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Quinta-feira, 7/6/2007 Livro fora e dentro do papel Jardel Dias Cavalcanti Quem é que ao comprar um livro nunca o levou ao nariz para sentir seu cheiro ou o levou diretamente ao peito como se estivesse abraçando a mulher amada? Essas são atitudes típicas daqueles apaixonados por livros. Apaixonados não só pelo seu conteúdo, mas por sua forma, peso e cheiro. Quantos livros não compramos apenas por causa de sua textura, sua diagramação, sua capa, sua forma? Assim como temos interpretações musicais variadas, sobre a batuta de diversos maestros e de orquestras diferentes, pensamos existir na diversidade das edições dos livros algo de novo, sutil, que se acrescenta ao conteúdo da obra que compramos. Eu mesmo, por exemplo, já tinha duas edições de O vermelho e o negro, de Stendhal, e quando me deparei com a edição publicada pela Cosac & Naify não resisti ao encanto e a comprei. O que me atraiu para além do próprio texto? Não foi com certeza o tradutor. Nem pensei tanto nisso. Mas foi a própria textura do livro, a beleza de sua capa, sua edição - no sentido material do objeto. O mesmo sempre acontece com as novas edições de Em Busca do tempo perdido, de Marcel Proust. Para além do interesse por uma nova tradução (o que já se justifica por si), existe o desejo fetichista de possuir aquela nova edição quase como se ela fosse uma nova obra, como uma partitura executada por um novo maestro. Nesses casos, o livro tornou-se um fetiche. Ao menos para seus amantes. Mas nem só de amantes vive o livro. Existem necessidades ligadas ao acesso à leitura que são de outras variadas ordens. Há livros que devemos ler por obrigação, sobre assuntos que com certeza nos decepcionarão, e dos quais não queremos reter dentro de casa, atulhando de coisas indesejáveis as nossas estantes queridas. Há outros livros que estão fora do comércio, são preciosidades históricas que só podem ser visitadas em centros de pesquisa ou bibliotecas nacionais fabulosas, como a de Paris, por exemplo. São livros que desejamos ter, mas, tal como uma Mona Lisa, só existem fisicamente naquele lugar sagrado a eles reservado. Dali não podem ser retirados em hipótese alguma, talvez, sim, consultados, mas com um cuidado tal que nos faz pensar nas relíquias religiosas. Essas duas hipóteses já justificariam por si a existência de livros virtuais. Ter a possibilidade de poder ler um livro raro, de difícil acesso, num tempo hábil, sem precisar deslocar-se de avião a uma região distante, com um custo alto para a pesquisa a este material, é um sonho que se tornou realidade. Ou também livrar-se, com apenas um clique no DELETE, de um livro que foi lido em circunstâncias não tão agradáveis, com um conteúdo intolerável, livrando-nos de um peso morto. Mas há outras possibilidades ligadas à publicação virtual que são absolutamente louváveis e necessárias à facilitação da circulação de informações e conhecimentos. Não é isso, no fim das contas, o que se quer? Não é isso o que sonhavam nossos antepassados pensadores iluministas? Não é com isso que sonham os autores ao desejarem ter suas obras disponíveis para toda a aldeia global? Isso evidentemente tem conseqüências drásticas para o mercado editorial. E pelo que parece, a Internet surgiu e age com um furacão, tão rápida em suas mudanças que não conseguimos controlar perfeitamente seus passos e seu poder arrasador. Ficamos tentando negociar (controlar, melhor dizendo) sua atitude quase anarquista, libertária, que faz os senhores do dinheiro perderem o prumo: músicas, vídeos, livros e fotografias, um amplo material, enfim, sendo usado e transportado e distribuído virtualmente sem o devido pagamento dos direitos autorais (conceito, este, massacrado pela Internet, mas que alguns ainda querem tentar colocar de pé, como se fosse ainda possível juntar ossos esmigalhados). Mas o que parece ser um problema para os editores - esses senhores que embolsam a maior parte do dinheiro que se ganha com a publicação de um livro (pobre dos autores!) -, para os futuros escritores é uma dádiva, pois não necessitarão passar pelo crivo das modas editoriais (sim, existem modas nesse setor também) e outros problemas para terem seu trabalho publicado e lido por quem se interessar. Evidente que, ao contrário do que parece, não existem muitos escritores de nível razoável. Geniais, então, nem se fala. Mas todos querem publicar. E isso tudo deve passar por um crivo crítico. Partindo do pressuposto de que não existe um excesso de gente querendo escrever sem nada ganhar, isso nos leva a crer que somente quem quer se envolver nessa loucura apaixonante que é escrever e publicar vai realmente se expor na Internet. Os pares vão se encontrar, acabando por se organizarem, e essa identificação vai criar uma ordem de qualidade, de seleção e, conseqüentemente, de divulgação do que realmente tem valor. Mesmo que aparentemente isso soe como se estivéssemos frente a um universo caótico (a Internet causa esse pânico, à primeira vista), as coisas vão tomando um rumo que será surpreendente. A prova é que isso tem se dado diariamente. A revolução rápida proporcionada pelo mundo virtual, sem precedentes na história (faz pensar na invenção da imprensa como brincadeira de criança), sabe se organizar quase que automaticamente. E as ferramentas de busca são os meios que usamos para melhor selecionar o que queremos ter como informação e conhecimento. Eu já publiquei dois livros em papel. Não devo ter tido nem quinhentos leitores. E muito menos sei quem são esses leitores e o que pensaram do que leram. Como colunista do Digestivo, por exemplo, tive milhares de leitores, que, inclusive, me retornaram com suas impressões sobre o que eu escrevia. Uma experiência, sem sombra de dúvida, absolutamente enriquecedora, gratificante. Possibilitada pelo mundo virtual. Uma coisa não anula outra. Eu abri este texto falando do fetichismo relativo ao livro como objeto do desejo. Objeto material, sensorial. Mas eu tenho tido outro fetiche, livros maravilhosos, que só se pode ter acesso virtualmente, e que vou acumulando como arquivos e desfrutando dos mesmos na pequena tela deste computador. São, por exemplo, jóias da idade-média, com suas lindas iluminuras que posso admirar na pequena telinha do computador. Não há com o que se preocupar: em cultura, somos preservacionistas. Livros impressos serão sempre objetos de prazer e uso de muitas pessoas, enquanto outras pessoas se acostumarão ao mundo virtual. Afinal, não é isso que acontece com os discos de vinil? Mais fetichizados agora do que nunca. De uma coisa estamos certos: a relação entre leitores, produtores e divulgadores de conhecimento está mudando radicalmente. Estamos ainda meio pasmos, incertos do que vemos, mas com certeza, o projeto iluminista tem encontrado sua verdadeira razão de ser somente agora, numa rede planetária de produção e troca de informação e conhecimento. Menos papel, mas muito mais conhecimento e informação. É pouco ou, caro leitor, você quer mais? Jardel Dias Cavalcanti |
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