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Sexta-feira, 22/6/2007 Adolescente lê, sim, senhor! Ana Elisa Ribeiro Há algum tempo, quando fiz o especial Leituras, leitores e livros, em quatro partes, aqui no Digestivo, algumas pessoas demonstraram curiosidade em saber se os adolescentes responderiam da mesma maneira que os adultos à pergunta: O que você está lendo? Um guri, em especial, enviou mensagem sugerindo uma coluna sobre as leituras dos adolescentes. A idéia não era uma espécie de "pegadinha". Era mesmo para saber se as leituras dos mais jovens são muito diferentes das leituras citadas por "gente grande". É de suma importância considerar, como ponto de partida, que o adolescente é (ou deveria ser) um leitor em formação. Ainda não pegou o jeito da coisa, não degustou o suficiente e tem um mundão de possibilidades diante de si. Nos tempos atuais, o garoto e a garota se vêem dentro de um mosaico em que concorrem (?) várias mídias, mundo muito diferente, por exemplo, do da minha avó e mesmo do de meus pais. De dentro deste mosaico é possível vislumbrar máquinas eletrônicas portadoras de textos e, também (!), máquinas analógicas em que o texto está armazenado há centenas de anos. Livros, jornais e revistas de papel ainda não opção para quem vive no século XXI. Sabe-se lá como será o "sistema de mídias" (vejam aí Peter Burke e Asa Briggs, por favor) dos meus bisnetos, mas o fato é que os meninos e meninas de hoje podem desfrutar dos meios que quiserem, conforme a vontade e a ocasião. O leitor em formação foi alfabetizado, sim, desde a infância, mas não consolidou o que pode fazer com a técnica alfabética que adquiriu. Usa-a com finalidades cotidianas, mas também pode fazê-lo para outros fins, tais como aprender mais ou buscar informação que não vem de mão beijada. A escola é (ou deveria ser) uma das "agências" em que o jovem consolida habilidades com as palavras (ouvidas, faladas, lidas, escritas ou todas juntas). Sem dúvida, para grande parte da população, é na escola que há livros e precárias bibliotecas. Em casa, jornal serve para pôr no chão da gaiola do passarim. Nós outros, de dentro de nossas redomas, não admitimos, por vezes, que exista gente neste mundo criada longe das possibilidades do livro ou do computador, mas é o que mais existe. É só dar um esticadinha no pescoço, para fora da redoma de cristal Swarovski. Dia desses, batendo um papo acadêmico com professores do Vale do Jequitinhonha, num curso apelidado de Semi-árido, eles me contavam das condições em que dão aulas, nas escolas do Estado e também nas particulares (quando digo que essa polarização é ridícula e improcedente, ninguém me dá ouvidos...). Pasmem: todas têm laboratórios de informática e bibliotecas. Pasmem mais: os laboratórios ficam trancados e as bibliotecas, idem! Curioso também é saber que os alunos não conseguem acessar as máquinas não apenas porque o professor se indisponha a dar aulas com elas (ou nelas ou por meio delas), mas também porque não há técnicos responsáveis pelos labs ou porque é tudo tão burocrático que desanima a investida. O caso dos técnicos é impressionante. São dois rapazolas para atender a 21 cidades da região inteira. Nem quis saber quantas escolas há em cada cidade, que era pra eu dormir em paz. O que acontece é que se uma máquina estragar, a espera é de, em média, dois meses. E dá-lhe quadro-de-giz. Outro dia, no Jornal da Cultura, a Salete dava lá a notícia de que se estima que os estudantes de primeiro ano de curso superior deveriam gastar, em média, três mil reais por ano em livros. É claro que isso não acontece. Logo apareceu o depoimento de um estudante no balcão da lojinha de xerox. Claro, sai tudo bem mais barato. O próximo depoimento era de uma autoridade do setor livreiro. A idéia é boa: fazer uma coisa apelidada de "pasta do professor". Os trechos e capítulos indicados pelos mestres são impressos, com capa, sob demanda. O custo disso, para o aluno, ficaria bem próximo do xerox. Mas quem controla uma coisa dessas? O que os meninos andam fazendo para ler? Vão até a banca, à biblioteca e à casa dos amigos mais providos. Ou não fazem nada, que é o que muita gente espera deles. Não é o caso dos guris que pintaram por aqui. Depois da minha pergunta, a Cora, 18 anos, aluna do curso técnico de Turismo, veio logo socorrer a categoria. Está lendo O amor nos tempos do cólera, de García Márquez, e diz que é porque leu Memória de minhas putas tristes, "como eu gostei do livro, procurei mais obras do autor, aí eu achei esse livro aqui em casa e desde então estou lendo". Cora afirma que desde que entrou numa escola pública muito "apertada", não lê com a freqüência que gostaria. Bárbara Braga gosta mesmo é de romances históricos. Está lendo Anjos das sombras, de Karleen Koen, e diz que gosta da obra "por descrever como era o cotidiano das cortes dos reis de outras épocas". Já Pedro Henrique Silva, o "Itabirito", de 16 anos, aluno do curso técnico em Transportes e Trânsito, diz que lê livros "simplesmente por prazer". Já a leitura de revistas, para ele, "se deve à importância de estar bem-informado nos dias atuais". Aos domingos, Pedro lê jornais. O "Itabirito" anda com um Stephen King embaixo do braço (A torre negra) e atualiza-se com Época. Ana Flávia, 16 anos, também aluna de Turismo, está lendo As Crônicas de Nárnia, de C. S. Lewis. "Foi um livro que recebeu uma boa crítica e esteve por várias semanas na lista dos mais vendidos. Por isso, decidi lê-lo, já que achei a história interessante". A garota diz que lê freqüentemente, embora a escola a impeça (!) de ler tanto e tudo quanto gostaria. "Pelo fato de estudar em tempo integral, infelizmente não tenho tido muito tempo para leitura". Dez leis para ser feliz, de Augusto Cury, este é o livro escolhido por Débora, que começou a ler porque acha o tema interessante. "Num mundo de tanta correria como o nosso, a gente às vezes esquece de como é importante ser feliz e perdemos as rédeas da situação e acabamos nos embaraçando nas preocupações do dia-a-dia. E também comecei a ler porque minha mãe estava lendo um livro deste autor e me contou sobre a sensibilidade dele ao escrever." Débora gosta de saber sobre o comportamento humano, além de ler a revista Superinteressante. Também curte livros de história, crônicas e romances. Guilherme, 16 anos, tem na cabeceira Memórias de uma gueixa, de Arthur Golden. Diz ele que achou o filme tão bom que resolveu ler a obra. "Pensei que o livro podia completar a história". Boa pedida. Gui não lê com freqüência porque não tem acesso a todo tipo de leitura, aproveita para denunciar a falta de tempo e a falta de obras interessantes na biblioteca do colégio. Para esta turma, leitura e lazer andam de mãos dadas, pelo menos fora da escola. Lá dentro, não é exatamente lugar de leitura. Pelo menos não esta de que eles querem desfrutar com prazer, por escolha própria. Lá parece ser o lugar apenas das obrigações. Inclusive daquelas que não ajudam na hora de ler um livro espontaneamente. Também é interessante como as outras mídias (tevê e cinema, principalmente) influenciam na escolha dos garotos. É claro que isso é importante, mas é bacana também se outras influências puderem alterar a rota mass media desses leitores em formação. A mãe, o pai, o irmão são potenciais multiplicadores. Aí é que entra a agência de formação que o ambiente doméstico deveria ser. É bastante comum que, numa casa em que a leitura não é sequer valorizada, as pessoas repitam um discurso pró-leitura. Ou mesmo que os pais cobrem da escola o milagre de fazer o que eles mesmos não fazem. Embora muita gente goste de dar palpites impulsivos, a questão da formação de leitores não é, de forma alguma, só da escola. Trata-se de uma empreitada para várias frentes de trabalho: a escola, sim, mas a casa, a família, os amigos, a televisão, a Internet e mesmo as políticas públicas. Os meninos lêem sim, basta olhar por cima do muro. Ana Elisa Ribeiro |
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