela não se trata.

Fui criado por uma mulher excepcional, que não precisava de provas para ser percebida. Apesar de todas as qualidades, era uma mulher-vítima. A mulher-vítima não apaga suas virtudes, ela se esconde delas.

Não cansava de explicar aos filhos que foi abandonada pelo marido. Nunca a ouvi dizer algo de bom dele. Tudo que era bom dele vinha dela e do tempo que viveram juntos. Nunca se casou de novo para contrariar o passado ou absolvê-lo.

A mulher-vítima é romântica. Pelo motivo errado. Não trai suas dores e mágoas pelo orgulho de ter sofrido sozinha.

Nota do Editor
Fabrício Carpinejar é poeta, autor de sete livros: entre eles, Como no céu/Livro de visitas (2005), Cinco Marias (2004) e Caixa de Sapatos (2003). Este texto foi originalmente publicado em seu blog e é reproduzido aqui com sua autorização.

Fabrício Carpinejar
São Leopoldo, 18/1/2007

 

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