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Quinta-feira, 13/9/2001
Não quero esquecer
Adriana Baggio

Yara Mitsuishi

Hoje é terça-feira, 11 de setembro. Apesar de minha coluna ser publicada na quinta, meu dead line para entregá-la ao editor é hoje. Por isso, quando esse texto for lido, muita coisa já vai estar "passada". Peço ao leitor então que utilize sua capacidade de abstração, e tente imaginar esta colunista no dia de hoje, o dia em que os Estados Unidos foram atacados de uma maneira jamais vista.

Não tenho a pretensão de ter emoções ou observações mais originais que as das outras pessoas. Como todo mundo, fiquei chocada. A primeira imagem, de uma das enormes torres do WTC pegando fogo, já era inacreditável. Mas acompanhar o avião dirigindo-se deliberadamente para a outra torre foi além da minha capacidade de imaginar uma cena de terror. Pensei nas pessoas dentro do prédio, e num segundo momento, nas pessoas dentro do avião. Antes mesmo de ter a confirmação de que o avião tinha passageiros, não fazia sentido pensar o contrário, já que era o caso de um avião que havia sido seqüestrado para matar pessoas.

Depois, o ataque de parte do Pentágono mostrou a vulnerabilidade do país mais poderoso do mundo. Mas este é um aspecto que prefiro não abordar. Quero falar mesmo é do choque de saber de tanta gente morta, e de ver algumas pessoas morrendo, como os desesperados que se jogaram das torres em chamas. E o pior é que isso não foi uma catástrofe da natureza, como um terremoto, mas um ato deliberado, organizado, que partiu de seres tão humanos (no sentido biológico) como aqueles que foram mortos.

O paralelo pode até ser remoto, mas lembrei imediatamente da manhã em que o seqüestrador da filha de Silvio Santos entrou na casa do apresentador. Assim como da outra vez, estava no início do meu dia de trabalho, e alguém chegava com uma notícia que era difícil acreditar. O segundo passo, nos dois casos, foi ligar a TV e ficar acompanhando o desenrolar da história. As pessoas, incrédulas, não sabem muito bem como lidar com a situação. Percebem que os limites estão se expandindo cada vez mais, que em breve não haverá mais nada que nos proteja, ou princípios que sejam válidos. Por isso, fazem piadas com a tragédia, aparentando uma maneira quase histérica de conviver com o novo limite da tragédia.

No caso do ataque terrorista aos Estados Unidos aconteceu uma coisa pior. Devido à cota de acontecimentos inacreditáveis, carregados de um horror inédito, parece que depois de digerir o ataque à primeira torre do WTC as pessoas passaram a esperar por algo mais terrível ainda. Essa expectativa foi reforçada pela notícia de que haviam outros aviões seqüestrados que poderiam ser usados contra outros alvos. Dava a impressão de as pessoas estenderam seu limite de absorção de tragédias! O primeiro ataque já tinha ficado para trás, já não era mais tão chocante. Existem várias teorias para esse tipo de comportamento. Uma delas aponta a velocidade e o alcance da informação como os fatores responsáveis. Ter acesso fácil ao que aconteceu a milhares de quilômetros, ao mesmo tempo em que as pessoas que estavam passando por aquilo, de alguma maneira banaliza a tragédia, e torna-a mais palatável. E assim ficamos cada vez mais tolerantes.

No dia da invasão da casa de Silvio Santos uma pessoa morreu no metrô de São Paulo vítima de envenenamento por fumaça, que por sua vez foi causada por um princípio incêndio, se não me engano. Não sei como foi com a mídia local, mas nacionalmente essa tragédia não passou de uma notinha. Fiquei abismada! Classifico esse acidente como profundamente grave, digno da maior atenção, comoção e sensibilização! É inconcebível que uma pessoa morra dentro de um meio de transporte público, vítima do fogo! Da mesma maneira, o assassinato do prefeito de Campinas perdeu espaço. Claro, vocês podem dizer, em Campinas morreu uma pessoa, nos Estados Unidos morreram milhares! Concordo que a abrangência do fato determina sua importância, mas me pergunto se não começamos a achar muito normal coisas que antes nos pareciam horríveis, porque o parâmetro de horror já é outro.

Tento pensar em todas as pessoas mortas, naquelas que nem perceberam que morriam, e nas outras que viveram sabe Deus quantos minutos sabendo que iam morrer. Acho que esse caso é pior. Fico pensando naqueles que preferiram se jogar de uma altura de dezenas de andares. Imagina a outra opção que eles tinham, o quanto pior não era... Penso também naquele avião que caiu sem atingir seu alvo, porque talvez tenha sido derrubado pelos próprios americanos. Não consigo deixar de imaginar que tipo de situação faz com que a decisão seja entre matar umas cem pessoas ou correr o risco de permitir o assassinato de milhares de outras.

Quero ter bem claro em minha memória o dia de hoje. Mais tarde, quando tiver filhos, talvez, e eles estiverem estudando para uma prova de História, quero poder me lembrar exatamente do dia, do mês e do ano em que tudo isso aconteceu. Quero poder contar a eles quem foi, porque foi. Quero poder passar a eles todo o horror deste dia, toda a dimensão do sofrimento de saber de milhares de pessoas executadas sem culpa. Vou querer contar a eles a verdade, e não as mentiras que aparecem nos livros de História.

Adriana Baggio
Curitiba, 13/9/2001

 

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