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Sexta-feira, 23/3/2007 O homem visto do alto Guilherme Conte Sergio Roveri é um daqueles artistas que consegue deter-se com atenção aos mínimos detalhes e enxergar ali poesia e sentido. Sua sensibilidade encontra guarida em diálogos muito bem construídos, em que o dito se completa e se revela no não-dito. Nascido em Jundiaí, Roveri é um dos dramaturgos mais consistentes da nova geração, além de destacado jornalista e crítico de teatro. Sua produção está muito ligada à Praça Roosevelt e a todo um movimento teatral que se desenvolve ao longo do mainstream e que tem oferecido alguns dos trabalhos mais interessantes a que o público paulistano tem a chance de assistir. Seus textos são marcados pela inteligência e fluidez. Obras como O encontro das águas e Abre as asas sobre nós - que lhe valeu recentemente o Prêmio Shell de melhor autor - já fazem parte da lista de encenações memoráveis da história recente do teatro paulistano. O humor e as imagens poéticas caminham lado a lado em sua trajetória. A obra de Roveri é marcada por essa tênue caminhada na corda bamba entre o riso e o choro, a dor e o deleite, o sonho e a melancolia. A vida tratada em, além do preto e do branco, diversos matizes de cinza. Andaime, sua nova montagem, situa-se nessa frágil linha entre o cômico e o trágico. Embora a faceta mais evidente desse texto - vencedor do Prêmio Funarte de Dramaturgia - esteja ancorada no riso, atingido com maestria pela dupla Cássio Scapin e Claudio Fontana, o peso daquelas existências revela-se aos poucos por trás da aparente amenidade de uma conversa jogada fora para que "o serviço passe mais rápido". A peça traz dois limpadores de janela trabalhando em cima de um andaime. Enquanto passam de andar em andar, conversam longamente. Nada de muito profundo ou aflitivo; os temas ficam na esfera do cotidiano. Timidamente escapam da conversa pequenas confissões de sonhos, frustrações, vontades, histórias, lembranças. Homens duros que vez por outra baixam a guarda e se expõem. Entre um cigarro e um comentário qualquer sobre pássaros, aqueles personagens revelam certa melancolia por sentirem-se tão à margem. "Tem horas que parece que somos invisíveis", diz um deles. É a voz daquelas pessoas que estão tão próximas de nós mas que parecemos realmente não ver. Força no humor A grandeza da obra de Roveri está na simplicidade e leveza com que trata o tema. Não se perde em discursos, manifestos ou esbravejos. A força e a sensibilidade de sua crítica encontram na eficiente pena do humor um canal para tocar os que estão do lado de cá da janela. Paramos para escutá-los, nos divertimos e nos identificamos com eles. Scapin e Fontana estão muito bem, esbanjando segurança em seus papéis. O único senão em relação às interpretações é a falta de uma homogeneidade de sotaques e entonações, que oscilam em alguns momentos - falha que quase pode ser encarada como preciosismo, frente à grandeza do trabalho. O diretor Elias Andreato conduz a montagem com clareza de propósitos e austeridade de recursos. O ritmo imposto é fluido, com tempos e pausas na medida certa. Nada de efeitos desnecessários que só comprometeriam o foco; sua aposta é no trabalho de interpretação e valorização do texto, apoiados na bela e funcional cenografia de Gabriel Villela. Só fica a curiosidade: como seria a peça se tivéssemos a vidraça entre nós e os atores? Afinal, é do lado de cá que estamos o tempo todo. Para ir além Andaime - Teatro Vivo - Av. Dr. Chucri Zaidan, 860 - Morumbi - Tel. (11) 3188-4141 - Sexta, 21h30, sábado, 21h e domingo, 18h - 70 min. - R$ 50 - Até 29/4. As revoluções e a latinidade O historiador Eric Hobsbawn tem uma linha de pensamento que pode ser sintetizada na máxima de que a história é feita de permanências e rupturas. Estas se caracterizam por transformações radicais e violentas que subvertem a ordem vigente e estabelecem um novo status quo. Revoluções exigem sangue e sacrifícios. É difícil operar as transformações para o estabelecimento de uma nova ordem. Esta, por sua vez, carrega dentro de si uma lógica que só é passível de ser derrubada por uma nova revolução. É essa condição de falibilidade intrínseca mantém a tensão entre os atores do jogo histórico. A Revolta, do argentino Santiago Serrano, fala sobre revoluções. As grandes e as pequenas, as universais e as particulares. Situada em um ambiente rural sem tempo época definido, traz uma revolução social como pano de fundo para o palco das pequenas revoluções - as cotidianas, mundanas, que perfazem o nosso dia a dia. Malva (Amália Pereira) é uma matriarca que se vê as voltas com uma ausência dolorosa em sua casa: um de seus filhos foi preso pelos opressores da sociedade local, por "suas idéias". Sua voluptuosa nora Judith (Maritta Cury), a "gringa", sofre com a carência e a falta do marido, além de estar em um país distante. Ela se envolve perigosamente com Martin (Antonio Ranieri), o outro filho de Malva, que trabalha para os mesmos senhores que prenderam o irmão. Nesse tenso ambiente ainda transita Sara (Janette Santiago), a escrava da família. A iminência da revolta e da volta do filho aprofunda os conflitos entre as personagens e manda às favas o tênue equilíbrio que sustentava a casa. O resultado é violência, tanto física quanto verbal. O texto de Serrano acaba funcionando como uma grande reflexão da própria evolução da história da América Latina. Ali estão os estrangeiros que vêm para explorar a terra e seus recursos, o estrangeiro que pensa a revolução com um olhar externo, o povo oprimido, o opressor, os que pensam a revolução como um bem geral, os que vêem nela benefícios individuais... Malva, incapaz de ver o que acontece em sua volta, projeta no filho preso e em sua revolução seu obstinado desejo de vingança. Seus diálogos com a vizinha Antonia (Adriana Cubas), seu contraponto ideológico, evidenciam o choque entre as razões pessoais e o pensamento em um bem maior, que beneficie a todos de alguma forma. A direção de Reginaldo Nascimento acerta em optar por uma construção cênica que prioriza o texto e o trabalho de ator. Os elementos cenográficos são os minimamente necessários para que a trama se desenvolva com os diálogos e as ações sem se sobreporem. É notável também seu talento para a criação de imagens marcantes. É possível apreender da montagem um sólido trabalho de construção de interpretações, uma das preocupações fundamentais da Teatro Kaus Cia. Experimental. Todos estão muito seguros de suas personagens e intenções. O que pesa contra o jovem elenco é talvez certo excesso de rigidez. As interpretações resultam, no geral, um tanto quanto duras, marcadas. Isso fica evidente, por exemplo, no modo de falar de Amália: talvez por pretenso virtuosismo, talvez por excesso de esmero, sua Malva soe barroca demais, o que compromete a própria compreensão plena do texto e de todas as suas nuances verbais. Um tom abaixo na partitura pode fazer com que o personagem ganhe em naturalidade. São falhas que tendem a se atenuar e até desaparecer ao longo do amadurecimento do espetáculo em temporada. A troca com o público é valiosa quando se tem um grupo aberto e interessado no aprimoramento de uma linguagem, o que parece ser o caso do Kaus. É de se destacar, aliás, a iniciativa do grupo de construir um trabalho ancorado em uma séria e constante pesquisa de dramaturgia. A Revolta é um dos filhos do projeto "Fronteiras - O Teatro na América Latina", que também englobou as montagens de Infiéis, do chileno Marco Antonio de La Parra, e de El Chingo, do venezuelano Edílio Peña. Ficam os votos de que a peça entre em temporada na cidade e a curiosidade a respeito dos caminhos a serem tomados pela companhia. Para ir além Teatro Kaus Cia. Experimental Guilherme Conte |
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