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Sexta-feira, 31/8/2007
O bom e velho jornalismo de sempre
Rafael Rodrigues

O jornalismo impresso tem, hoje, uma superioridade sobre o jornalismo on-line que talvez jamais deixe de ter. Teoricamente, os jornalistas dos veículos impressos são pessoas que se preocupam com o conteúdo de suas matérias, que correm atrás de fontes e que não se baseiam por simples pesquisas na Wikipedia.

Isso não significa que no jornalismo on-line só existam pessoas que escrevem qualquer bobagem ou que não escrevem boas matérias. Dizer isso seria atirar no meu próprio pé, pois escrevo para veículos eletrônicos e nem por isso deixo de fazer pesquisas ou entrevistas. Mas a possibilidade de publicação de conteúdo jornalístico na internet resulta, ao menos é o que percebo, numa pressa em escrever, publicar e ver a repercussão. Nessa pressa, o "blogueiro-jornalista", um dos protagonistas da discussão sobre se o jornalismo na rede substituirá o jornalismo impresso, "esquece" de verificar a veracidade de informações, não se empenha em descobrir um fato ou uma informação nova sobre o que está escrevendo. In fact, os blogs são nada mais que as informações da mídia televisiva e/ou impressa condensadas e liquidificadas com opiniões pessoais.

As publicações impressas têm essa vantagem sobre as publicações on-line e mais outra: tempo. Alguém aí já viu alguma reportagem de fôlego feita e publicada exclusivamente via internet? Arrisco dizer que ninguém responderá "eu" a essa pergunta. Pode-se até encontrar ensaios longos publicados na rede (quero dizer com "longo" algo equivalente a 4 páginas de uma revista). Mas será que alguém realmente leu o ensaio inteiro? Será que o leitor na frente do monitor não deu aquele "pequeno salto" de parágrafos? Afinal, cansado que estava, olhos ardendo, não faria mal nenhum pular alguns trechos daquele longo texto...

Com a imprensa impressa não ocorre isso. Os olhos também ardem, o leitor também está cansado, mas ele pode terminar de ler o ensaio no ônibus, na hora de descanso do trabalho, no café da esquina, na rodoviária, no aeroporto. Ou todo mundo aí tem laptop e conexão wi-fi para acessar a web na hora e no lugar que bem entender?

Aliás, bom exemplo posso dar aqui. Imaginemos um grupo de amigos. Quatro amigos. Eles se encontram pelo menos duas vezes por semana, num café, para lerem o jornal (impresso) do dia e comentar as notícias da semana. Agora imaginemos estes mesmos amigos, num mundo sem jornais impressos. Poderão ainda se reunir no café, claro. Mas com seus laptops? Vira-se uma xícara de café na máquina e adeus dois mil reais...

O exemplo tem lá sua carga de absurdo. Mas é para demonstrar quão absurda parece também essa idéia de que "os jornais impressos vão desaparecer". Não vão. Pelos motivos que citei acima e por outros.

Não acredito que possa ser desenvolvida uma maneira agradável de se ler um jornal no computador. Os grandes jornais vêm tentando há tempos, e não conseguem. Ler no computador, aliás, não é lá tão agradável e cômodo quanto ler um jornal ou revista impressos. E voltamos à questão de se ler num banco de shopping, deitado na cama, no sofá, no avião.

Na internet, o ensaio de um jornalista como o americano Gay Talese não teria a mesma repercussão que teria se fosse publicado num jornal impresso. Na rede, o texto se perderia, e sofreria com os leitores-pula-pula, que com certeza não leriam a reportagem inteira. Não há espaço na internet para gente do quilate de Gay Talese ou David Remnick, por exemplo. Diversos jornalistas e colunistas que fizeram carreira em veículos impressos têm blogs e colunas em diversos sites. Mas aí é que está: se eles vieram da mídia impressa, por que ela deveria acabar, se é ela que tem financiado, digamos assim, o melhor conteúdo dos sites e blogs?

Recebi recentemente o livro O massacre, do Jornalista (sim, com "J" maiúsculo) Eric Nepomuceno, um livro-reportagem sobre a carnificina em Eldorado dos Carajás, no Pará, que ocorreu em 1996. O Jornalista apresenta assim, o seu livro:

"Trabalhei neste livro entre fevereiro de 2004 e junho de 2007. Entrevistei 32 pessoas, algumas delas várias vezes, em São Paulo, no Rio de Janeiro, em Brasília, Belém do Pará, Marabá, Eldorado dos Carajás e Parauapebas. Essas conversas resultaram em cerca de 54 horas de gravações, além de três cadernetas de anotações.

Li, da primeira à última, as quase 20 mil páginas que integram os dois inquéritos — o da Polícia Militar e o da Polícia Civil — que investigaram o caso. Perdi a conta do número de documentos acadêmicos, análises, ensaios e material de imprensa que consultei."

Isso é jornalismo. Não creio que exista a possibilidade de a internet dar esse suporte a um jornalista. Não vejo como alguém "criado na rede" consiga fazer algo semelhante ao que Nepomuceno fez. O livro é dedicado a Eduardo Galeano. Se tivermos, no Brasil, dois (eu disse "dois") blogueiros-jornalistas (que escrevam apenas na internet) com 10% da capacidade, conhecimento e qualidade jornalística e literária de Eric e Eduardo, mudo meu nome.

Como leitor, não tenho interesse em ler matérias ou posts nos quais o sujeito fez uma pesquisinha no Google, deu uma olhadinha na Wikipedia e publicou seu texto baseado nas informações adquiridas em sua "pesquisa". Como leitor, me interessa o jornalista que levanta a bunda da cadeira para ver o fato como ele é. Me interessa o jornalista ou articulista que leu não só uma ou duas notícias relacionadas ao fato sobre o qual ele vai escrever, mas sim uma série de textos sobre o assunto. Me interessa o jornalista que luta até o fim para descobrir a veracidade de uma informação ou para consegui-la. Existe algum blogueiro que faça isso? Existe. Mas quantos são?

Recentemente, o jornalista Pedro Doria (que durante sete anos participou da equipe do NoMínimo, site referência em jornalismo on-line, mas composto por gente graúda e egressa da imprensa impressa) concedeu uma entrevista ao Digestivo Cultural. Sobre a questão do fim do jornalismo, disse:

"Redações não vão acabar e blogs não substituirão o jornalismo. Quem apostar contra as redações, vai perder; quem apostar contra os grandes, vai perder também. (...) as melhores escolas de jornalismo ainda são as redações."

É justamente nisso que acredito.

Rafael Rodrigues
Feira de Santana, 31/8/2007

 

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