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Sexta-feira, 14/9/2007 Chicletes Ana Elisa Ribeiro
"Chicletes" é palavra que uso desde a mais tenra idade. Desde que tínhamos amiguinhos cujos pais eram donos da padaria e então ganhávamos amostras grátis. Desde o lançamento festejado do trambolho Bubaloo, que hoje mais me parece uma mistura de purê de batatas com maizena, acrescido de cheiro e gosto de morango. Lembro que mascar Fresh'n'up era chique. Coisa de quem tinha grana. As caixinhas de Adams amarelas eram minhas preferidas, mas eu fazia economia para não gastar todos os chicles na mesma semana. E havia as gomas brancas e aquelas coloridas, que pareciam confetes. Clorets é invenção que parece recente. Trident de canela é meu preferido faz tempo. E por essa (e por outras), dizem que meu gosto é estranho. Afora essas preferências, a palavra "chicletes" sempre esteve em nossas bocas, pelo menos em Belo Horizonte. No que tange as balas e guloseimas inúteis, o Aurélio registra "chicle", que nem tem tanta graça. Pela explicação filológica, parece que a palavra vem do hispano-americano, algo como uma mistura de "náuatle tzitcli", entenderam? Isso tudo virou "chicle", que é uma "goma de mascar" ou, de forma mais completa, "o látex da sapota". Também nunca soube o que é uma "sapota", alguém sabe? De novo vem o dicionário me socorrer: é uma "árvore da família das sapotáceas (Achras sapota)". Ah, quanta precisão. Não conheço nenhuma sapotácea num raio de 10 mil metros. Quando fiz um herbário, para a Biologia da escola, não me lembro de nada disso. Se soubesse, naquela época, teria plantado uma árvore clandestina no quintal de casa. Com sorte, os frutos já nasceriam processados, em forma de retângulos, com gosto de hortelã... ou de canela. A sapota, para quem quer saber, é uma árvore "originária da América Central, cujo látex contém 15% de borracha e serve para fabricar o famoso chicle, e cujo fruto (o sapoti), muito apreciado, é uma baga parda, carnosa e muito doce". Quase não dormi mais depois dessa informação. Sapoti eu já conhecia da música do Morais Moreira, mas confesso que não faço a menor idéia do formato que possa ter uma tal fruta. O que me vem à imaginação elástica é algo como uma bolota recheada de um caldo doce e meloso ou um retângulo pequeno com casquinha quebradiça. De onde vem? Lalalalalá O resumo é mais ou menos o seguinte: o chicletes que eu masco quase diariamente vem do látex de uma árvore meio mexicana chamada sapota. Esse látex tem um tanto de borracha que produz aquele efeito de goma que eu tanto aprecio. A frutinha que dá origem a um dos meus mais queridos passatempos tem o formato de uma "baga parda, carnosa e muito doce", que em nada deve se parecer com meus cubinhos de Clorets. Hábitos chatos Há quem adore mascar chicles. Sou desse time. Tento não agir como uma vaca no pasto, faço da melhor maneira possível, mas há quem se irrite assim mesmo. Chicle me dá paz. Depois do almoço, é um santo remédio. Dizem que ajuda na digestão. Se for mentira, vou continuar acreditando que algum alívio a goma produz no estômago sobrecarregado. Também dizem que torna o hálito um tantinho melhor. Acho que creio nisso também, embora a concorrência com os Halls seja desleal. Não é meu caso, mas conheço quem troque a escova de dentes pelos chicletes. E quem pense que a goma diminui a ansiedade ou a tensão. Também já ouvi falar que beijar mascando chicle é uma arte, de alta exigência motora. Já testaram? Sei de casos até mais temerários envolvendo gomas de mascar, em pleno uso, pentelhos e atividades sexuais. Também já me contaram algo assim com Halls, especialmente o da embalagem preta, que produziria, segundo relatam, efeitos sublimes. Há quem masque chicletes para andar de avião, para evitar vômito em viagens rodoviárias, para destapar os ouvidos em altas altitudes. Ou quem diga que mascar gomas ajuda a fortalecer a musculatura facial. E quem goste de dormir com elas na boca para babar menos. Minha irmã, ao contrário, detesta chicles e quem os masca. Um de nossos conflitos era ela não me suportar por perto quando eu mascava meus Adams preferidos. Dizia a tia do meu filho que aquele barulho de saliva com estalinhos era da esfera do insuportável, do odioso, do desprezível. Meu marido não masca gomas. Diz que as peças se soltam dos dentes, que fica inseguro, que acha irritante. Mas se quiser beijar, que confie em minhas habilidades de esconde-esconde. Sabores Atualmente, meu paladar anda preferindo as folhas às frutas. Faz tempo que não compro uma goma de morango. Da última vez que me deram um chicle de presente, o sabor era melancia. Detestável, embora o azedo me deixasse por uns segundos satisfeita. Ontem, ofereci a um amigo um bago da minha cartela de Trident Freshmint (um azul claro). Ele aceitou prontamente. Depois que descascou e mascou a goma por uns segundos, perguntou: "Ah, esta é a que tem gosto de pasta de dente?". Sim, era isso. Fazia anos que eu tentava descobrir por que razão a achava tão agradável e nunca havia conseguido elaborar uma explicação. Era isso. Trident Freshmint dá a sensação de que estamos mascando um tubo de dentifrício, coisa que minha mãe proibiu que fizéssemos por toda a infância. Dois bons motivos para mascar chicle agora. Dicionários: ler para crer Coisa mais engraçada é quando alguém pergunta se uma palavra existe. A pessoa acaba de dizer o vocábulo e ainda quer saber se é ou não é. Na verdade, o que se deseja é saber se ele é oficial, se algum dicionário importante o registra e reconhece. Em alguns casos, mesmo quando o faz, o dicionário mostra se é gíria, de onde vem, se é popular. Dependendo do uso, a palavra fica desprestigiada. Além de não darem conta de registrar todas as palavras que existem, os dicionários são engraçados. Uma navegada de meia hora pelos maiores "pais dos burros" da nossa língua brasileira pode dar uma idéia da diversão que é aprender as palavras, mesmo que fora de contexto. Em alguns casos, o livrão não ajuda em nada. Por exemplo, quando alguém procura o que é "sapota" e ele responde que é uma "árvore da família das sapotáceas". Que era uma planta até que daria para deduzir, mas continuo precisando de esclarecimentos. Além disso, há as acepções curiosas, tais como a de "mulher". Diz o Aurélio, neste século, que mulher é "o ser humano do sexo feminino" ou "esse mesmo ser humano considerado como parcela da humanidade". E tem jeito de não ser? Acreditem: tem. Lá pelas tantas, mulher tem que ser alguém "dotada das chamadas qualidades e sentimentos femininos (carinho, compreensão, dedicação ao lar e à família, intuição)". E então descubro que estou à beira de uma séria crise de identidade. Anima-me mais saber que também posso ser "amante, companheira, concubina". Enfatize-se que todos são sinônimos de "mulher", mas ao menos são mais divertidos. E, mais adiante, o mais temível: "dona", que sempre me amedrontou. Alguém merece envelhecer e, além de ganhar banhas e rugas, ser chamada de DonAna? Daí, já que não tem jeito e que tudo depende do referencial masculino, fui lá ver o que é "homem" e continuei em crise. "Qualquer indivíduo pertencente à espécie animal que apresenta o maior grau de complexidade na escala evolutiva". Além da complexidade (que não sei exatamente o que é) e do posto mais alto na tal "escala evolutiva", descobri que isso se alcança sem grandes esforços. Está lá no dicionário que homem é o "adolescente que atingiu a virilidade". E se não atingir? Acho melhor mudar de verbete, não? Mais adiante, obtenho maiores informações: "dotado das chamadas qualidades viris, como coragem, força, vigor sexual, etc". O que eu quero ser quando crescer? E se eu tiver, um dia, coragem para enfrentar bandido, parto normal, uma cesárea, separação, marido? Viro macho? E lá vem o exemplo peroláceo: "Homem que é homem não leva desaforo para casa". Mulher pode levar? E se não levar, vira lobisomem? Homem também pode ser "marido ou amante", mas não "michê". Também são seus sinônimos "indivíduo, sujeito, camarada, cara" e, ainda, "soldado". Meu chapa, nem todo dicionário é inocente. E uma pesquisa sobre chicletes pode dar uma dor de cabeça danada. Ana Elisa Ribeiro |
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