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Quarta-feira, 31/10/2007 A morte do disco Luiz Rebinski Junior A nova onda do do it yourself, lendário lema punk que realçava a livre iniciativa musical e política no fim dos anos 1970, não tem apenas dado novo ânimo a grupos que se valem da internet para gravar e divulgar música. Tem feito muito mais. A revolução da web tem alterado de forma radical a maneira com que se consome música e como as pessoas se relacionam com esse tipo de arte. Em artigo publicado no Digestivo Cultural (o texto é fragmento do livro Tempestade de Ritmos), Ruy Castro escreve sobre como o último suporte material para se ouvir música, o CD, está desaparecendo ante a avalanche de downloads. Castro descreve como a música foi das "grosseiras chapas primitivas" até os pequenos tocadores de MP3 em menos de cem anos. "A música hoje se espreme em aparelhinhos menores que uma caixa de fósforos, os quais tendem a diminuir ainda mais para caber, quem sabe, num ponto grampeado ao lóbulo, ou talvez num piercing espetado ao tímpano. A idéia é a de que, em breve, o ato de ouvir música dispense qualquer objeto físico - inclusive as orelhas", escreve o autor de Chega de Saudade - A História e as histórias da Bossa Nova. Mas além da mudança relacionada ao prazer visual que um disco proporciona - com seus encartes, fotos, informações sobre o artista e detalhes menores tão apreciados pelos aficionados por música -, a passagem para o som "virtual" também acaba com o que os artistas gostam de chamar de "a concepção de um álbum". Se antes um grupo entrava no estúdio para executar peças que - seja temática ou sonoramente - ao serem finalizadas dariam vida a uma obra com unidade musical, agora esse trabalho já não é mais tão requisitado. Isso porque com o formato MP3 dificilmente se escuta um álbum de fio a pavio, como se fazia com os LPs - era impossível ouvir os dois lados do disco todo sem se levantar da poltrona - e ainda hoje com os CDs. As faixas se sobrepujaram aos discos. Cada um faz sua própria seleção e a coloca em tocadores, sem se importar se aquela música era continuação ou não de outra canção. É pouco relevante também saber se o artista se preocupou dias e dias escolhendo a seqüência das faixas. Assim hoje faz pouco sentido gravar um disco como Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, dos Beatles, ou Tommy, uma das óperas rock do The Who. Menos sentido faz escutar de forma fragmentada em um tocador de MP3 discos como The Dark Side Of The Moon, a obra-prima do Pink Floyd, em que as músicas estão todas interligadas. Isso porque os exemplos citados são obras feitas para serem apreciadas do começo ao fim, sem interrupções. A concepção do disco, ou como queria Walter Benjamin, a sua aura de obra de arte, perder-se-ia em meio a outras músicas e estilos. Músicas como "Breath" e "The great gig in the sky", de Dark side, não fazem muito sentido entre um ska e um raggae. É fato, porém, que a troca de arquivos na internet democratizou de certa forma o consumo de música - ainda que este seja também um ponto questionável, já que no Brasil ainda é pequeno o índice de pessoas que tem acesso ilimitado à internet. Se nos anos 1980 um disco demorava cinco ou dez anos para chegar ao Brasil, hoje as coisas são bem mais fáceis. A um clique pode-se ouvir a última novidade de um grupo da Islândia ou Suécia. O mercado fonográfico por sua vez não sabe o que fazer diante da situação. Com as vendas em queda, as gravadoras estão em dúvida se apostam em novos formatos ou tentam de alguma forma salvar o velho modelo. Muitos selos já lançam músicas especialmente para downloads, em uma tentativa de revigorar a cultura dos singles, que pelo menos na Europa e Estados Unidos nunca saiu de moda. Do lado dos artistas, a maioria já não se preocupa tanto com vendas, canalizando suas ações em shows e outros tipos de eventos. É assim que vão ganhar dinheiro daqui para frente. Exemplo bem-acabado de tal estratégia é a banda inglesa Radiohead, que colocou seu novo disco, In Rainbows, à venda pela internet, propondo que o interessado pague apenas quanto achar justo pelo álbum. Abundância de sons Um fator desagregador, evidenciado até mesmo pelos fiéis "baixadores" de música, é que com a recorrente fragmentação dos sons e a abundância de possibilidades, sobra pouco tempo para apenas um disco ou artista. Outro dia um amigo me disse que tinha baixado a discografia completa do Beatles, incluído aí gravações raras, shows e as diversas coletâneas que a cada ano pipocam do grupo, mas que nunca tinha tido tempo para ouvir o material e que fixou as audições nos discos que já conhecia. Mesmo processo ocorre em relação ao surgimento de novos grupos que, encorajados pela facilidade de produção e disseminação de música na web, não são absorvidos pelo público, que logicamente não consegue captar tamanha informação. Com isso o prazer de se sentar em uma velha poltrona de frente ao aparelho de som e ler de cabo a rabo as informações do encarte de um disco, enquanto a música rola, perdeu-se entre downloads. Ainda assim, há uma parcela significativa de pessoas que vêem no CD - ou mesmo no LP - um objeto importante para o ato de escutar música. Para essas pessoas, a internet serve muito mais como meio, e não fim, para se ampliar os horizontes musicais. O conhecimento proporcionado pela troca de arquivos é apenas parte do processo. Afinal, música é muito mais do que um simples ato de ouvir algo mecânico. Música é sentimento, emoção. Quem se interessa por música não se contenta em apenas ouvir e ponto. O culto ao artista, às idéias e à estética musical - e visual, por que não? - como um todo também faz parte do universo sonoro. E esse, quem sabe, talvez seja um detalhe que possa dar sobrevida à velha forma de se escutar uma canção. Luiz Rebinski Junior |
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