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Quarta-feira, 29/8/2007
Sobre viver em qualquer lugar
Lisandro Gaertner

Nunca fui um grande entusiasta de mudanças. Acredito que alguns poderiam até discordar de mim devido ao grande número de vezes em que troquei de apartamento (cinco) e emprego (oito) desde os meus 21 anos. Aos que discordam, esclareço: não gosto de mudanças, sofro de instabilidade.

Mudança é um movimento consciente em prol de atingir um determinado objetivo. Instabilidade, o mal ou bem de que sofro, é a incapacidade de se manter na mesma situação, lugar ou ocupação por muito tempo. Uma mudança sempre implica num compromisso e na intenção de permanecer no próximo estágio por tempo suficiente para criar algumas raízes. A instabilidade te faz girar e girar em volta do mesmo ponto sem que você consiga, ou queira, se ligar a nada. Mudança é natural. Instabilidade? Um pequeno sinal de neurose.

Apesar dessa minha psicopatologia, nos últimos tempos a idéia de mudar do Brasil tem me perseguido. Talvez seja obra da exacerbação de brasilidade que o país vem experimentando desde o início do governo Lula, ou, simplesmente, da constatação de que minha carreira (se é que posso chamar disso) chegou onde poderia chegar. O fato é que, dentro da minha instabilidade funcional, acho que aqui já deu o que tinha que dar. Aliado a isso, tenho visto amigos indo e/ou fugindo para o exterior a 3 por 4. Alguns atrás oportunidades de emprego. Outros simplesmente correndo na frente de algo que querem evitar. Em suma, também não quero ser o proverbial caboclo que vai apagar a luz. Literalmente.

Sem saber onde começar, deixei a cargo do destino - outro vício da instabilidade - me mostrar sinais de onde devia ir. Nisso chega, através do Digestivo, a oportunidade de resenhar um livro chamado Como é viver nos Estados Unidos? (Gazeta, 2007, 111 págs.). Ciente de que meus prováveis destinos são os países de língua inglesa, já que o meu francês só dá pra ler Asterix e o meu espanhol não me permite nem cantar a "Macarena", egoisticamente assumi a função.

O livro chegou rapidamente, com uma dedicatória escrita em letra miúda me convidando a ser inspirado por "(...)este livro de cultura e emoção(...)". A leitura foi também rápida, mas, confesso, pouco agregou.

Aline Tonini, a autora, relata, num misto de biografia e guia, a experiência de fazer a América, ou seja, ir aos Estados Unidos para trabalhar que nem um cavalo e fazer dinheiro. Passando pelos empregos de praxe para os imigrantes, cadeias de fast-food, mercearias e tal, ela explica como efetivamente sobreviver na terra do tio Bush. Sobreviver? Exatamente. Sobreviver.

Acho que aí reside o primeiro grande problema do livro. Ao invés de se chamar Como é viver nos Estados Unidos, o título deveria ser "Como é sobreviver nos Estados Unidos". Desde os horários horripilantes de trabalho, até as agruras emocionais sofridas devido à distância da família e à frieza dos WASPs, passando por mini-aulas do idioma local, o livro se apresenta como um manual para o imigrante que não deseja aprender mais do que o inglês funcional, ralar que nem um louco e voltar para o Brasil com a conta bancária um pouco mais gorda. Em momento algum, Aline faz menção a qualquer descoberta interessante sobre o novo país. Seu espanto e admiração seriam os mesmos se ela tivesse vindo de um país de quarto mundo para cá sem saber o português. Visitas a shoppings, pequenos passeios turísticos e o convívio com a comunidade brasileira local recheiam suas esparsas e aparentemente tediosas folgas. Nada de novo. Nada que ela não pudesse fazer numa grande cidade brasileira.

Acredito que um livro bastante interessante de mesmo teor poderia ter sido escrito sobre os nossos migrantes chegando a São Paulo na década de 60. No último capítulo, fica claro que o propósito dela ao sair do Brasil não era ir para qualquer lugar que fosse, mas, sim, voltar, em melhores condições financeiras, mas simplesmente voltar. Para a sua família e para a cidade em que diz se sentir tão bem e segura. Voltar para o lugar de onde ela, de certa maneira, nunca saiu.

Pensei no que escreveria numa resenha, e fiquei empacado. O livro é razoavelmente interessante e bem escrito, mas não era para mim. E para fazer um artigo frio em que corria o risco de malhar algo que não merecia ser malhado, me calei.

O tempo passou, uma crítica sobre o livro foi lançada aqui no Digestivo e, apesar de discordar dela em diversos pontos, me senti um pouco mais liberado dessa obrigação. No entanto, ainda me passava pela cabeça, ainda mais depois do famigerado acidente da TAM, sair do país. Então, semana passada, como o desenganado que vai buscar uma segunda opinião para a sua evidente doença terminal, comprei o novo livro do Polzonoff.

Em A face oculta de Nova York (Globo, 2007, 128 págs.) lemos sobre um outro país. Não um país de trabalho duro e acumulação, mas um ambiente curioso e de descobertas. Apesar da racionalidade aparente, Polzonoff, quando discorre sobre pequenos e interessantes detalhes que propositadamente busca em suas andanças, incute nos textos uma emoção sincera e, por que não dizer, quase infantil. As inevitáveis comparações com o Brasil, que no livro da Aline são focadas em questões familiares, no livro do Polzonoff servem para nos mostrar com mais clareza quem somos e para onde estamos indo. Se o primeiro livro trata de como sobreviver na América, o segundo fala despudorada e deliciosamente de como vivenciá-la.

Apesar de ter adorado o livro, ele também não respondeu as minhas questões. E, pensando bem, não deveria ser esse o objetivo de livro algum. Tanto Aline quanto Paulo me serviram apenas como interlocutores, atiçando ainda mais a minha dúvida: vale realmente a pena sair do país?

Aline me contou o lado prático da questão, esclarecendo como é a segurança, a saúde e a alimentação. Polzonoff me falou dos prazeres estéticos e das oportunidades de auto-realização da cidade que nunca dorme. Cada um na sua respectiva extremidade da pirâmide de Maslow.

Quando comecei a fazer essa comparação, não pude deixar de pensar num comentário que ouvi recentemente de outro viajante contumaz: Rafael Lima. Discutindo com ele se a Austrália, seu atual pouso, é um bom lugar de se viver, recebi a seguinte resposta:

- Só se você estiver disposto a mudar e tiver a cabeça aberta para repensar o que é e o que quer ser. Assim qualquer lugar vale a pena.

Olhando dessa maneira, tanto Aline quanto Polzonoff estariam, em seus livros, apenas se projetando em seus ambientes, mostrando quem realmente são, ao invés de expor simples considerações sobre seus destinos de viagem. Cada um, óbvio, na sua própria visão da realidade.

Pensando bem, isso aconteceria com qualquer um. Se fosse eu a visitar e falar da América, aposto que me concentraria nos subúrbios de Nova Jersey, nos nerds que circulam pelas Gen-Cons da vida, nas esquisitices cotidianas e acabaria encontrando pouso numa cidade no interior do Texas onde a cerveja fosse barata e a vida corresse da mesma e desesperante maneira todo santo dia. Que papel eu teria lá? O mesmo daqui: bufão local. Instável, sempre girando, agora, em outro lugar.

Como eu disse, não sou chegado a mudanças, contudo, a instabilidade gerada pela troca de cenário relatada nos dois livros me pareceu divertida. Mesmo que as visões alheias não se encaixem exatamente na minha. Afinal, ao contrário do que dizem, carregar o gueto dentro de você, Deus me perdoe por parafrasear Marcelo D2, é uma das melhores maneiras de mudar o mundo à sua volta. Para isso, não precisa muito. Basta dar uma olhada ao seu redor.

Para ir além










Lisandro Gaertner
Rio de Janeiro, 29/8/2007

 

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