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Quinta-feira, 1/3/2007
Um Paulo Francis ainda desconhecido
Fabio Silvestre Cardoso

Sobre Paulo Francis (1930-1997), muito se escreveu a respeito nos últimos 10 anos. O leitor que lê este texto, por exemplo, que faça um teste. Digite lá no Google o nome do jornalista e escritor nascido Franz Paul Trannin da Matta Heilborn. Muitos serão os artigos assinados, comentários, blogs de homenagem, ensaios, notas, blogs contrários, para além de uma infinidade de outros detalhes a respeito do autor. Desse modo, cá como eu, você, leitor, deve se perguntar: mas será que há ainda algo a ser dito a respeito de Francis? De fato, honrosas menções foram feitas nos principais veículos do país: da Bravo! à Cult, passando pelo O Estado de S.Paulo, sem mencionar o Manhattan Connection — este último, aliás, um dos programas a partir dos quais a primeira geração da TV a cabo (àquela época, o mundo não era dos nets) conheceu Paulo Francis e redescobriu o Brasil. Pode parecer puro exagero, mas não é. Não é mesmo. Foi neste especial do Manhattan Connection, a propósito, que o jornalista Caio Blinder, eterno antípoda intelectual de Francis, realçou a importância de Paulo Francis para o jornalismo brasileiro: muitas pessoas optaram pelo jornalismo por causa dele, Francis. E isso, numa época em que o jornalista virou commodity, pode parecer muito pouco, mas não é.

Mas qual é a razão de tanta popularidade? Por que, afinal de contas, os jornalistas de uma determinada geração tinham (e ainda têm) Paulo Francis em tão alta conta? A pergunta parece permanecer sem resposta. Isto é, ao menos até aqui, ninguém, a despeito do breve ensaio-perfil de Daniel Piza sobre o jornalista, fez a chamada "biografia definitiva" de Paulo Francis. Enquanto isso, dois fenômenos acontecem: de um lado, os jovens estudantes de jornalismo pouco sabem da importância de Francis para o desenvolvimento da imprensa no Brasil. De outro lado, as versões exageradas a seu respeito tomam a dianteira e fazem que, com os anos, Francis fique uma figura cada vez mais caricata, como os seus antigos imitadores nos programas de TV da década de 80 e de 90. Assim, mesmo entre aqueles que conhecem Francis, existe um consenso exageradamente natural de que Francis era culto, mas exagerado; educado, mas preconceituoso; bom jornalista, mas extremamente desleixado — posto que não revisava o que escrevia.

Com efeito, é o jornalista do colunismo dos grandes jornais, Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo, e também o comentarista da TV Globo, que é freqüentemente lembrado. A razão para tanto, certamente, está atrelada à popularidade que Francis havia conquistado no outono de sua carreira. Assim, tão certo como os anos 80 assistiram ao colapso do comunismo como regime político, nas duas últimas décadas de atividade jornalística, Francis, como nunca acontecera antes em toda sua trajetória, não só era muito lido, mas também bastante comentado, em que pese o fato de suas opiniões políticas, bem como seu alinhamento ideológico, terem se aproximado da direita. Nesse ponto, aliás, talvez sejam válidas as considerações de Élio Gaspari, quando este escreveu acerca do livro de Daniel Piza sobre Francis: "Admirado por uma direita que desprezava, odiado pela esquerda da qual se afastou".

Uma leitura mais retrospectiva da obra jornalística de Paulo Francis, no entanto, revela um autor de idéias mais elaboradas. Talvez porque, à época, não existia ainda o Francis televisivo, quase um ator, como lembrariam os debatedores no programa Manhattan Connection de fevereiro; em verdade, o Paulo Francis colaborador d'O Pasquim era, de fato, mais cerebral. Em outras palavras, no lugar da provocação acusatória, muitas vezes leviana — ainda que engraçada —, havia nos escritos do jornalista a expressão de um intelectual atento ao debate de idéias do seu tempo. Nesse sentido, ele seguiu o que de melhor existiu na tradição do jornalismo cultural num momento em que não havia tanto a necessidade dessa especialização, essa setorização por editoria que se faz desde o início da formação de jornalista. Eis um dos segredos de sucesso de público de Paulo Francis, que fez com que muitos optassem pelo jornalismo. Era possível, sim, entender de Relações Internacionais, escrevendo para os jornais nacionais como correspondente de Nova York, e, ao mesmo tempo, colaborar com as revistas de cultura, como a Senhor, assinando longos ensaios sobre autores como o russo Bóris Pasternak.

A partir da leitura desse primeiro Francis entende-se o motivo de sua suposta arrogância e de seu elitismo declarado, marcas que ficaram para sempre nos textos e nas suas aparições na TV. As opiniões e as análises de Francis remetiam a um passado, quase sempre em tom memorialístico, buscando referências nas suas idéias mais estabelecidas. Nesse sentido, mesmo quando Francis observava novos autores e analisava as novas produções cinematográficas, por exemplo, prevalecia o olhar de um autor que, por força ou por circunstância, se tornou maduro cedo demais. Machado de Assis escreveu, em Memórias Póstumas de Brás Cubas, que o menino é pai do homem. Paulo Francis, que também citava e lia muito o Bruxo do Cosme Velho, era a prova inconteste disso.

Não é exagero afirmar que Paulo Francis virou, a partir de determinada época, o espectro de si mesmo. Refém de um personagem que dava grande audiência, no fim da carreira o jornalista conquistava mais pela virulência e não tanto pela natureza de seus argumentos. Talvez por isso, alguns de seus detratores prefiram analisar Francis a partir de um recorte temporal bastante específico, a saber: as duas últimas décadas. Há, no entanto, no jornalista que escreveu para O Pasquim e colaborou para Senhor, um intelectual que se impõe pela exposição ilustrada de idéias em vez dos ataques pessoais; que, no lugar de polêmicas gratuitas e sem sentido, prefere apresentar aos leitores temas e escritores desconhecidos. Um Paulo Francis pouco conhecido, afinal, mas que vale a pena descobrir.

Fabio Silvestre Cardoso
São Paulo, 1/3/2007

 

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