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Segunda-feira, 24/9/2007
A propósito de Chapolin e Chaves
Eduardo Mineo

Roberto Bolaños, pra mim, é gênio. Concluí isto pela primeira vez com uns quinze anos, o que provavelmente significa que eu tenha concluído errado, que é o que pessoas de quinze anos fazem, concluir errado, mas acho que sim: ele é gênio. E sinto pena dele por isto. Sempre tive receio em ser gênio - graças a Deus sou meio lerdão - porque você fica a todo instante susceptível ao terrível risco de fazer algo tão bom, mas tão bom, que até as pessoas de mau gosto gostarão. Penso em Strauss com amarga compaixão, imaginando quantos casamentos bregas tocaram suas músicas nos momentos mais ridículos da existência humana. Decididamente, não sei o que motivaria um gênio quando se sabe que sua obra pode acabar requebrando numa colação de grau da PUC. Como se motivar diante de uma tragédia como esta? Nada pior para o sublime que uma colação de grau da PUC! Mas, em todos os casos, Roberto Bolaños é gênio, sim.

Não é a toa que seu apelido é Chespirito, uma alusão meio óbvia a Shakespeare e óbvia e meia a um gênio. Daí não posso concluir diretamente que Bolaños é gênio, claro, mas me parece uma boa indicação, não? O mais difícil em convencer sobre a genialidade de Bolaños é que todo mundo, até quem sabe que ele é gênio, assiste seus programas como se fossem apenas uma série precária de mexicanos atrapalhados, que é verdade, mas não é apenas isto. Tente reparar um pouco mais, dê-lhe um pouco mais de crédito porque há genialidade escondida ali. Em uma frase solta, em uma resposta atravessada, em uma careta. E, além do mais, é um troço cheio de referências, de fundamentos, que quase ninguém repara. Eu mesmo nunca havia reparado.

Fazia meses que não assistia televisão aberta - ó, doces meses sem televisão aberta -, até que o flagrei fazendo uma adaptação da vida de Chopin num episódio da série Chapolin. Ok, era um Chopin que trocava o charuto pela caneta, mas era Chopin! Numa atuação toda dramática, como o próprio Chopin, mas engraçadíssima. Não sou um especialista em Chopin, mas conheço razoavelmente suas études, estudos de piano tensos, rápidos e, óbvio, dramáticos; e sei como Chopin é exigente, difícil de gostar. Não é qualquer um que consegue lidar com as músicas de Chopin e, mesmo assim, ele conseguiu fazer de Chopin alguém por quem o público infantil pudesse criar algum interesse. Imagine um programa infantil hoje em dia falando sobre Chopin. Não sei se funcionou bem, ou se funcionou de alguma forma, mas só a tentativa que ele fez já é louvável. Eu mesmo não tenho muita paciência para Chopin. Até Beethoven me incomoda de vez em quando. Sou devoto a tudo que Beethoven escreveu, principalmente às suas quatro primeiras sinfonias, mas é como Paulo Francis escreveu: às vezes faz muito barulho. O que não acontece com Mozart, por exemplo, que só nos pede um pouco de atenção. Preste atenção em Mozart e ele te conquista. É provavelmente o que Bolaños também nos pede.

Bolaños adaptou também My fair lady para a série Chapolin, o musical da Broadway baseado na peça de Bernard Shaw. No YouTube, é possível até mesmo assistir uma versão comparada com a adaptação de Hollywood. Vejam só, uma das peças mais delicadas, mais belas, sendo apresentada para crianças. Aliás, não duvido que Matt Groening, dos Simpsons, tenha buscado em Chapolin este costume de utilizar os mesmos atores para adaptar várias histórias, como fez na adaptação do filme Amadeus de Milos Forman com Bart interpretando Mozart e a Lisa interpretando Antonio Salieri. A Disney também fazia isto, mas creio que a influência de Bolaños seja mais direta em Groening. A prova é o personagem Abelhão, um mexicano vestido numa fantasia de abelha semelhante à do Chapolin, por causa das antenas e tal. Está lá para quem quiser ver.

E episódios sobre Cleópatra foram vários também. Praticamente uma releitura bem humorada das obras de Plutarco, o biógrafo grego, num jeito mais eficiente que qualquer tentativa pedagógica que tive nos colégios onde estudei. Só algumas simples menções que escutei nos episódios que assisti prestando atenção já valeriam mais que todo o ensino médio em muitas instituições por aí, como quando o Quico fala na Dança das horas de Tchaikovsky. Se aparecessem outros vinte Bolaños, provavelmente não teríamos mais analfabetismo, dengue ou assinantes da Caros Amigos.

Chaves é essencialmente Charles Dickens. É Oliver Twist, especificamente. Não vejo outra referência tão marcante para Chaves quanto Dickens e aquela coisa toda da criança órfã lidando com a pobreza. Dickens tratou mais a questão da revolução industrial e a exploração da mão de obra infantil, etc., etc., que não aparecem em Chaves, mas o resto está todo ali. Até os atores que acompanham Bolaños me parecem extremamente influenciados pela atuação de W.C.Fields numa adaptação de 1935 do romance David Copperfield de Dickens. As expressões, as caretas, tudo, são fantásticas; tanto em Fields quanto nos mexicanos. E tudo me parece sempre muito genial. Os diálogos, as atuações, os temas, etc. Posso estar verdadeiramente errado, posso não ter sido exatamente persuasivo, mas Bolaños me parece ter tudo que é necessário para ser um gênio.

Eduardo Mineo
São Paulo, 24/9/2007

 

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