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Sexta-feira, 9/3/2007
O homem que não gostava de beijos
Rafael Rodrigues

Gosto de ler livros que não foram muito divulgados na mídia ou livros de autores pouco conhecidos do grande público. Melhor ainda é escrever sobre eles. É sempre um desafio, pois quão menos conhecido for o livro, menos ocorrências um site de busca encontrará sobre ele. E a chance de uma dessas ocorrências ser uma resenha escrita por mim é grande, a depender do título buscado, óbvio.

Exemplo? Procure no Google pelo livro Um longo lamento, colocando também o nome da autora, Amanda Stern. Se nada de estranho ocorrer, você vai encontrar apenas uma resenha do livro. Escrita por mim.

E pode acontecer de alguém encontrar determinado livro em uma livraria, cruzar com ele por acaso em um site de compras ou ler uma pequena nota num jornal e depois disso fazer uma busca sobre ele em algum buscador. Se o interessado encontrar e ler a minha resenha, ótimo. Se ele resolver ler o livro, sensacional. Gosto de pensar que exerço alguma influência - mesmo que pouca - naqueles que lêem as resenhas que escrevo. É uma vaidade boba, mas me faz sentir bem.

Digo isso porque muitas vezes - inúmeras vezes - eu é que estou no papel do leitor interessado. Quando me deparo com um livro interessante, leio a orelha e um trecho dele - se estiver com a obra em mãos - ou procuro alguma coisa sobre ele na rede, se tiver esbarrado com o título em algum site ou blog. E quando tomei conhecimento do livro O homem que não gostava de beijos (Record, 2006, 128 págs.), de Edward Pimenta, não encontrei muita coisa no Google. Agora há mais ocorrências sobre o livro e o autor, mas na época do lançamento, não.

Fiquei com o título na mente por alguns dias. "O homem que não gostava de beijos... Que homem é esse que não gosta de beijos? Por que ele não gosta de beijos? Quem foi o cara que escreveu um livro com esse título, pelo amor de Deus?" Um ótimo título, aliás.

A capa do livro não me agradou, é verdade, mas ainda assim eu, que volta e meia compro livros só de gostar da capa (por que não?), continuei interessado pela obra. Consegui o livro, li e gostei bastante. Tentarei dizer o porquê.

Mas antes, um aviso ao leitor que porventura resolva também ler O homem que não gostava de beijos depois de ler esta resenha: vá direto para a página 19. Nem pense em ler a apresentação de Gerald Thomas antes de terminar o livro. Ao menos para mim ficou a impressão de que a apresentação está muito mais para posfácio. Além do fato de Thomas viajar um pouco no texto. Quem o conhece ou conhece sua fama, sabe como ele é. Bom, é só uma dica, segue quem quiser.

E se você for direto para a página 19, vai ler o conto "A carne". Porque, para mim, O homem que não gostava de beijos é um livro de contos, e não um romance, como diz o site da editora Record.

Apesar de protagonizado por um mesmo personagem, chamado Horace Catskill, o livro não tem uma unicidade que permita alguém defini-lo como sendo um romance.

Isso porque Horace Catskill, ou simplesmente HC, trafega por diversas épocas e lugares, muda de forma, de sexo, de cor e é protagonista dos mais surreais acontecimentos. Em "A carne", uma história mais "real", HC é um senhor de idade avançada "com o Parkinson já saliente", que sai de casa para comprar carne. Ele termina assim a narrativa de sua ida sem volta: "Meu nome é Horace Catskill, minhas veias e principais artérias são o mais completo caos."

Em "A vaca" HC está em 1756, "não tinha dentes" e em vias de se tornar um pedófilo. Há também no conto uma insinuação de incesto; se o leitor achar que pedofilia e incesto são temas já "batidos", pode ficar tranqüilo, pois o que importa não só no conto, mas em todo o livro, é a maneira como Edward Pimenta conduz suas histórias.

Que são bem curtas. Não posso nem falar muito sobre elas, senão acabo tirando a graça de lê-las. Na maioria delas Edward Pimenta narra cenas, ou breves acontecimentos. Algumas dessas histórias se resolvem, como "Os poemas", que apresenta Horace Catskill como um professor universitário que "se deixa seduzir" por suas alunas e termina preso. Outras, como "Horace Jacko Catskill" simplesmente acontecem, sem motivo, nem explicação. Pá-pum. Aconteceu. E HC, que se transformara em uma mosca, "instalou-se nas reentrâncias da prótese nasal de silicone de Michael Jackson." Um dos contos mais curtos e mais divertidos.

Aliás, eis a palavra que considero ideal para definir O homem que não gostava de beijos. É um livro divertido. Mas muito divertido, mesmo. E muito bem escrito. Os contos, apesar de em sua maioria não contarem histórias com começo, meio e fim, são pequenos retratos de um personagem doentio, engraçado e desgraçado ao mesmo tempo, um personagem ímpar. Um não, pois HC não é um, é vários. Também não são histórias agradáveis, "bonitinhas". Algumas são escatológicas, outras pornográficas. Mas tudo bem medido, bem feito. Nada de palavrões gratuitos ou pornografia explícita e nojenta, que tantos escritores brasileiros insistem em praticar, pensando serem discípulos de Bukowski. O que é terrível, pois o velho safado era - e continua sendo, sua literatura não morrerá jamais - esculachado mas tinha classe. E é isso que difere Edward Pimenta dos brazucas que querem ser Bukowski: Pimenta tem classe.

Depois de finalizada a leitura do livro, aí sim é hora de voltar para o início e ler a apresentação de Gerald Thomas. Depois de uma boa, meio doidona, mas também divertida viagem, Thomas encerra dizendo: "Não é fácil viver. E, dentro desse contrato, Edward Pimenta experimenta com a escrita de forma lúdica, grotesca, lindamente erótica (nunca sendo vulgar), manipulando a linguagem como os melhores autores, e nos leva àquele lugar em que estamos quando estamos sós e nos checamos sós diante da finitude do universo: sozinhos diante de nós mesmos, com uma imagem vaga de quem e do que nós somos."

E então é reler o livro. Vale a pena.

Para ir além





Rafael Rodrigues
Feira de Santana, 9/3/2007

 

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