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Segunda-feira, 5/11/2007
Les visiteurs
Eduardo Mineo

É incômodo quando vejo minhas convicções serem questionadas, mesmo porque geralmente elas são muito boas e espertas, mas começou a acontecer com uma certa freqüência de um tempo pra cá. Outro dia mesmo assisti Tropa de Elite e todo aquele meu papo de que só imbecil gostava de cinema nacional não fazia mais sentido algum porque o filme é ótimo. Percebem a gravidade? Um filme brasileiro bom. Onde já se viu, um filme brasileiro bom? Falei mal em outro texto no Digestivo Cultural sobre a atuação do Wagner Moura como o professor Higgins num espetáculo em São Paulo porque, bem, foi ruim mesmo, mas em Tropa de Elite ele está - como dizer isto sem parecer gay? - formidável. Formidavelmente impecável. Quer coisa mais incômoda que ter de dizer isto? Estou constrangido, vejam, ó, ó.

Mas não só esta minha convicção foi abalada. Uma outra, muito, muito mais sólida e mais bem fundamentada também foi. Escutem sem fazer barulho: existem filmes franceses agradáveis. Sim, estão lá, escondidos embaixo de toda aquela meleca existencialista. Antes de conhecer Jean-Marie Poiré, jurava que, se Disney fosse francês, Mickey seria algum sociopata com olheiras como meio de questionar os valores morais de uma sociedade pós-industrial hipócrita e exploradora, ao passo que agora vejo a possibilidade de um filme francês ser verde e divertido. É a minha autoridade intelectual esmorecendo diante das circunstâncias. Como dizer para meus filhos - que terei um dia - que eu gostei de um filme francês?

Bom, dois filmes, para ser exato, porque estou falando de Les visiteurs, que teve seqüência em Les couloirs du temps: Les visiteurs 2. São tão bons, tão legais que obrigo, por vezes agressivamente, todos os meus amigos a assistirem e gostarem. E eles gostam, claro, como se fosse possível não gostar. Oras, oras.

É sobre viagem no tempo, que parece, a princípio, e é até um assunto meio desgastado. Desde H.G. Wells até a trilogia De volta para o futuro, dá a impressão de que não há mais o que dizer sobre isto, mas Les visiteurs conseguiu ser um dos meus filmes prediletos nos primeiros quinze minutos. Foi fácil, fácil me convencer.

Lá na Idade Média, um cavaleiro recebe o direito de se casar com uma garota da nobreza por ter salvado a vida do rei da França. Receber uma garota da nobreza como prêmio por salvar o rei da França pode parecer miséria, pode parecer ridículo, uma vez que salvar um rei na França nunca foi das atividades mais simples de se fazer, mas o cavaleiro, conde de Montmirail, interpretado por Jean Reno, ficou satisfeito e feliz com seu prêmio. Até que ele foi enfeitiçado por uma bruxa má, que é o que as bruxas são, e acaba matando o nobre que era pai da garota. Para arrumar toda esta confusão, ele fez o que qualquer pessoa de bom senso faria: recorre ao mago do rei para voltar no tempo - e consegue, lógico, por que não conseguiria? Mas como o mago era atrapalhado, que é o que os magos são, deixou de colocar um dos ingredientes da poção e, em vez de enviá-lo ao passado, enviou o conde de Montmirail junto com seu servo para o futuro, nos dias atuais. Mil novecentos e noventa e pouco e tal.

Poderia resumir o resto do filme como eles tentando voltar ao passado, mas estaria jogando fora o essencial do filme, que é Jean-Marie Poiré contando o choque cultural entre alguém da Idade Média e a sociedade contemporânea sem nenhuma cena de estupro ou espancamento impressionante para isto. Apenas senso de humor. Cada cena tem um senso de humor tão preciso que me faz querer assisti-lo para sempre. E a atuação de Christian Clavier, o servo, também me faz querer assisti-lo durante não menos que a eternidade. É um dos melhores comediantes que já vi em vida, seguramente. E olhem que eu assisto regularmente a noticiários políticos.

Não apenas eu, como Hollywood gostou. Gostou tanto que comprou o filme e fez uma versão norte-americana chamada Just visiting, mantendo Jean Reno e Christian Clavier no elenco, mas colocando atrizes bonitas - sorry a indelicadeza - no lugar, como Christina Applegate fazendo a garota nobre. Acho que a idéia era apresentar uma boa obra para pessoas que, como eu, não assistiriam um filme francês nem debaixo de cinta. O roteiro permaneceu praticamente o mesmo, mantendo as melhores cenas e tirando algumas não tão necessárias. A continuação ainda não foi refilmada, mas é um dos poucos casos em que a continuação chega a ser melhor que o primeiro filme. O único detalhe é que ela deixa o final em aberto, como chamando um terceiro filme. Oremos.

Lembro de ter considerado bom outro filme francês também, o Amélie Poulain, do Jean-Pierre Jeunet, mas foi uma coisa particularmente estética e nem sei se eu realmente o considero bom. A rigor, não gosto, mas é um filme pelo menos bonito. A história é chatinha de tudo, mas é bonito de se ver, entende? Assim como outro de Jean-Pierre Jeunet, o Delicatessen, que é caótico do começo ao fim, chato daqui até o Japão, mas bonito, bonito. Cenas bem feitinhas e tudo que quase me fazem gostar. Mas com Les visiteurs e Tropa de elite não teve jeito. Fui derrotado. Gostei, gostei mesmo. Bons pra caramba. Podem anotar. Sério mesmo.

Eduardo Mineo
São Paulo, 5/11/2007

 

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