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Quarta-feira, 25/4/2007 Wiki, wiki, hurra! Guga Schultze
Você encontra assuntos que não figurariam numa enciclopédia tradicional, seja por um elitismo natural (e talvez inconsciente) de seus autores ou, talvez - e provavelmente esta seja a razão mais forte - por economia de espaço, mesmo que a enciclopédia em questão apresentasse quinze, vinte ou mais volumes pesados. Nisso está a primeira grande tacada da Wiki em relação às suas (pretensas) rivais de papel: o tamanho. O tamanho é um dos fatores decisivos para a efetividade, ou utilidade, de uma enciclopédia. A biblioteca mítica e universal, que Jorge Luis Borges imaginou em um de seus contos mais famosos, nunca esteve tão próxima de se materializar, mesmo que seja de forma puramente virtual. Poder transportar na mão (num laptop, por exemplo) a quantidade assustadora de um milhão de verbetes enciclopédicos, imediatamente acessíveis a um toque de dedos, é uma forma de poder intelectual que poderia chocar McLuhan. Ou Nietzsche. Falando em Nietzsche, lembro-me agora de uma historinha do Super Homem, o dos quadrinhos, em que ele, usando sua super memória e sua super velocidade, lê, em minutos, uma biblioteca inteira. Mas ainda assim ele precisava armazenar tudo na cabeça. Nós precisamos apenas armazenar a memória da combinação de teclas no processo de ligar o micro e acessar a informação. Nossa memória está sendo poupada em escalas anteriormente inimagináveis; o excesso de informação não é o grande diferencial da nossa época. A questão, a grande virada no status quo da cultura é que toda essa informação está disponível. Muito facilmente disponível. O microcomputador e, conseqüentemente, a rede mundial de micro computadores se transformou numa extensão, praticamente ilimitada, da nossa memória, da nossa memória pessoal, se quiserem. E os pequenos mecanismos mnemônicos - que por pequenos que sejam não são menos relevantes - dos celulares que nos avisam de tudo, agendas programáveis, apitos, chamados, nos alertam eficientemente para as coisas que não queremos esquecer; as conversas, as vozes e as imagens daquilo que nos é caro; uma parte significativa da nossa intimidade está guardada e protegida contra o esquecimento. Essa memória preservada ciberneticamente, que não se "apaga no vento dos dias" e cujo acesso é também parcialmente regulado pela memória artificial dos alertas e chamadas que criamos em nosso benefício, talvez seja a segunda grande revolução no processo cognitivo humano, desde a invenção da escrita. Podemos, mais do que nunca, nos dar ao luxo de ser desmiolados. Podemos guardar no bolso uma memória geral ou seletiva do mundo. Podemos guardar uma memória íntima cujo tamanho e diversidade de meios ultrapassa nossa capacidade mnemônica natural. O fato é sem precedentes na história e, por isso mesmo, é difícil especular sobre ele. A experiência não pode dar "pitaco" numa situação realmente nova. Por exemplo, o fenômeno das vendas pela internet, traduzido graficamente na long tail, a "cauda longa", já mencionado aqui no DC, tem muito a ver com o tamanho da rede, com a facilidade de acesso e com a preservação da informação - milhões de pessoas acabam fazendo com que um produto, que não é um sucesso de vendas, valha a pena ser mantido no mercado pelos vendedores. Isso porque o produto está lá, na grande memória da rede, ou seja, não foi "esquecido" e milhões de usuários, ou compradores em potencial, acabam por fazer com que ele tenha uma saída significativa, a longo prazo. Voltando: a segunda grande tacada da Wikipedia é a democratização brutal da sua fonte; a abertura que permite que qualquer um se arrisque como fornecedor de informação. O corolário disso é uma espécie de baixo nível na confiabilidade geral. Mas isso não é um problema específico da Wiki, é um problema geral da informação na nossa era. Desde que os efeitos especiais do cinema começaram a representar simulacros perfeitos de qualquer realidade, desde que a fotografia tornou-se completamente modelável em softwares cada vez mais sofisticados; em suma, desde que a falsificação na mídia se tornou potencialmente acessível a qualquer um com um mínimo de capacidade - ou seja, escapou do âmbito profissional ou especializado - somos forçados, a despeito da nossa costumeira credulidade, a assumir um ceticismo inédito e defensivo. Me parece uma atitude irrevogável, a partir de então. Deus permita (hahahaha) que esse ceticismo amplie seus limites e alcance as pobres almas atormentadas dentro das seitas, cultos, assembléias, igrejas, etc, etc... (Ok, isso é só uma opinião, pessoal e intransferível). Isso é também, esse quesito "opinião", um dos problemas técnicos enfrentados pela Wikipedia. Quem se aventurar por lá pode, por exemplo, acessar o verbete sobre Paulo Francis (ele, de novo...) A discussão que se segue - lá você pode discutir o conteúdo dos verbetes - é interminável, entre o autor do artigo, o responsável por aquela seção da Wikipedia e mais alguns leitores. A outra discussão, sobre a Wikipedia, corre também na rede e trata, entre outras coisas, dessa faceta incômoda da Wiki. Uma enciclopédia não deve ser lugar para opiniões (é até risível constatar que nas instruções gerais para os colaboradores, estão vetadas as palavras "felizmente" ou "infelizmente". E há vários verbetes citados, como exemplos do uso indevido dessas palavras). No entanto, essa é a Wiki. Então, a Wikipedia não é uma enciclopédia tradicional. Também não é uma nova enciclopédia. Tem o mesmo formato e tem também coisas que estão aquém ou que vão além das expectativas do leitor. Mas me parece mais um grande "almanaque" popular, um tipo de publicação que foi comum no passado, já não tão recente, e que costumava cobrir a necessidade de informação específica de segmentos sociais. A diferença é que o "segmento social" que a Wiki pode atender é, praticamente, o mundo todo. Não é mais um segmento; de certa forma não se limita mais a grupos, camadas ou extratos - é simplesmente a grande rede, quase uma classe social, inédita nos anais dos estudos socioeconômicos. Também foi invisível aos profetas sociais de duas décadas atrás e, ainda, imprevisível. Mais do que as projeções que a ficção científica pôde conjurar. É uma nova selva que se alastra sobre o mato ralo. A grande floresta é a informação, e "as árvere, somu nózes". Guga Schultze |
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