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Sexta-feira, 20/7/2007 Impressões sobre a FLIP Guilherme Conte Isso já dá um pouco da medida do evento midiático que é a FLIP. A cidade torna-se uma ciranda de crachás de diversas cores pra lá e pra cá, flashes incessantes de máquinas digitais (e celulares, agora, também), autógrafos e lançamentos e vernissages e exposições e toda a sorte de "etcs" que a sua imaginação for capaz de conceber. A literatura, ou as discussões que interessam, ao menos, acabam não raro ficando em segundo plano. A quinta edição da festa já nasceu diferente: Cassiano Elek Machado conseguiu montar a melhor programação de todas as FLIPs até agora. Não só por uma escolha de nomes mais cuidadosa, com menos espaço para pseudo-escritores e pára-quedistas de plantão (sempre os haverá, até o fim dos tempos), como também com uma concepção mais refinada por trás das mesas - sem pérolas de edições passadas como "Vozes femininas" e demais lampejos de genialidade. Se por um lado a FLIP começa a sofrer na pele o que o ministro Guido Mantega chamaria de "fruto do crescimento" - no sábado era impossível arrumar em tempo razoável uma mesa em algum restaurante e uma pane geral derrubou a luz em boa parte de Paraty -, por outro ela parece estar se encontrando mais enquanto projeto de discussão. O que não melhorou muito, lamentavelmente, foi o nível medíocre dos moderadores. Continua a mesma sensação de despreparo e absoluta falta de criatividade, que dirá curiosidade. Vocês hão de convir que cansou a mesma ladainha de "quais são suas influências?" e "como foi o processo de criação do livro tal?" E fica também uma questão a se pensar: por que será que as melhores mediações são de não-jornalistas? A professora Lilia Moritz Schwarcz, por exemplo, deu uma verdadeira aula de competência e elegância na mesa com o historiador Luiz Felipe de Alencastro. Em um balanço, o saldo é bem positivo. A se confirmar como tendência o ritmo impresso por Cassiano nessa edição, esperamos com certa ansiedade o que a festa de 2008 pode nos trazer. Em especial, atenção aos diálogos com outros formatos, como a música e o teatro. E ficam os pobres votos deste colunista para que se democratize o acesso às mesas. Por que não telões apontando para a praça? Um pequeno gesto que seria de muita grandeza. Gafieira de primeira linha O que nasceu como uma brincadeira entre amigos resultou em um projeto musical de qualidade, que esbanja carisma e bom humor; uma trajetória parecida com a de um outro pessoal, lá de Recife-PE: o Projeto Del Rey. A Orquestra - como é carinhosamente chamada pelo público - está entre o fino do repertório da linha de frente nacional e os shows estão cada vez mais concorridos. O recém-lançado álbum Carnaval só no ano que vem é prova inconteste da qualidade do conjunto. São onze grandes canções que exploram bem a diversidade de sonoridades da Orquestra sem no entanto diluir uma linha estilística clara. Isso resulta em um disco redondo, sem emendas ou aquela incômoda aparência de mosaico irregular que poderia aparecer em um projeto do tipo. É antropofagia pura, em que dialogam bem as diferentes idades e escolas (desde os veteranos Wilson das Neves e Nelson Jacobina), com muito balanço e estilo. O prazer de escutar o álbum supera em anos-luz de distância o debate rasteiro que perde-se em comparar a Orquestra com o Los Hermanos etc. O grupo é autêntico, tem uma proposta sólida e arma-se até os dentes para defendê-la. Isso tudo, somado ao carisma e empatia da turma, garantem à OI a verdadeira devoção que lhe é prestada, já há tempos. Para não fugir à discussão por assim dizer mais técnica, opto por destacar o trabalho do músico e produtor Kassin, que vem concebendo os universos sonoros de muitos grandes discos que têm surgido recentemente. Um artista criativo a quem estão dando material de qualidade para trabalhar: não tinha como dar errado. Se souber de algum show da Orquestra, compre o ingresso com o máximo de antecedência possível; eles costumam evaporar em um piscar de olhos. O show será com certeza uma experiência especial. Se não puder, contente-se em comprar o disco. Você terá em mãos um álbum que é de saída um dos melhores de 2007. E o fora de moda sai de moda Reportagem de Rodrigo Brancatelli no Estadão do dia 18/06 ("A balada sai da Vila Olímpia") traz o dado interessante de que caiu para um terço o número de bares, restaurantes e baladas no bairro da Vila Olímpia. Se no auge, há poucos anos, eram cerca de 3.000 (sim, é isso mesmo), hoje não passam de 1.000. Coisas de grandes cidades. As metrópoles são organismos vivos, pulsantes, em constante mutação. Guardam em si um elemento paradoxal: são sempre as mesmas, mas não param de mudar. Ir a Londres duas vezes, com cinco anos de diferença entre as viagens, é encontrar-se com duas cidades iguais. Mas também muito diferentes. Há cerca de 20 anos o que pegava era a Avenida Ibirapuera. Depois a coisa migrou para a Faria Lima e a Vila Olímpia. Hoje, o bairro, à noite, tem ares mesmo de cidade-fantasma, com pistoleiros e bolas de feno. E já é impossível achar uma vaga para estacionar em Moema, com seus barzinhos todos iguais. O Itaim, também, não anda lá um sinônimo de tranqüilidade. A coisa começa a escoar para os lados da Vila Madalena. Antes, as ladeiras arborizadas do bairro davam guarida apenas a botecos simpáticos, restaurantes descolados e aqueles sambinhas que "só vai conhecido". Agora começam a esgueirar-se por ali genéricos daquelas baladas e bares que outrora empesteavam a Vila Olímpia. Uma pena. A coluna faz votos de que essa tendência não se confirme. Afinal, nada mais fora de moda do que aquelas filas quilométricas, drinques mal feitos por preços astronômicos, manobristas igualmente exorbitantes e demorados, serviço pífio, freqüentadores chatinhos e iguaizinhos, ambientes superlotados e esfumaçados e seguranças arrogantes e truculentos. Chega, né? Pequena homenagem a um boêmio notável Era um daqueles tipos notáveis que por vezes parecem ter saído das páginas de um romance de García Márquez. Zanzava pelos bares em uma magra bicicleta vendendo bichinhos de pano feitos por sua mulher. Incontáveis paulistanos têm um ou mais de seus bichinhos encostados em algum lugar da casa. A peculiaridade dos pequenos objetos fica por conta de seus nomes: Inconsciente Coletivo, Pássaro do Terceiro Milênio, Tô-li-tô-lá, Marciano Erótico, Lilly - A Namorada do Puppy, Madacaru, Pitico, Zé Celso e tantos outros... E com extrema alegria Armando comemorava cada venda. Se convidado, sentava e tomava um Guaraná, feliz por "estar entre jovens, batendo papo". Aos poucos se abria para contar sobre sua juventude, os tempos de USP. Dizia ter vontade de escrever um livro com histórias da noite. Assim bem o definiu Rodrigo Antonio, grande amigo e biógrafo de Mia Couto: "O nosso Joe Gould". Morre com ele um pouco do romantismo da cidade e de outros tempos. Os tempos que se desdobram em outros e viram enfim os tempos de todos os tempos. Que Armando possa descansar para ser cantado pelas noites da Vila Madalena, a evocar o desejo de um mundo mais digno. Guilherme Conte |
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