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Sexta-feira, 16/2/2007 O nome da morte Rafael Rodrigues O jornalista e escritor recifense Klester Cavalcanti é um homem de sorte. Não digo isso pelo fato de ele ter trabalhado em "algumas das maiores publicações do país"; Klester já passou pela revista Veja e hoje é editor da revista VIP, por exemplo. Nem pelo fato de ele ter conquistado, em 2005, o prêmio Jabuti na categoria livro-reportagem, pelo seu Viúvas da terra. Tais informações revelam a capacidade e a competência de Klester Cavalcanti. Digo que ele é um homem de sorte pelo fato de ter conhecido, em 1999, quando era correspondente da Veja na Amazônia, o personagem que qualquer escritor gostaria de conhecer. Trata-se de Júlio Santana, um matador de aluguel que, em 35 anos de trabalho, executou 492 pessoas em diversos lugares do Brasil. Tão logo conheceu o homem, apenas por telefone, Klester vislumbrou a possibilidade de uma grande história, um grande furo de reportagem. Ganhou a simpatia do assassino que, nas palavras do jornalista, "não me pareceu um sujeito violento nem agressivo". O assassino, por sua vez, estava com vontade de contar suas histórias para alguém: "Se você quiser, eu lhe conto tudo. Nunca falei essas coisas para ninguém." Essa foi a primeira conversa. Combinaram de voltar a se falar alguns dias depois. E seguiram se falando por telefone durante anos, até que recentemente, no final de 2006, essas conversas deram origem ao livro O nome da morte (Planeta, 2006, 256 págs.). A carreira de assassino de aluguel de Júlio Santana teve início em 1971, quando o então adolescente - Júlio tinha 17 anos de idade - fez sua primeira vítima: um pescador que havia abusado sexualmente de uma garotinha de 13 anos. O mandante do crime foi o pai da menina. Até aquele dia, em que cometera seu primeiro assassinato, Júlio levava uma vida tranqüila. Morava com os pais e seus dois irmãos mais novos, no município de Porto Franco, na divisa do Maranhão com o atual estado do Tocantins - na época Goiás. Sua única preocupação era caçar para ajudar na alimentação da família. Coisa que fazia muito bem, pois de tanto praticar adquirira uma excelente pontaria. A mudança na vida de Júlio começou quando seu tio Cícero, que morava no Maranhão, chegou para passar uns dias na casa do irmão Jorge, pai de Júlio, coisa que procurava fazer ao menos uma vez por mês. Cícero era policial militar na cidade de Imperatriz, no Maranhão. Mas essa era apenas uma das duas atividades do tio de Júlio. Além de policial, Cícero era também matador de aluguel, e estava em Porto Franco a serviço. Fora contratado para matar um pescador que morava na região. E iria fazer o trabalho, caso a malária não o deixasse de cama por dias. Júlio, por ainda ser jovem, suscetível a influências e por admirar muito o tio, era o único a quem Cícero poderia contar aquele segredo e pedir para fazer o trabalho em seu lugar. E foi isso que aconteceu. Depois de muito protestar e negar, Júlio não teve escolha, teria de matar o pescador. Uma das justificativas que o tio deu ao sobrinho foi a seguinte: "se você não fizer o serviço, quem vai acabar morrendo sou eu. (...) nesse negócio é assim. Depois que a gente recebe o dinheiro, tem de fazer o serviço. Senão, quem acaba assassinado é o próprio pistoleiro. Você quer que eu morra?" Outra justificativa foi esta: "se eu não fizer esse trabalho, com certeza vai aparecer gente para fazer. Ou seja, o infeliz vai morrer de qualquer jeito. Assim, pelo menos eu ganho um dinheiro a mais." A frieza do tio assustava Júlio. Mal sabia ele que, anos depois, seria ele o agir com uma calma e frieza impressionantes, matando centenas de pessoas por todo o Brasil. Mas antes de tornar-se um matador profissional, Júlio participou de um episódio importante na História recente de nosso país: a guerrilha do Araguaia. No início de 1972 Cícero perguntou a Júlio se ele não gostaria de ganhar dinheiro servindo de guia para os militares do exército que estavam à caça de comunistas que se escondiam no meio da selva amazônica. Na época, o jovem Júlio se via às voltas com uma namorada, a Ritinha, e um dos argumentos do tio foi o de que com o dinheiro que Júlio ganharia por esse trabalho, ele poderia dar início ao plano de se casar com a garota. Depois de muito dizer "não" ao tio, mais uma vez Júlio acabou cedendo, e partiu para a cidade de Xambioá, no então estado de Goiás. Lá chegando, Júlio conheceu um outro mundo. Xambioá ainda é uma cidade pequena, mas na época era bem maior e mais movimentada que o povoado no qual Júlio morava com sua família. Tudo para ele era novo e deslumbrante. Mas Júlio não teve muito tempo para aproveitar a cidade. Nem cabeça para isso. Ele preferia passar o pouco tempo livre que tinha trancado no quarto de uma pensão: dormindo ou pensando em Ritinha, de quem sequer se despedira quando saíra de Porto Franco. Em Xambioá Júlio guiou o grupo formado pelo delegado Carlos Marra e mais quatro homens. Esse grupo, muito graças à experiência de Júlio dentro da selva, capturou um dos guerrilheiros mais famosos do país: o ex-presidente do Partido dos Trabalhadores, José Genuíno. Júlio disparou o tiro que derrubou Genoíno e presenciou a tortura que o guerrilheiro sofreu nas mãos dos homens de Carlos Marra. Depois de uma temporada de quase três meses com eles, sem contato nenhum com a família e com mais uma morte - esta por acidente, da guerrilheira Maria Lúcia Petit -, Júlio finalmente retorna a Porto Franco. Depois da emoção do reencontro com os pais e os irmãos, Júlio vai ao encontro de Ritinha. Mas o jovem fica desolado ao saber que a garota está com outro namorado. Isso contribui muito para a mudança definitiva de Júlio, que poucos dias depois vai para Imperatriz morar com o tio. É aí que tem início sua carreira de assassino, quando seu tio Cícero o convence de que o trabalho não é tão ruim quanto parece, e que se não for ele a fazer, aparece um outro e faz. Isso é apenas um pouco da história que Klester Cavalcanti conta em seu O nome da morte. As linhas que escrevi não dão conta nem de 10% do livro. Klester relata os conflitos internos - eu poderia dizer "existenciais", por que não? - de Júlio; os pesadelos que ele ainda tem com algumas vítimas que fez - uma delas por engano, diferente da já citada Maria Lúcia, que foi um acidente -; a briga que tem com o tio ao descobrir que Cícero, que era quem lhe arrumava "trabalhos", ficava com boa parte do dinheiro que seria de Júlio; o dia em que ele conheceu aquela que viria a ser sua esposa; a única vez em que foi preso e o dia do ano de 2006 em que finalmente resolveu parar de matar pessoas. Júlio Santana agora se dedica a viver de maneira honesta, em um outro lugar do país, que nem mesmo Klester Cavalcanti - ou só ele - deve saber onde é. O livro, que tem tudo para faturar outro prêmio Jabuti, não tem nada de ficção, como me disse o próprio escritor, via e-mail: "Não há nada de ficção. Todos os nomes do meu livro são reais. Carlos Marra, por exemplo, é o nome do delegado que comandou o grupo do Júlio Santana no Araguaia. Inclusive, todos os nomes de mandantes de crimes e de vítimas são reais. Não usei a minha imaginação para nada. O livro é uma grande reportagem investigativa. Passei sete anos trabalhando na história do matador Júlio Santana." Nesses sete anos de trabalho o contato com o matador fora apenas por telefone. Somente em abril de 2006 Klester Cavalcanti conheceu pessoalmente Júlio Santana. Para tanto, foi até Porto Franco, onde passou "três dias ao lado de um homem calmo, bem-humorado, caseiro, carinhoso com a mulher e com os filhos e muito religioso. Um homem aparentemente comum. Perfil bem diferente dos assassinos que povoam a literatura e o cinema." Isso só reforça minha opinião de que, nas palavras de João Ubaldo Ribeiro, "a vida real é muito mais absurda do que a ficção." E O nome da morte é bem isso. Afinal, quem imaginaria que hoje, em algum lugar do nosso Brasil, vive um homem que por 35 anos viveu de matar pessoas? O nome dele é Júlio Santana. E ele pode ser seu vizinho. Para ir além Rafael Rodrigues |
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