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Sexta-feira, 23/2/2007 Leituras, leitores e livros — Parte II Ana Elisa Ribeiro
Não pode ser por falta de sugestão que alguém não lerá nada em 2007. Se o cálculo dos livros lidos (agora falando só deles) em 2006 deu algo próximo de zero, ainda há tempo de recuperar a disposição para ler. Quem sabe até escrever algo, nem que seja um comentário aqui no Digestivo sobre o texto de alguém. Pensando nas leituras da virada do ano, resolvi flagrar algumas pessoas em suas leituras do momento. Vou resumir aqui o que elas disseram, quem são, o que fazem e por que estão lendo isto ou aquilo. Começo pelo editor deste site, o Julio Daio Borges, que anda lendo um livro chamado Rumo à estação Finlândia, de Edmund Wilson. Diz Julio que "foi o primeiro titulo lançado pela Companhia, há 20 anos, relançado agora em pocket, como uma forma de comemoração". Todo mundo aí sabe o que é um pocket book? O "livro de bolso" é um libelo em tamanho pequeno, invenção européia da Idade Média que deu o que falar na época. Era mais ou menos o correspondente impresso dos nossos palm tops, que se podiam levar para qualquer lugar debaixo do braço. O editor do Digestivo ainda emenda que Rumo à estação Finlândia é uma "excelente introdução às revoluções que moldaram o século XX, desde a Francesa até a Russa". Julio leu mais ou menos 50 livros em 2006, mas enfatiza que o importante não é quantidade, já que "às vezes, um único livro pode ser mais importante, sozinho, do que todos os outros, somados". Pensamento compartilhado pelo cientista da computação mineiro Ricardo Rabelo, que adora ler, mas vive às voltas com encrencas do doutoramento em computação que não o deixa ler só o que gostaria. Ao todo, em 2006, foram 7 ou 8 livros, o que acha pouco. Rabelo lê, no momento, 1421 — o ano em que a China descobriu o mundo e a biografia do padre Landell de Moura, inventor do rádio, "que foi esquecido pela história". Lê, ainda, Praticamente inofensiva, de Douglas Adams (um dos ex-roteiristas do Monty Pyton). Para continuar nos profissionais da computação, João Roberto Lima, auditor da Receita Federal (daquela equipe que programou o ReceitaNet, sabem?) e praticante de um esporte esquisito chamado Orientação, declara estar lendo As pequenas memórias, do já clássico autor português José Saramago. Diz ele que esta obra traz um Saramago "diferente, mas igualmente bom, menos prolixo, mais 'organizado' no uso dos pontos e vírgulas e, assim, mais fácil de ler". Essas são informações importantes para aqueles que ainda não se aventuraram pela obra do único ganhador do Nobel que escreve em língua portuguesa. João Roberto está satisfeito com os 6 livros que leu durante o ano. Mas sabem por quê? Porque entre eles estavam Os miseráveis e Guerra e paz, respectivamente de Victor Hugo e Leon Tolstói. Dois calhamaços do cânone universal que valem a pena em qualquer época. João também pensa como Julio Daio e Rabelo. Para ele, os clássicos polpudos, como esses aí, contam-se "como mais de um, tanto em qualidade quanto em quantidade". E vai mais longe: "A ausência desses dois títulos na minha lista de lidos representava no meu entender uma falha no meu caráter literário. Ainda não a debelei, mas a considero agora bastante mitigada..." Depois de tanta palavra difícil, melhor mesmo é ler dicionários. Também da área de novas tecnologias, Ana Paula Atayde, professora e consultora em Usabilidade, vai mais devagar e tem um objetivo mais palpável. Ela está lendo Novo manual de meditação, de Geshe Kelsang Gyatso, para aprender técnicas de relaxamento que a deixem menos estressada com a correria do dia-a-dia. Ana Paula leu dois livros em 2006 e acha pouco, "gostaria de ter lido mais". Pelo objetivo da leitura do Manual..., já se entende o que a impediu. A professora é um exemplo bastante típico de leitura influenciada por amigos. Diz ela que o livro foi indicado por um grande amigo que se tornou budista recentemente. O professor de Jornalismo Digital Jorge Rocha, por acaso meu marido, anda por todos os cantos da casa que dividimos com um exemplar de Serge Gainsbourg: um punhado de Gitanes, "biografia escrita por Sylvie Simmons, com tradução de Juliana Lemos. Uma puta contribuição à real dimensão — pessoal e profissional — de Gainsbourg, um criativo mestre do inesperado". Jorge leu aproximadamente 70 livros em 2006, "desde contos e romances até livros sobre jornalismo e Internet, minha área de atuação profissional", e não tem a menor idéia do que significa ler essa quantidade. Vai lendo, lendo, até porque se trata de uma atividade inerente à sua profissão. Entre os jornalistas, além de Julio Borges e Jorge Rocha, José Aloise Bahia, agitador cultural em Belo Horizonte e na Internet, anda lendo O Coração do Pincel, de Kazuaki Tanahashi. "O que tem de bom no livro? O melhor comentário são as palavras do The Bloomsbury Review: 'Um livro de humor zen sobre caligrafia? Tanahashi é capaz de proporcionar visões profundas sobre a filosofia da arte com simplicidade e em poucas palavras'". Aloise calcula que foram 40 livros em 2006, livros que leu do começo ao fim. "Outros, a gente lê partes, principalmente contos e poesias. Ou começa e a leitura não vai adiante. Cultivo o hábito, de acordo com o tempo disponível, de ler de cabo a rabo três livros por mês. Eu gosto dessa marca. Do contrário, a internet vai pro saco... Os jornais e as revistas vão pro saco... O cinema vai pro saco... Os shows vão pro saco... Os encontros vão pro saco... E até o namoro... Tenho o hábito de mesclar os olhares e seus vários sentidos... No final das contas, acho que tudo é leitura". Está aí uma declaração bacana do que sejam as tais "práticas da leitura", que podem variar de acordo com o objeto que se lê e os objetivos da leitura. Fotocrônica 1: O bom leitor
Ana Elisa Ribeiro |
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