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Segunda-feira, 20/8/2007
Pastelão
Eduardo Mineo

Acho que nunca recriminei o futebol dizendo se tratar de vinte e dois (vinte e dois, né?) homens correndo atrás de uma bola porque gosto de assistir coisas bem mais tontas que isto. Não é tão constrangedor quanto parece porque sei que gente mais culta que eu também se diverte assistindo Os irmãos Id e Ota ao ponto de um ataque de riso subjugá-lo no chão por causa de uma cena ridícula de gases. Gosto de Hitchcock e de ouvir Beethoven, mas existe algo que me fascina vergonhosamente quando Leslie Nielsen estoura o champanhe e mata um papagaio que cai numa sopa e espirra em alguém de smoking. Não tenho nem explicação para isto; é simplesmente mais forte do que eu.

O que me constrange de verdade é que este tipo de comédia só foi possível por causa da mesma tolerância que permitiu o surgimento das colunas da Folha e do programa da Cicarelli. Sendo eu uma fonte inesgotável de bons costumes, me dói fazer a concessão absurda de que gosto de algo cuja existência esteja ligada ao aparecimento de revistas sobre como melhorar sua vida sexual. O que me conforta, entretanto, é que por mais apelativa que uma comédia pastelão seja, por mais gente pelada que nela apareça, tudo é tratado através do ridículo e do humor, o que pelo menos suaviza a coisa toda. A pior cena de Porky's é menos indecente do que um jornalista tentando nos convencer de que a parada gay é algo respeitável.

Por exemplo, não seria possível um filme como Loucademia de polícia na época de W.C.Fields e dos irmãos Marx. Eles fizeram comédias fantásticas - O diabo a quatro dos irmãos Marx é coisa de gênio -, mas ainda assim a época exigia abordagens mais delicadas e estou falando de algo tipo Apertem os cintos que o piloto sumiu, um troço agressivo pra burro. Já pensou? O mundo ainda não estava preparado para ver Lloyd Bridges deixar cair sua dentadura numa taça de vinho.

Em princípio, o formato, digamos, circense d'O gordo e o magro, d'Os três patetas e até dos irmãos Marx enjoou porque cambalhotas são chatíssimas perto do potencial cômico de uma disenteria. Nas décadas de trinta e quarenta, os filmes já tinham um senso de humor mais forte, como nas comédias de Cary Grant e Katherine Hepburn. Não que houvesse disenteria nos filmes de Cary Grant e Katherine Hepburn, eu estava só brincando, droga, esqueça.

Mas até os filmes cômicos de John Wayne e suas brigas de bar na modalidade todo mundo contra todo mundo valem para ilustrar as mudanças no cinema de comédia para o início do pastelão. Provavelmente, o último passo foi Monty Phyton. Desafio qualquer ser humano, qualquer pessoa com um mínimo de vida, a manter a sua integridade solene de oficial de cartório assistindo um filme da turma do Monty Phyton. Impossível.

Férias frustradas, com Chevy Chase - ave, Chevy Chase! - talvez tenha definido o formato pastelão. E é um filme que faz parte da vida de pelo menos duas gerações. O absurdo e o ridículo tornam esta comédia maravilhosa porque tudo é muito engraçado e não porque, ó, vejam como estão satirizando o idiota-médio-americano. Ninguém é mais idiota do que um idiota dizendo idiota-médio-americano. Tendo as melhores piadas do mundo pra rir, o cara resolve fazer uma maldita análise sociológica. Acontece o mesmo com The Simpsons. Toda vez que alguém fala que o Homer é uma sátira ao idiota-médio-americano, uma fada morre em algum lugar, de tanta amargura que sai da cabeça desse sujeito.

Geralmente são fãs de cinema francês também. Às vezes, vejo fãs de cinema francês, gente muito intelectual, muito sabida, torcendo seus bigodes fininhos imaginários para filmes de comédia pastelão e minha indignação é tanta que, se eu estivesse num filme do Godard, ficaria pelado e sairia matando gente e roubando, mas como sou molto gentile - e tímido, é verdade -, prefiro me manter vestido e assistir O Balconista que, pelo menos, me deixa feliz.

Tudo bem, Jean-Marie Poiré também me deixou feliz com seus dois Les visiteurs e por isto seria uma injustiça falar assim do cinema da França. Teve uma adaptação para o cinema norte-americano, Just Visiting, que é mais, hum, suave e mais bonito - só a beleza da Christina Applegate já confere ao filme mais autoridade que toda a obra de Ingmar Bergman junta. Mas a versão francesa é melhor, certamente. E Ingmar Bergman também, claro, eu estava brincando de novo, não liguem.

Mas comédia pastelão é necessária, poxa vida. Não é algo que exatamente engrandece o espírito, porém o deixa mais leve, acho. Tudo me parece mais suave depois de um filme com Charlie Sheen imitando o Rambo, etc. Ou, pelo menos, mais divertido. Sei o valor que os dramas têm, que os filmes intelectuais têm e tudo; mas que sem graça uma vida só de citações inteligentes e sentimentos complexos. Todos aqui somos pessoas bem comportadas, mas não precisam fazer esta cara de choque sempre que Jim Carrey tenta matar uma vaca - porque isto é realmente engraçado. Fiquem tranqüilos e riam. Se eu digo que é engraçado, é engraçado. Acreditem.

Eduardo Mineo
São Paulo, 20/8/2007

 

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