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Quinta-feira, 30/8/2007 Christiane F., 13 anos, drogada, prostituída... Gabriela Vargas São muitos os livros que marcam época, mas poucos prevalecem com o enredo atual em um tempo em que tudo é descartável, do celular aos amores. E isso se torna mais surpreendente ainda quando se trata de um livro que, mesmo tendo sido lançado na década de 80, continua a ser polêmico em pleno século XXI, como Eu, Christiane F., 13 anos, drogada, prostituída... (Bertrand Brasil, 2003, 320 págs.), o que acaba por provar que o modo de vestir pode mudar, as tendências podem ser outras, a música e o jeito de falar também, porém sempre existirão dilemas universais, independentemente da época em que vivamos. Esse livro nasceu a partir de uma declaração dada pela então jovem Christine F. de 15 anos, em 1978, num tribunal em Berlim, quando respondia a uma acusação por uso de drogas. Kai Hermann e Horst Rieck, que assistiram ao depoimento, escreveram o livro a partir do depoimento de Christiane e de pessoas que se ocuparam dela durante o período em que se passa a história, nos permitindo ter diversas perspectivas sobre os fatos ocorridos. O livro é uma narração sobre a vida de Christiane da infância até os quinze anos, sua mudança de um vilarejo de poucos habitantes para a grande Berlim, o começo do envolvimento com as drogas leves até a dependência física por drogas pesadas, principalmente a heroína, e sua total decadência. Desta forma, o livro acabou se tornando muito mais do que um relato verídico sobre o mundo das drogas, pois mostra como isso vem a acontecer, os problemas da própria sociedade que levam um jovem a trilhar por esse e outros caminhos, como a prostituição, a delinqüência, a mentira, o suicídio. No prefácio, Horst-Eberhard Richter nos introduz muito bem a isso, dizendo: "Na realidade, Christiane e centenas de milhares de crianças e adolescentes só se afastaram do nosso mundo por decepção, porque os adultos não lhes souberam dar a imagem de uma comunidade humana em que eles tivessem seu lugar, à qual eles gostariam de se integrar e na qual encontrassem compreensão, segurança e calor." No caso de Christiane isso ocorreu, principalmente, por causa da liberdade exarcebada que sua mãe lhe deu, tornando-se permissiva nos momentos em que mais precisava ser firme, como se essa atitude fosse o pagamento de uma dívida por não ter tido tal liberdade na adolescência. Além, é claro, da violência com que o pai tratava a família durante a infância de Christiane, que além de física, era moral, negando que tinha esposa e filhas na frente dos amigos. Em certos momentos, surgia em mim um sentimento de pena daquela mãe que sempre quis proporcionar o melhor para a sua filha, mas que, por não dar a atenção que a filha precisava num momento tão importante de transição, acabou por perdê-la para o mundo das drogas e se tornou impotente perante essa situação. Porém, engana-se quem pensa que o livro trata apenas sobre as drogas, e talvez seja por isso que ele tenha feito tanto sucesso, pois, além desse problema, existia uma adolescente como outra qualquer, que tinha sonhos, medos, namorados, primeira vez... "Minha conversa preferida era imaginar o que faríamos, Detlef e eu, se tivéssemos bastante dinheiro. Compraríamos uma casa grande, um carrão, móveis, tudo de muita classe. Sonhávamos com um monte de coisas, menos com a heroína." Observamos, ao longo da narrativa, esses e outros dilemas de uma menina que estava a descobrir o mundo, a crueldade das pessoas, a competição, uma menina que resolveu criar o seu próprio mundo para não viver nesse, uma menina sensível demais, crítica demais e que acabou por se perder no mundo das drogas. No começo, esse mundo parecia mais interessante por proporcionar viagens que lhe faziam esquecer da realidade, mas aos poucos só lhe trouxe mais problemas, tristeza e insegurança, logo a deixando desamparada e sozinha nas suas próprias frustrações. "O que quer dizer essa de 'proteção do meio ambiente'? Para começar, é ensinar as pessoas a viverem juntas. É isso que deveríamos aprender nessa escola, a se interessar uns pelos outros, em vez de cada um querer ser mais do que o outro, ser mais forte do que o cara ao lado e passar o tempo todo fazendo malandragens para ter uma nota melhor." Talvez por ter somente dezesseis anos, eu possa dizer que esses sentimentos são comuns em nós, jovens, de uma hora para outra arrancados de nossas bolhas de cristal onde tudo é perfeitamente lindo e verdadeiro e jogados num mundo em que o individualismo impera soberano e onde não importam os métodos para se conseguir o desejado, desde que se consiga. Eu, Christiane F., 13 anos, drogada, prostituída... obviamente entrará na minha lista de favoritos, pois consegue ser um livro que fala sobre adolescentes sem ser restrito aos adolescentes. É um livro para todos, para os que já foram adolescentes, para os que têm medos, angústias, inseguranças, para aqueles que são dependentes químicos, alcoólatras, que têm algum tipo de problema ou simplesmente para qualquer pessoa que queira sentir. Um livro demasiadamente humano. Para ir além Gabriela Vargas |
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