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Quarta-feira, 31/1/2007
A culpa é dos escritores, também
Marcelo Barbão

A cena é comum e recorrente. Os cenários podem sofrer ligeiras variações. No geral são botecos baratos. Podem ser lanchonetes, ou até algum restaurante melhorzinho, depende do que o sujeito em questão faça para "ganhar a vida". Pode ser jornalista, trabalhar no serviço público, dar aula, fazer bicos ou estar desempregado. Em comum, a frustração de querer ser escritor/poeta.

E o diálogo, quando encontra um antagonista na mesma situação, repete-se ao infinito. Começa com um "como anda aquela história que você estava escrevendo?", também pode ser um "o que você anda escrevendo?" se a separação entre os dois foi mais longa, e termina com um "este país de analfabetos é uma merda" com bafo e voz arrastada de cerveja.

É a velha discussão sobre a situação da literatura no Brasil. Sobre a falta de editoras com coragem para investir em novos autores, sobre a falta de distribuição, sobre a falta de divulgação, sobre a falta de espaço na mídia, sobre a falta de livrarias, sobre o analfabetismo e infindáveis etceteras.

O pior é que isso não é uma paranóia coletiva dos candidatos a escritor. Pelo contrário, tudo isso existe. As editoras vêem o livro como um investimento (e é) a longo prazo (ou seja, o retorno pode demorar) e, na dúvida, lançam somente autores já conhecidos. As livrarias são invadidas por uma enxurrada de lançamentos, na maioria caros (livro barato dá pouco lucro, não sabia?) e com pouca divulgação. Os cadernos culturais preferem dar mais destaque a música e cinema do que a literatura, afinal alguém já viu anúncio de página inteira de lançamento de livro? E de shows e estréias de cinema? É só fazer a matemática. Ou seja, sim, os ex-futuros-escritores têm muito a choramingar (e eu nem falei na porcentagem de analfabetos funcionais e dos analfabetos literários - categoria que criei depois que descobri várias pessoas com diploma universitário que afirmavam, algumas com vergonha, outras com orgulho, que nunca tinham lido um livro), não duvidamos, mas eles também têm culpa.

Como? Somos vítimas do sistema! Vítimas disso tudo. O que podemos fazer? Nada! (Grita o coro.) Errado. Existem muitas coisas a serem feitas. Aliás, os escritores nem precisam inventar fórmulas ou bolar estratagemas mirabolantes para sair dessa situação, é só copiar o que pessoas mais espertas já fizeram (e pensar que acreditamos no Leminski quando, citando Pound, falou que o "poeta é a antena da raça humana" - antena desregulada, isso sim).

Entre todas as artes milenares ou recentes, a literatura é uma das únicas que ainda vive "dependente". Parece que entre nós (sim, eu me incluo aqui), escritores, a rebeldia punk dos anos 70 não aconteceu. Olhamos para o outro lado e continuamos a mandar nossos originais xerocados para as grandes editoras, esperando que alguém nos leia e descubra "nossa genialidade".

A chamada "revolução" punk (continue, leitor, mesmo que você não goste de punk) se não criou grandes músicos e canções memoráveis (isso depende do gosto de cada um), deixou uma lição que muita gente entendeu e colocou em prática (menos nós, antenas!): o Do It Yourself.

Faça você mesmo, estúpido! Essa foi a lição. Assim, surgiram milhares de bandas independentes em todo o mundo. Gravando seu próprio disco, organizando suas próprias turnês e controlando seu trabalho. Também os cineastas independentes, com longas ou curtas, fazendo os filmes que queriam fazer. Artistas plásticos, grupos de teatro, artistas multimídias. Existe uma infinidade de pessoas que resolveram botar a mão na massa e conseguem desenvolver trabalhos criativos, "cavando" espaço onde ele não existia.

E a internet veio para ajudar, e muito, essas pessoas. Imagino como deveria ser, nos idos anos 80, divulgar sua música e como é fácil, hoje, para qualquer grupo de música, colocar um MP3 na sua página no MySpace e ter um fã-clube em uma semana.

Mas não dá para fazer o mesmo com escritor, caramba! Sim, dá! Talvez seja até mais fácil, para dizer a verdade. Afinal, os custos são menores. Você não precisa comprar nenhum instrumento, não precisa comprar material para pintura, você não precisa nem ter computador, se não quiser.

Estou exagerando mas a idéia é simples: os escritores novos precisam romper essa barreira (ou essas barreiras) que eu citei acima e o único jeito é partir para o DIY (Do It Yourself). Ah, mas sozinho, eu posso até publicar meu livro mas como vou distribuir, como vou divulgar, como vou colocar nas livrarias?

Sim, sozinho fica muito difícil. E não estou defendendo que todos nós, escritores iniciantes, fiquemos o fim de semana inteiro na porta do Espaço Unibanco (ou a versão do cinema "cabeça" na sua cidade) ou no MASP oferecendo nossos livros independentes. Estou defendendo que os escritores precisam se unir. Precisam se organizar. Que seja uma cooperativa, que seja uma editora, que seja um agrupamento.

É possível imprimir livros por um preço razoável (economiza na cerveja, que dá), é possível trabalhar com livrarias independentes ou até com distribuidoras (não é tão difícil abrir firma e distribuir notas fiscais). É até possível divulgar bem o livro! É até possível ganhar algum dinheiro assim!

Veja o exemplo das bandas de rock independentes. A primeira coisa que elas fazem é escrever umas músicas, claro. Como escritor, a primeira coisa que temos que fazer é escrever.

Depois, saem fazendo shows em lugares pequenos, vão ficando conhecidas. Os escritores pulam essa parte, já querem ir direto para uma editora e serem descobertos. Errado! Existem vários saraus acontecendo em muitos lugares. É um bom lugar para "testar" seus trabalhos e ficar conhecido. Da mesma forma, os concursos são importantíssimos. Não existem muitos saraus? Verdade, por que não se organiza mais? Por que nós não organizamos mais? Quantas livrarias existem por aí que poderiam se transformar em locais para saraus mas que em ninguém toma a iniciativa?

Depois as bandas juntam dinheiro e gravam a música. Aqui é mais fácil para o escritor, afinal ele já escreveu o texto, certo? Só é preciso editar, algo que ninguém faz. Uma revisada também ajuda.

Prensagem = impressão. Não adianta imprimir 3 mil exemplares do seu livro. A não ser que você tenha muito espaço na sua casa. Seja razoável, faça 500 livros. Faça 200 livros. Se esgotar rápido, (vai que você é realmente um gênio a ser descoberto) é muito fácil reimprimir.

Distribua e divulgue. Ou venda pela internet e divulgue. Tanto faz. Mas não trate o livro pronto como o gozo: você fuma o cigarro, dá um beijo de boa noite e vira para o lado. Se não há espaço para divulgação na grande mídia (e ele é muito pequeno), use a internet. Escritor, onde está sua página no MySpace (o Orkut já está muito batido), com trechos de seus textos em PDF para quem quiser baixar, onde está seu blog, onde está a divulgação das suas atividades? Tenho certeza que sites como o próprio Digestivo, o Desconcertos, o Cronópios e tantos outros, estão abertos à divulgação de seu trabalho. Saia com essa coisinha na mão, falando dela para todos os lados. Vou dar uma idéia que vai parecer maluca, mas não é: vamos fazer turnês!

Sim, turnês, como as bandas de rock. É assim que elas ganham dinheiro, na verdade. E juntam fãs para comprar seu próximo CD e ir para o próximo show. Como assim, turnê? Não sei se alguém aqui já participou de leituras, de leituras feitas pelos próprios escritores. Eu já e foi muito bom. Como a série de leituras que ocorreram no Itaú Cultural no ano passado. Por que isso não acontece mais vezes? Ah, porque ninguém organiza. Opa, e quem você quer que organize, rapaz/moça? Da mesma forma que ficamos esperando a editora nos descobrir, ficamos esperando "alguém" organizar?

E os escritores novos? Como participam? Ninguém me convida, ainda não fui "descoberto". Vamos olhar para nossos amigos-artistas, os roqueiros. Como os mais conhecidos ajudam os mais novos? Shows de abertura. Não é uma idéia interessante? Aliás, nada nova. Uma série de leituras organizada na Casa das Rosas, há pouco tempo, era assim. Um escritor mais conhecido escolhia um iniciante e os dois faziam leituras. Foi excelente.

Juntem 2, 3, 5, 10 escritores em uma turnê por cidades do interior e você vai ver o sucesso de vendas. Ah, claro, leve seu livro, né? Quantas vezes já fui em leituras e o livro do autor não estava lá, para ser vendido ao final do evento? Quantas? Aliás, quantas vezes fui a lançamentos em que o escritor estava ali no canto, se escondendo, louco para ir embora? Que quase não abria a boca, não fazia leituras da sua obra? Além de burrice, é manter um estereótipo de "torre de marfim" que está matando a própria literatura. Evita-se divulgar a própria obra mas gasta-se o verbo nos botecos choramingando que ninguém mais lê neste país.

Onde fazer essas turnês? Principalmente em livrarias, claro, o habitat natural do escritor, mas quem sabe o que esse Brasil pode oferecer? Escolas, teatros, centros culturais, praças, coretos, alguém tem preconceito aí? Não acho que o escritor ficará milionário dessa forma, como as bandas de rock que "dão certo". Mas será possível viver, será possível ter o suficiente para escrever o próximo livro e será uma vida bem mais divertida.

Resumindo, estou convidando escritores inéditos (e os que já publicaram mas estão descontentes com o resultado - afinal quantos de vocês concordavam com aquela capa horrorosa que o editor colocou na capa do seu lindo livro sem nenhuma consulta?) a formarmos uma cooperativa de trabalho. É possível conseguir publicar, divulgar, vender e ganhar algum dinheiro com isso. Como escritor (inédito) e editor (com um par de anos de experiência) eu acho que essa é a única saída para os bons escritores serem "descobertos". Quem topa?

Marcelo Barbão
São Paulo, 31/1/2007

 

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